Salto no caixa do Estado derruba dívida líquida para menos da meta da receita

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de outubro de 2021

Os dados trazidos pela edição mais recente do relatório resumido da execução orçamentária sugerem que a situação financeira do Estado tem experimentado avanços neste ano, com queda vertical no endividamento, favorecida pelo aumento das disponibilidades de caixa, redução das despesas com pessoal e crescimento das receitas primárias, dois pontos já detalhados neste espaço (O Hoje, 1º/10/2021). Em agosto deste ano, a dívida consolidada líquida de Goiás atingiu R$ 14,806 bilhões, registrando queda nominal de 22,43% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando a dívida era de R$ 19,086 bilhões. A dívida passou a representar 49,84% da receita corrente líquida ajustada para aferir os níveis de endividamento, diante de 74,28% em agosto do ano passado.

Essa redução pode ser explicada principalmente pelo salto na disponibilidade de caixa líquida. Descontados os restos a pagar processados, que somavam R$ 593,009 milhões em agosto deste ano, diante de R$ 1,140 bilhão no mesmo mês de 2020 (queda de 48,0%), as disponibilidades saíram de R$ 3,594 bilhões para R$ 7,768 bilhões, num salto de 116,2%. A dívida consolidada bruta recuou levemente de R$ 22,680 bilhões para R$ 22,574 bilhões (-0,47%).

Hipoteticamente, a tendência observada até aqui, mantido tudo o mais constante até o final do exercício, tenderia a melhorar a avaliação conferida a Goiás pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Como se sabe, no entanto, a secretaria trabalha sob critérios mais rigorosos (alguns arriscariam a classificá-los como “idiossincráticos”), que contemplam ajustes nem sempre considerados pelos gestores estaduais de forma geral. Apenas como exemplo, na avaliação sobre o desempenho fiscal de Goiás no ano passado, divulgada em agosto, a STN considerou um valor de R$ 1,782 bilhão para as disponibilidades brutas de caixa do Estado, quer dizer, menos de 40% do valor informado pelo relatório da execução orçamentária assinado pelo gabinete do governo do Estado, pela Secretaria da Economia e pela Controladoria Geral de Goiás.

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Ajustes, ajustes

Ao contrário da STN, o dado registrado pelo relatório estadual apontou uma disponibilidade bruta de R$ 4,487 bilhões, o que seria suficiente para fazer frente a obrigações financeiras estimadas em R$ 4,433 bilhões pela secretaria, até com uma “sobra” modesta. No Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, nome pomposo escolhido pela equipe da STN, as obrigações financeiras teriam sido 148,73% mais elevadas do que as disponibilidades de caixa, ou seja, a liquidez do Estado seria amplamente negativa, merecendo da STN uma nota “C” (as notas seguem de “A” a “D”, sendo esta última a pior avaliação, que considera a capacidade de pagamento dos entes federativos). O número divulgado pelo governo estadual, no entanto, sugere uma liquidez levemente positiva, com a disponibilidade superando as obrigações financeiras em 1,2%.

Balanço

  • Os demais critérios definidos pela STN para avaliar a capacidade de pagamento incluem a relação entre dívida consolidada e receita corrente líquida e entre a “média ponderada” da despesa corrente e a receita corrente ajustada. Neste último critério, a STN atribuiu nota “C” a Goiás, refletindo uma relação de 95,96% entre despesa e receita, o corresponderia a uma “poupança corrente” de meros 4,04%. Intrigantemente, no entanto, os valores relacionados pela STN levam a outro percentual.
  • Com receitas de R$ 34,270 bilhões e despesas de R$ 31,877 bilhões no ano passado, a relação entre essas duas variáveis estaria mais próxima de 93,0%, indicando uma poupança corrente de R$ 2,393 bilhões (18 vezes maior do que em 2019), algo em torno de 7,0% das receitas correntes ajustadas. Na média simples dos últimos três exercícios, a relação estaria em 96,72% (até pior do que a anotada pela STN).
  • Ao aferir o endividamento do Estado, a STN registra uma dívida consolidada bruta de R$ 22,666 bilhões (mesmo valor anotado pelo governo estadual para dezembro de 2020) para uma receita corrente líquida de R$ 26,323 bilhões (muito próximo do valor informado pelo governo, ao redor de R$ 26,336 bilhões). A relação entre os dois indicadores ficou em 86,11%.
  • Mesmo considerando a dívida bruta, o aumento de 15,6% na receita corrente líquida ajustada entre os 12 meses encerradas em agosto deste ano frente aos 12 meses imediatamente anteriores levou a uma redução daquela relação de 88,27% para 75,99% em agosto deste ano – ou seja, 10,12 pontos de porcentagem a menos do que o percentual anotado pela STN. Para relembrar, a secretaria atribuiu ao Estado nota “B”, a segunda melhor, ao avaliar seu endividamento.
  • A relação entre gastos com pessoal e encargos não entra diretamente na avaliação da capacidade de pagamento, mas tem influência, obviamente, no comportamento da despesa corrente. No ano passado, de acordo com a STN, a despesa bruta com pessoal, incluindo servidores ativos e inativos, sofreu queda real (descontada a inflação) de 10,3% entre 2019 e 2020, na maior queda entre todas as unidades da federação.
  • De acordo com a STN, a Lei Complementar 173/2020, que criou limites para concursos, contratações e reajustes salariais para o funcionalismo, teria impedido “aumentos não inerciais dessas despesas, o que explica a redução na trajetória de aumento” par ao conjunto dos Estados e para o Distrito Federal. “Como os efeitos dessas restrições terminam ao final de 2021, haverá maior liberdade dos entes em aumentar seus gastos com pessoal, exceto quanto à vedação de aumento de gastos com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato (segundo semestre de 2022), estabelecida na Lei de Responsabilidade Fiscal”, sugere a STN.
  • Não parece refletir a realidade, ao menos não em Goiás, onde as despesas com pessoal nos 12 meses terminados em agosto deste ano sofreram recuo nominal de 0,50%, passando a representar 40,01% da receita corrente líquida ajustada.