“Terrorismo” fiscal esconde cenário mais favorável para dívida pública

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de março de 2023

O “terrorismo” fiscal praticado com frequência por analistas, consultores e operadores do mercado, abrigado acriticamente pela chamada grande imprensa, interdita o debate sobre soluções racionais e mais inteligentes na busca de um equilíbrio maior entre receitas e despesas e, mais relevante, sobre a destinação dos recursos arrecadados e sua destinação por meio do orçamento público. Além de distorcer essa discussão, essencial para o futuro do País, o “terrorismo” impede que a opinião pública tenha uma visão mais próxima da realidade demonstrada pelos dados do próprio Banco Central (BC), que sugerem um cenário muito menos dramático para a dívida do setor público como um todo.

Em pouco mais de uma década, a chamada “dívida bruta do governo geral”, incluindo o saldo devedor, aqui dentro e lá fora, da União, do BC, dos governos estaduais, prefeituras e estatais, experimentou um aumento nominal de praticamente 180,9%, sem descontar a inflação. Considerando uma variação acumulada no período em torno de 82,1% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em termos reais, a dívida aumentou perto de 54,2%. O saldo da dívida avançou de R$ 2,584 trilhões ao final de 2012 para R$ 7,257 trilhões, num acréscimo de R$ 4,673 trilhões.

No mesmo período, a economia brasileira dobrou de tamanho, com o Produto Interno Bruto (PIB) experimentando uma variação nominal de 106,2%. A relação entre dívida bruta e PIB, como consequência, avançou de 53,67% para 73,12% na estimativa do BC para janeiro deste ano. O endividamento, proporcionalmente, havia sido muito maior em 2020, com consequência das medidas adotadas para enfrentar a pandemia e seus impactos sobre empresas e famílias. Naquele ano, a dívida bruta chegou a representar 86,94% do PIB. O percentual registrado no começo deste ano, de qualquer maneira, ficou abaixo mesmo da relação observada em 2018, quando a dívida havia representado 75,27% do total de riquezas geradas pelo País.

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Crise desnecessária

A redução operada mais recentemente, em parte explicada por uma variação nominal do PIB mais acentuada do que o próprio crescimento da dívida e ainda pela entrada de recursos extraordinários relacionados ao pagamento de dividendos pelas estatais e à cobrança de contribuições e outros tributos sobre petróleo e outros recursos naturais, não tem sido suficiente para aplacar a “fúria” fiscalista e a sanha dos mercados. O “terrorismo” em curso busca oferecer ao BC as bases supostamente técnicas para a manutenção da política suicida de juros escorchantes, que tendem a empurrar a economia para mais uma crise, desnecessariamente.

Balanço

  • Em outro dado escamoteado pelo “terrorismo”, os juros apropriados ao saldo da dívida bruta entre janeiro de 2013 e janeiro de 2023, portanto, em uma década, atingiram a astronômica soma de R$ 4,452 trilhões, o que explicou 95,27% do crescimento acumulado pela dívida bruta. Até porque, o setor público brasileiro havia recomprado R$ 33,274 bilhões da dívida em circulação no mercado.
  • Uma parte do aumento experimentado pela dívida bruta do governo geral entre dezembro de 2012 e janeiro deste ano (em torno de 13,3%) pode ser explicada pela variação do saldo das chamadas “operações compromissadas”, que correspondem a títulos emitidos pelo Tesouro e utilizados pelo BC para controlar a “liquidez” no mercado. O mecanismo permite que a autoridade monetária venda títulos diariamente a instituições financeiras para enxugar o excesso de dinheiro e manter os juros dentro da meta fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), atualmente em 13,75% ao ano. Os papéis são recomprados no dia seguinte pelo mesmo BC (daí o seu nome, já que são operações realizadas sob o compromisso de recompra).
  • Na realidade, as “operações compromissadas” não podem ser classificadas como uma dívida do governo, já que se prestam apenas para regular a oferta de dinheiro no mercado. Mas ajudam a compor o estoque da dívida pública. Em janeiro último, aquelas operações somavam pouco mais de R$ 1,144 trilhão, representando 15,77% da dívida total, na faixa de R$ 7,257 trilhões.
  • Desde o final da primeira metade da década passada, os mercados e seus analistas “decidiram” que a dívida bruta correspondia ao indicador ideal para retratar a solvência do setor público, ainda que os governos tivessem créditos líquidos e certos a receber. Deixou-se de descontar, entre outros haveres, os recursos depositados pelo Tesouro na conta única que mantém no BC. A conta concentra as disponibilidades de recursos de todo o governo, destinadas a fazer frente a compromissos financeiros.
  • O saldo da conta única experimentou um aumento nominal de 158,81% desde dezembro de 2012 até janeiro deste ano, saltando de R$ 620,401 bilhões (12,89% do PIB) para pouco menos de R$ 1,606 trilhão (16,18% do PIB).
  • Excluídas as operações compromissadas do saldo da dívida bruta e descontados os recursos da conta única, o estoque restante da dívida estaria limitado a R$ 4,507 trilhões em janeiro passado, correspondendo a 45,41% do PIB estimado pelo BC para os 12 meses encerrados no primeiro mês deste ano. A “dívida ajustada”, nessa conta, seria 37,9% mais baixa do que a dívida bruta e muito inferior à média dos demais países. Apenas para registro, a dívida dos governos em todo o mundo havia representado em torno de 97,0% do PIB global, no cálculo do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).