Coluna

Riscos e armadilhas para o País na integração a cadeias globais de valor

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 16 de novembro de 2019

O superministro da Economia, Paulo Guedes, sempre
foi um operador do mercado financeiro, ocupado integralmente na gestão de
ativos para multiplicar fortunas com jogadas nos mercados de juros, câmbio e de
ações. Nunca foi um formulador de políticas ou um gestor de pessoas. Em seu
liberalismo dos anos 1970, como bem anotou a economista Mônica de Bolle, diretora
de estudos latino americanos e mercados emergentes da universidade Johns
Hopkins, nos Estados Unidos,o ministro dos mercados que exterminar o Estado brasileiro,
escancarar a economia e ainda integrar a economia brasileira (ou o que restar
dela) às chamadas “cadeias globais de valor”, fazendo “40 anos em quatro”,
conforme declarou,parafraseando Juscelino Kubitschek, durante o encontro de
cúpula do Brics, realizado nos últimos dias em Brasília, quando se reuniram os
chefes de Estado do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul.

A depender dos caminhos escolhidos, essa
integração apresenta riscos e armadilhas para o País, conforme tem alertado há
tempos a economista Cristina Reis. Em seu currículo, Cristina carrega a formação
em economia pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em economia da
indústria e da tecnologia pela Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e
doutorado em Cambridge, além de professora adjunta da Universidade Federal do
ABC (UFABC).

Inicialmente, é preciso deixar claro que o Brasil
não faz parte dos centros mais dinâmicos da economia global e, bem ao
contrário, compõe o que os economistas chamam de periferia desse sistema. Uma
integração malconduzida poderia levar a economia brasileira a simplesmente ser
engolida pelos países mais desenvolvidos, eternizando-se no papel de
fornecedora de produtos naturais e matérias-primas e abortando assim as
tentativas de diversificação e de introduzir maior complexidade em sua
indústria. Uma abertura destemperada e unilateral, como vinha se tentando
realizar a partir da brutal redução da tarifa externa comum praticada pelo
Mercosul, seria desastrosa em vários sentidos, mas especialmente para a criação
de tecnologia, para a inovação e a geração de empregos aqui dentro.

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O conceito por trás da integração às “cadeias
globais de valor” está em geral associado ao processo de redistribuição de
estágios da produção de uma empresa entre vários países ou de terceirização
dessas etapas para parceiros externos, na descrição de Cristina Reis. Esse
debate esteve em voga na primeira metade da década, mas a falta de crescimento
havia interrompido as discussões.O ministro dos mercados recoloca o debate, mas
a discussão deveria ser mais qualificada, levando-se em consideração fatores estratégicos
e os interesses maiores do País. “Conduzida estrategicamente, a maior
participação do País nas cadeias globais de valor tem potencial para elevar a
capacidade técnica produtiva e sofisticar a matriz industrial”, observa
Cristina Reis.

Mas a inflação já caiu

Cristina lembra ainda, em entrevista recente, que
uma das justificativas para a abertura do mercado brasileiro a bens e serviços
importados, qual seja o barateamento desses produtos para o consumidor, parece
nitidamente deslocada num momento em que a inflação caminha para completar o
terceiro ano consecutivo abaixo do centro da meta inflacionária. Num outro tipo
de formulação, o combate à inflação pode, atualmente, prescindir inteiramente
de “ajuda externa”, vale dizer, da entrada de bens importados e mais baratos. O
escancaramento do mercado, neste momento, traria mais distorções e problemas do
que propriamente soluções para a economia brasileira e suas empresas.

Balanço

·  
Entre armadilhas e riscos ao longo do caminho da pretendida integração,
a economista observa: “Se um país se engajar nas cadeias globais apenas por
meio de atividades que adicionam pouco valor, é provável que pouco contribua
para o desenvolvimento econômico, ou até mesmo o prejudique, considerando seus
impactos negativos em termos de dependência tecnológica, heterogeneidade
estrutural (setor exportador com maior produtividade e salários do que os
outros setores da economia), vulnerabilidade externa, consequências ambientais
e sociais”, comenta a economista.

·  
O ideal, prossegue ela, “seria que os governos
almejassem que suas empresas participassem das cadeias de valor global
seletivamente e com soberania, de acordo com os objetivos de desenvolvimento”.Vale
lembrar que as cadeias lideradas por empresas transnacionais respondem por 80%
dos fluxos internacionais de mercadorias e serviços e de investimentos
estrangeiros diretos, o que dá uma ideia da dimensão do poder global dessas
corporações.

·  
Em sua tese de doutorado, Cristina Reis já havia defendido
que o “
aprofundamento tecnológico, seja através da melhoria da qualidade da
tecnologia e dos produtos já existentes ou através da mudança de atividades
pouco para muito intensivas em tecnologia, é importante para sustentar o
crescimento das exportações”. Para que esse processo beneficie também setores
não exportadores, num efeito de “transbordamento”, favorecendo a elevação da
renda per capita e da produtividade em geral da economia, será preciso contar
com “investimento e intensificação tecnológica”.

·  
O engajamento impensado e sem uma clara estratégia de desenvolvimento
pode levar a uma subordinação à lógica das grandes corporações que dominam o
mercado global, produzindo resultados nocivos para o desenvolvimento futuro e
para a preservação de um parque industrial complexo e diversificado.

·  
Mas isolar-se também não parece ser uma alternativa promissora, lembra
Cristina Reis. “Quando um país fica de fora dos segmentos de vanguarda da
economia internacional, o isolamento pode redundar em atraso tecnológico e
eventualmente perda de mercados. Não necessariamente queda de exportações, mas
provavelmente deterioração nos termos de troca.”

Como os principais mercados do País são a China e os Estados Unidos, num
comércio centrado em produtos primários, “seria básico, neste momento, retomar
a integração comercial e produtiva na nossa própria região (maior importadora
de manufaturas brasileiras), antes que percamos espaço para concorrentes como a
China”, sustenta Cristina.