Sob ataque de Caiado, reforma traria ganhos para Goiás e 68% das prefeituras

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de agosto de 2023

A divulgação recente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de estimativas mais atuais sobre os impactos do substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição 45/2019 (PEC), aprovado no começo de julho pela Câmara Federal, foi recebida com ataques virulentos e injustificados por parte do governador Ronaldo Caiado. A verborragia habitual, recheada de desinformação e truculência, tratou de qualificar o trabalho como uma “obra do achismo”, simplesmente porque contraria a retórica assumida pelo governante desde o início, mostrando que a reforma trará ganhos para a economia em geral, beneficiando 60% dos Estados e 82% dos municípios, ao adotar um modelo de tributação mais equilibrado e justo, eliminando a cumulatividade dos impostos, abrindo espaço para ganhos de produtividade e melhorando a competitividade da economia no cenário internacional.

Trazidos a valores de 2022, numa simulação dos economistas Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador de carreira do (Ipea) e atualmente cedido à Secretaria de Fazenda do RS, onde atua como coordenador da assessoria técnica, e Priscila Kaiser Monteiro, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com mestrado pela Pontifícia Universidade Católica daquele Estado, Goiás teria um ganho de aproximadamente R$ 808,0 milhões com a substituição do regime tributário em vigor pelo novo sistema de cobrança de impostos sobre o consumo proposto pela PEC. Mais claramente, com o sistema em vigor, as receitas estaduais teriam alcançado R$ 26,451 bilhões e subiriam para R$ 27,259 bilhões sob o novo regime de tributação, caso tivesse entrado em vigor já no ano passado, num complexo exercício desenvolvido por Gobetti e Monteiro.

A nota técnica divulgada na segunda, 28, atualiza o trabalho apresentado em junho deste ano, com a participação ainda do pesquisador do Ipea Rodrigo Octávio Orair, hoje deslocado para a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária (Sert). No texto, Gobetti, Monteiro e Orair afirmam que a reforma não deve ser analisada unicamente como “um imperativo para eliminar a cumulatividade e outras ineficiências econômicas do atual modelo de tributação do consumo do Brasil”, mas também pelo potencial para “corrigir graves desequilíbrios federativos, principalmente no que se refere à desigualdade extrema da distribuição das receitas entre municípios”.

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Visão equivocada

Ao contrário do que falsamente alega o governador, o estudo mais recente não projeta taxas de crescimento para a atividade econômica e apenas utiliza médias históricas de variação do Produto Interno Bruto (PIB) e previsões já divulgadas por outros especialistas para simular cenários e estimar impactos da reforma sobre as receitas e sua distribuição entre os entes federativos. Num “cenário estático”, que não considera ainda as possibilidades de crescimento geradas pela reforma ao simplificar impostos, reduzir custos de conformidade e mesmo o pesado contencioso gerado pelo sistema em vigor, surgem mais nitidamente como “ganhadores”, numa visão mais geral, “Estados menos desenvolvidos e municípios mais pobres – 98% dos que possuem PIB per capita inferior à média brasileira e 98% das 108 cidades populosas e pobres que compõem o G100 (criado pela Frente Nacional dos Prefeitos, FNP)”. Entre as grandes cidades, acrescentam Gobetti e Monteiro, “registram-se ganhos para 59% das capitais e 72% das que possuem população superior a 80 mil habitantes”.

Balanço

  • Para além do crescimento projetado por estudos robustos, já divulgados, registram os dois economistas, a “redução gradual de desigualdade, principalmente pela ampliação das receitas dos municípios mais pobres, em todos os cantos do Brasil, deve ter impacto ainda imensurável sobre o bem-estar de suas populações, com possíveis desdobramentos sobre o ambiente econômico a serem detectados nas próximas décadas”. 
  • Mesmo sem incluir eventuais compensações ao longo do período de transição entre um modelo e outro, a ser concluída em 50 anos após a entrada em vigor da emenda, o projeto em discussão no Senado já asseguraria ganhos para unidades federativas que concentram ao redor de 70% da população, considerando que o total de habitantes passou a ter peso de 85% na distribuição dos recursos arrecadados.
  • Considerando uma receita total de R$ 801,0 bilhões em 2022, dos quais R$ 694,0 bilhões referentes ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), arrecadados pelos Estados e R$ 170,0 bilhões do Imposto Sobre Serviços (ISS), de competência municipal, perto de 7% daquele valor total, algo como R$ 54,0 bilhões, trocariam de mãos com a reforma, saindo de unidades federativas com PIB per capita médio e alto para as de renda menor, onde se encontram aqueles 70% da população.
  • Na esfera municipal, o efeito redistributivo ganha proporções “mais notáveis”, já que aproximadamente R$ 50,0 bilhões ou 21% das receitas municipais “trocam de mãos, beneficiando 82% das cidades brasileiras, onde vivem 67% da população”.
  • Esses resultados são atribuídos sobretudo à substituição do ICMS por um imposto estadual cobrado no destino; à “redistribuição da cota-parte municipal do imposto estadual com base em novos critérios” (com o tamanho da população como critério principal); e à substituição do ISS “por um imposto municipal de base ampla e também cobrado no destino”. Os dois impostos darão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
  • Num horizonte de tempo bastante razoável, ao longo das primeiras duas décadas da reforma, Gobetti e Monteiro argumentam que “é possível garantir que nenhum Estado terá um resultado para sua arrecadação significativamente pior do que seria observado sem a reforma, sendo inclusive mais provável (sob cenários que incorporem os ganhos de produtividade da reforma) que todos os Estados tenham maiores ou menores ganhos” no período. Os riscos de queda são para aquelas cidades que hoje ostentam níveis elevados de concentração de receitas pelo fato de abrigarem sedes de refinarias de petróleo, hidrelétricas ou empresas de grande porte. Mesmo nestes casos, haveria uma redistribuição de receitas em benefício daqueles menos desenvolvidos.
  • O caráter mais ideológico que o governo estadual tem buscado imprimir ao debate sobre a reforça torna-se evidente diante dos dados da realidade. No primeiro semestre deste ano, nos dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) trabalhados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e pela Federação Goiana dos Municípios (FGM), conforme o repórter Rubens Salomão (O Popular, 28/08/2023), praticamente 65% dos municípios goianos (159 em 246) não conseguiram arrecadar o suficiente para fazer frente a todas as despesas. As receitas chegaram a R$ 13,1 bilhões, crescendo pouco mais de 8,0%, frente a despesas de R$ 13,6 bilhões, subindo quase 22,5% em relação ao mesmo período de 2022.