Sobram empregos, faltam trabalhadores. Mas nos Estados Unidos e no Reino Unido

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 20 de janeiro de 2022

A economia dos Estados Unidos tem criado empregos como nunca e a oferta de vagas também avança aceleradamente em outras economias avançadas, incluindo o Reino Unido, dois anos depois de a pandemia ter literalmente virado o mercado de trabalho de cabeça para baixo, constatam os economistas Carlo Pizzinelli, da unidade de reformas estruturais e pesquisas do Fundo Monetário Internacional (FMI), e Ippei Shibata, do departamento de pesquisas do mesmo instituto. A questão, no entanto, é que faltam trabalhadores para preencher todas aquelas vagas, gerando um “déficit”, agora não de empregos, mas de empregados.

Em artigo divulgado ontem no blog do FMI, Pizzinelli e Shibata exploram algumas possibilidades para tentar desvendar o que há por trás desses números discrepantes. O quebra-cabeças pode ser parcialmente desvendado, segundo ambos, pelos efeitos da pandemia sobre as mulheres, ao afetar a oferta de creches e de outros serviços voltados às crianças de menor idade, pela saída de trabalhadores de idade mais avançada do mercado e ainda porque os tipos e formatos de empregos ofertados não correspondem aos interesses e desejos dos trabalhadores ainda fora do mercado.

Os números do U.S. Bureau of Labor Statistics, agência do governo dos EUA responsável pelos dados de emprego e desemprego, remuneração dos trabalhadores, condições de trabalho e dos preços na economia, mostram que aproximadamente 37,0 milhões de vagas não foram preenchidas nos 12 meses encerrados em novembro do ano passado, o que significou quase um terço das vagas abertas no período. O total de empregos ofertados pelas empresas saltou 47,7% na comparação com os mesmos 12 meses finalizados em novembro de 2020, com o número de vagas passando de 76,182 milhões para 112,508 milhões.

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Mas o número de contratações variou modestamente, num avanço de 1,4%, saindo de 73,532 milhões para 74,544 milhões de pessoas.A relação entre contratações e vagas baixou de 96,5% para menos de 66,3%. Isso significa que 36,964 milhões de vagas não foram preenchidas ou praticamente 14,0 vezes mais do que no período de 12 meses imediatamente anterior, quando somente 2,650 milhões de vagas não foram ocupadas.

Recuperação incompleta

Conforme Pizzinelli e Shibata, a taxa de emprego manteve-se inferior aos níveis anteriores à pandemia nos EUA e também no Reino Unido. A despeito de mercados de trabalho mais fortalecidos em relação ao cenário anterior, “a recuperação do emprego continua incompleta e abaixo dos níveis pré-pandemia em ambos países. Atualmente, com os possíveis efeitos de esfriamento do mercado provocado pela ‘onda Ômicron’, essa tendência poderá perdurar por mais tempo do que o esperado”, afirmam os economistas. A persistência desse desencontro entre oferta de empregos e contratações pode trazer implicações consideráveis para o crescimento econômico de longo prazo, afetando negativamente ainda indicadores de desigualdade e a inflação, na visão da dupla de economistas.

Balanço

  • As causas para essa discrepância no mercado de trabalho têm sido comumente atribuídas a quatro fatores por analistas em geral, envolvendo possíveis (e não confirmados empiricamente) impactos das medidas de apoio à renda das famílias sobre a disposição de trabalhadores para retornar ao mercado; ofertas de empregos não desejados ou considerados não apropriados pelos trabalhadores desocupados; a saída do mercado de mães de crianças pequenas por conta do fechamento de escolas e creches; e a saída, talvez definitiva, de pessoas idosas da força de trabalho.
  • A ameaça comum e considerada mais relevante por Pizzinelli e Shibata, tanto nos EUA, quanto no Reino Unido, está precisamente da desistência de idosos. O desencontro entre empregos ofertados e desejados desempenha papel secundário no processo e a queda na participação feminina, embora quantitativamente importante, atinge unicamente a economia norte-americana e não é exatamente um problema para os ingleses.
  • A primeira explicação sugere que políticas de apoio à renda durante a pandemia teriam permitido que trabalhadores passassem a escolher mais criteriosamente os empregos desejados, desacelerando, em última instância, a recuperação do emprego. No entanto, argumentam Pizzinelli e Shibata, como aqueles benefícios já foram reduzidos ou eliminados antecipadamente (quer dizer, antes do fim da pandemia), tiveram “efeitos modestos e temporários” sobre a busca de empregos.
  • O desencontro entre empregos desejados e concretamenteofertados explica algo entre 18% e 11% pelo déficit entre oferta de empregos e contratações, respectivamente nos EUA e no Reino Unido, conforme dados do FMI. Em território norte-americano, o afastamento de mães responde por alguma coisa ao redor de 23% para explicar o mesmo fenômeno. O mesmo não ocorre no Reino Unido e uma razão potencial para isto estaria no fato de as creches terem se mantido em funcionamento durante a pandemia.
  • Nos dois países, a retirada de uma parcela expressiva de idosos da força de trabalho responderia por qualquer coisa em torno de 35% do déficit analisado no paper produzido por Pizzinelli e Shibata. Os três fatores, considerados em conjunto, parecem explicar bem mais de 70% das causas do déficit entre vagas e contratações, na comparação com os níveis registrados antes da pandemia. No Reino Unido, excluído o afastamento de mães como causa do déficit, perto de 45% dos fatores por trás do fenômeno poderiam ser explicados pela saída de idosos e pelo desencontro entre a qualidade de empregos ofertados e a expectativa dos trabalhadores ainda sem ocupação.
  • Para Pizzinelli e Shibata, caso um número amplo de idosos se aposentem permanentemente e persistam os problemas com a oferta de creches e de oportunidades na rede pré-escolar, mantendo as mães de crianças pequenas em casa de forma prolongada, “a pandemia poderá deixar cicatrizes persistentes no emprego, especialmente nos Estados Unidos”.
  • Qualquer que seja a razão pelo não retorno ao mercado de trabalho, o fato é que a oferta de vagas, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, é mais elevada entre ocupações de baixa qualificação “e o emprego nesses setores continua abaixo dos níveis anteriores a 2020”, anotam Pizzinelli e Shibata.
  • Há um problema adicional para a economia britânica, segundo ambos economistas: a saída de trabalhadores estrangeiros após o Brexit (o desligamento do Reino Unido da União Europeia), acelerada pela pandemia, levou a uma redução progressiva do número de pessoas interessadas e dispostas a preencher as vagas abertas. O preconceito e a xenofobia estarão atuando, assim, para comprometer as possibilidades de crescimento econômico na ilha.