Coluna Foco econômico
Taxação de 3% sobre super-ricos poderia (quase) zerar o rombo
Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de maio de 2024![](https://ohoje.com/public/imagens/fotos/amp/2022/05/Lauro-Dinheiro-Generico-3-13-1024x615.jpg)
Esquecidas propositadamente no enfadonho debate econômico, dominado pela “esquadrilha austericida”, as distorções do sistema tributário brasileiro têm favorecido ao longo de décadas os muito ricos, gerando maior concentração de renda e de riquezas, agravando injustiças e gerando iniquidade por conta da baixíssima taxação a que estão submetidos exatamente os super-ricos, contingente formado por apenas 0,003% da população adulta, algo como 237,0 mil privilegiados. Atualmente, a turma da grana pesada destina apenas 0,8% de suas riquezas para o pagamento do Imposto de Renda, embora a riqueza per capita dessa minoria entre a minoria aproxime-se dos R$ 13,0 milhões, qualquer coisa como 134 vezes mais do que a riqueza média de todo o restante da população brasileira, estimada em R$ 97,208 mil a valores de 2023.
Os dados ajudaram os pesquisadores Guilherme Klein Martins, Guilherme Arthen e João Pedro de Freitas Gomes, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), a construírem uma proposta para tornar o sistema tributário menos injusto e ainda gerar novas receitas, resumida na nota de política econômica divulgada na quarta-feira, 22, sob o título “Taxação dos Super-Ricos no Brasil: Efeitos sobre Arrecadação e Distribuição de Renda”.
O trabalho, que se dedicou a estimar o potencial de arrecadação com um aumento na cobrança de impostos sobre os super-ricos e os efeitos dessa taxação sobre a distribuição da riqueza doméstica, conforme Martins, Arthen e Gomes, foi inspirado na proposta dos economistas Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, “que sugere a introdução de um imposto mínimo global sobre a riqueza detida pelos indivíduos bilionários de cada país e foi defendida, em moldes similares, pelo Brasil em discurso proferido a países-membros do G20, em fevereiro de 2024”.
Cenários e propostas
Os economistas do Made combinam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) e da Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), referentes ao ano-calendário de 2022, com valores atualizados até o ano passado com base na inflação. Contemplando três bases de incidência, envolvendo aqueles contribuintes colocados no “topo da distribuição” da renda, correspondendo a 0,01%, 0,1% e 0,2% do total, e três faixas de alíquotas mínimas (2,0%, 2,5% e 3,0%), o estudo trabalha com nove cenários distintos de taxação. Entre as hipóteses testadas por Martins, Arthen e Gomes, aquela que oferece os resultados mais promissores em termos distributivos e igualmente para a arrecadação parece estar na proposta de criação de uma alíquota de 3,0% sobre as três faixas de super-ricos, que teria potencial para gerar uma arrecadação extra de R$ 77,8 bilhões, ampliando a alíquota efetiva do grupo de 0,2% mais ricos de apenas 0,8% para 14,6%.
Balanço
- Aqueles super-ricos, que atualmente se apropriam de quase 13,0% de toda a renda nacional, teriam sua participação reduzida em praticamente 10%, para 11,6%. A depender dos valores de referência, a arrecadação adicional estimada, que não corresponde a um dado líquido e certo ainda, poderia até mesmo zerar o déficit primário do setor público.
- A equipe econômica trabalha com uma expectativa de um déficit próximo a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano, correspondendo a R$ 14,5 bilhões. Nesta hipótese, caso a taxação já estivesse em vigor, o resultado negativo seria revertido, levando a um superávit superior a R$ 63,0 bilhões, em torno de 0,5% do PIB.
- Na média, o mercado financeiro aposta num déficit de 0,7% do produto, muito próximo de R$ 80,8 bilhões. Mais pessimista, o Instituto Fiscal Independente (IFI), que assessora o Senado, trabalha com a possibilidade de um rombo de 0,8% do PIB (R$ 94,5 bilhões). Ainda assim, a arrecadação extra ajudaria a reduzir o rombo em 96% e em 82% respectivamente.
- Entre outras questões, Martins, Arthen e Gomes mostram que os dados sobre o tamanho da riqueza dos muito ricos, aproximadamente 70% concentrada em recursos financeiros, podem estar subestimados, o que significaria um potencial de arrecadação mais amplo. Ao mesmo tempo, a riqueza financeira, reconhecidamente mais líquida, pode migrar para países onde o sistema tributário é menos rigoroso, abrindo espaço para operações de planejamento tributário destinadas a reduzir a carga efetiva de impostos.
- Por isso mesmo, será necessário estabelecer um sistema de colaboração entre os países ainda inédito, “numa articulação política em nível global”, com a adoção de um sistema geral de tributação que permite tornar viável “uma proposta visando a maior contribuição dos super-ricos”, defende o estudo.
- Uma tributação desse tipo, registram os economistas do Made, “levantaria recursos em um momento de aumento global de demanda por investimento público, sobretudo para a transição energética em direção a uma menor emissão de gases do efeito estufa”. Estudos naquela área “estimam que somente países em desenvolvimento precisam de cerca de US$ 500,0 bilhões anuais para lidar com consequências das mudanças climáticas”, mencionam ainda.
- Num exercício realizado pela coluna, a carga tributária total no Brasil, a valores nominais, avançou de R$ 2,284 trilhões em 2018 para R$ 3,521 trilhões no passado, numa variação de 54,19%. Mas o PIB cresceu um pouco mais, crescendo 55,0% no mesmo período, o que fez a carga de tributos sobre o valor das riquezas geradas pelo País recuar de 33,15% para 32,44%. O valor dos ativos financeiros detidos por empresas, bancos e pessoas físicas, excluídos os governos, estatais e o Banco Central (BC), saltou 66,45% de 2018 para 2023, elevando-se de R$ 41,228 trilhões para R$ 68,623 trilhões. A relação entre carga tributária e patrimônio financeiro recuou de 5,54% para 5,13% (depois de ter atingido o fundo do poço no período analisado em 2020, quando a relação havia sido reduzida para 4,43%).