Setores “desonerados” demitiram 750 mil, mas aumentaram lucros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de janeiro de 2024

Os estudos empíricos já elaborados para avaliar a política de desoneração da folha de salários mostram, no limite, resultados bastante tímidos, quando não negativos e, portanto, contraproducentes a serem considerados os objetivos daquela política. Num trabalho minucioso, considerando dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Sistema de Contas Nacionais (SCN), o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contribui para aprofundar o debate ao acrescentar novos dados, mais detalhados, sobre a qualidade e eficiência da desoneração no estímulo ao emprego e aos salários.

Conduzido pelos economistas Gustavo Britto, Alexandre de Queiroz Stein, Diogo Santos, Arthur Queiroz, João Prates Romero, do Cedeplar, o trabalho reafirma que a literatura especializada não registra evidências empíricas de “impactos positivos, consistentes e sustentados da política de desoneração da folha salarial sobre empregos e salários”. Num resumo, o estudo “Desoneração da folha salarial: uma caracterização setorial a partir dos dados da RAIS e das Contas Nacionais” conclui que os setores favorecidos pela política de desoneração, já excluídos aqueles que já recebiam algum tipo de benefício semelhante, a exemplo das empresas participantes do Simples, perderam participação no total de empregos e na massa salarial entre 2011 e 2021, reduzindo também sua fatia no valor adicionado por aqueles setores à produção total (ou ao Produto Interno Bruto, o PIB).

Lucros (mas não empregos)

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Mas aumentaram o chamado “excedente operacional bruto”, mais claramente, a política de desoneração pode ter ajudado aqueles setores, com exceção da construção, a aumentar seus lucros desde que o benefício entrou em vigor. Os pesquisadores do Cedeplar não fazem esse tipo de ilação, mas, ao que sugerem os dados apurados ao longo do trabalho, a maioria dos setores não perdeu a oportunidade para reforçar seus lucros, num desvio de propósito em relação ao que se pretendia quando a desoneração foi adotada. “Criada em 2011, a lei que desonera a folha salarial foi promulgada, tendo como premissa teórica a percepção de que a redução dos tributos, ao constituírem um custo para as empresas, incentivariam a formalização dos empregos, aumentando postos de trabalho e seus rendimentos”, registra o estudo do Cedeplar.

Balanço

  • Os dados apurados pela equipe do centro mineiro de estudos mostram que o total de pessoas empregadas formalmente pelos setores “desonerados” havia avançado de 6,81 milhões em 2010 para 7,45 milhões em 2013, num incremento de 640,0 mil vagas, numa elevação aproximada de 9,4%. Dali em diante, os mesmos setores fecharam 750,0 mil colocações, com o total de empregos caindo para 6,70 milhões, numa queda de 10,0%. Aquele total correspondeu a um recuo de 1,6% frente a 2010, com afastamento de 110,0 mil trabalhadores.
  • Os setores “não desonerados”, na classificação estabelecida pelo trabalho, entre 2013 e 2021 foram gerados 720,0 mil empregos a mais, num avanço de 3,4%, saindo de 21,42 milhões para 22,14 milhões de trabalhadores. Aqueles segmentos ampliaram as contratações em 14,9% desde 2010, quando empregavam 19,27 milhões de pessoas, correspondendo à geração de 2,87 milhões de vagas. Como se percebe, mesmo diante dos efeitos perversos de uma recessão e, na sequência, da pandemia de Covid-19, alguns setores da economia, a sua maioria na verdade, não precisou de desonerar a folha de contribuições à Previdência para aumentar as contratações.
  • A participação dos setores “desonerados” no emprego formal e na massa salarial recuaram de 19,4% e 21,3% respectivamente, em 2010, para menos de 16,9% e 18,1% em 2021, considerando a mesma ordem de fatores. Essa perda de participação reforça a “relativa ineficiência” da política de desoneração. Para complicar o cenário, a fatia dos mesmos segmentos no valor adicionado (ou na produção total) desabou de 57,5% em 2012 para 44,1% em 2021.
  • “Considerando todos esses fatores, podemos concluir que, com efeito, a política de desoneração não segue as melhores práticas de políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico que têm ganhado destaque nos países desenvolvidos depois de décadas”, comentam os especialistas do Cedeplar. Na sua visão, “políticas setoriais de incentivo devem ser desenhadas com critérios claros sobre os setores a serem beneficiados, metas de desempenho e temporalidade bem estabelecidas por setor”.
  • No caso da desoneração, não há clareza nem mesmo sobre o total de setores favorecidos. Para ter uma visão mais precisa dessa informação, o trabalho utiliza a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) para estabelecer uma lista de produtos e com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) para definir a relação dos setores favorecidos. Ao compatibilizar todos os produtos e setores previstos na lei da desoneração, incluindo as alterações ocorridas após 2011, o estudo chegou a 2.583 produtos desonerados ou 26% do total de 9.909 listados pela NCM, distribuídos em 103 classes dentro da CNAE 2.0. Há outras 38 classes contempladas pela legislação, somando ao todo 141 classes ou 21% das 673 classes de atividades que integram a CNAE.
  • Por fim, o total de empregos formais gerados pelas 141 atividades econômicas desoneradas ficou 2,20 milhões abaixo dos quase 8,90 milhões exaustivamente mencionados pelo Movimento Desonera Brasil.