Coluna

Sem carteira e subocupados responderam por mais de 54% dos empregos criados

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 02 de julho de 2019

Os
números do mercado de trabalho refletem mais nitidamente o nível de incerteza
em cena no mundo econômico mesmo dois e meio depois de oficialmente decretado o
fim da recessão. As empresas não só têm se recusado a acelerar as contratações
como também, ao decidirem contratar, preferem dispensar os caminhos formais
para isso, achatando os rendimentos dos trabalhadores contratados. As práticas
nesta área indicam que as empresas continuam inseguras em relação às
perspectivas de alguma retomada mais substancial à frente e reagem ainda a
níveis de demanda muito reduzidos para estimular recontratações no ritmo
necessário para sustentar um novo ciclo virtuoso de crescimento.

Mais
objetivamente, a economia não cresce a ponto de estimular a abertura de vagas
em velocidade mais acelerada porque não há demanda suficiente para isso, o que
esvazia as possibilidades de uma reação mais à frente do consumo e desestimula
contratações futuras e decisões de investimento pelas empresas, num círculo
vicioso que só poderia ser rompido por mudanças na política econômica. Não é
que o número de ocupados em toda a economia tenha parado de crescer, a questão
é que esse avanço tem se dado em ritmo excessivamente lento, às custas da
fragilização das relações de trabalho e de um aumento mais do que proporcional
da informalidade e da subocupação, o que tem determinado uma recuperação de
baixíssima qualidade até o momento. Além disso, a persistência da taxa de
desemprego em torno de 12,3% tem levado ao aumento do desalento para níveis
recordes, atingindo 4,905 milhões de pessoas no trimestre finalizado em maio
deste ano.

Os
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) referente
ao trimestre março-maio deste ano, divulgada na semana que passou pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desenham um cenário
ainda cinzento para o mercado de trabalho. Muito bem, o total de ocupados
cresceu tanto na comparação com o trimestre imediatamente anterior quanto em
relação ao mesmo trimestre de 2018. Mas como se deram essas contratações? O
trimestre encerrado em maio deste ano registrou 92,947 milhões de pessoas
ocupadas, diante de 91,880 milhões no trimestre dezembro de 2018 a fevereiro de
2019 e de 90,586 milhões no trimestre março-maio de 2018. Portanto, foram abertas
1,067 milhão de vagas na comparação com o trimestre imediatamente anterior
(1,2% a mais) e 2,361 milhões frente ao trimestre março-maio do ano passado
(variação de 2,6%).

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Carga reduzida

No
primeiro caso, bem mais da metade dos novos empregos (na verdade 54,55%)
registravam carga horária insuficiente, ou antes, com número de horas de
trabalho inferior à carga horária regulamentar e que normalmente essas pessoas
estariam dispostas a trabalhar. O número de pessoas subocupadas por
insuficiência de horas trabalhadas aumentou 8,8% desde o trimestre encerrado em
fevereiro deste ano, saindo de 6,644 milhões para 7,226 milhões (um recorde na
série do IBGE, iniciada em 2012). Não por coincidência, essa também foi a
contribuição (54,55%) do crescimento das pessoas contratadas sem carteira, que
aumentaram de 17,599 milhões para 18,181 milhões (algo como 19,6% do total de
pessoas com algum tipo de ocupação).

Balanço

·  
Na
comparação com o trimestre março-maio de 2018, a contribuição dos subocupados
por insuficiência de horas trabalhadas na criação de empregos novos na economia
atingiu 38,0%. O emprego nessa categoria experimentou salto de 14,2% (quer
dizer, o aumento foi cinco vezes e meia mais intenso do que aquele observado
para o total de ocupados).

·  
O
número de ocupados sem carteira assinada cresceu 2,6% na mesma comparação e
respondeu por um quinto do aumento no total de ocupados. Incluindo no cálculo
os trabalhadores por conta própria, a contribuição sobe para pouco mais de 70%.

·  
As
ocupações formais, com carteira assinada, nos setores privado (incluindo
trabalhadores domésticos) e público contribuíram com 21,69% para o aumento do
emprego total na economia – uma participação muito reduzida e que torna
evidente, mais uma vez, o grau de incerteza com que as empresas em geral têm
operado nesses tempos.

·  
Para
tornar ainda mais visível esse dado, o aumento no total de trabalhadores por
conta própria sem registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídica (CNPJ)
somado ao número de trabalhadores sem carteira contratados a mais pelas
empresas foi responsável por 85,5% do incremento geral da ocupação desde o
trimestre encerrado em fevereiro passado.

·  
Aquelas
duas categorias também contribuíram com 53% no crescimento da ocupação desde março-maio
de 2018.

·  
O
resultado dessas movimentações tem sido uma estagnação do rendimento médio real
na faixa de R$ 2,3 mil por mês desde o ano passado. Na passagem de
dezembro-fevereiro para março-maio, o rendimento caiu 1,5%, levando a um recuo
de 0,4% na massa de rendimentos, para R$ 207,499 bilhões.