Decisão do STJ abre precedentes sobre prisões feitas pela GCM

Medida, no entanto, não deve impactar em Goiânia até decisão do Supremo

Postado em: 26-08-2022 às 08h22
Por: Daniell Alves
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Julgamento envolveu um fato criminoso no qual a guarda atuou e a defesa alegou que ela não possuía a atribuição para a prisão | Foto: Pedro Pinheiro

Em decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que guardas municipais não podem exercer funções das polícias civil e militar devido à ausência da categoria entre os órgãos de segurança pública previstos na Constituição. Especialista em segurança pública aponta que a decisão pode abrir precedentes para outras prisões deflagradas pela Guarda que podem ser anuladas.

O colegiado aponta que, somente em situações absolutamente excepcionais a guarda poderá realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal. Esta conduta só é prevista em “ação diretamente relacionada à finalidade” da atividade de guarda municipal.

Para Clodoaldo Moreira, PhD em Direito Constitucional e membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados de Goiás (OAB-GO), a decisão corrige um erro que vem acontecendo em alguns municípios, desvirtuando a função da guarda municipal. “A GCM foi criada com a finalidade de defender os bens do município e assegurar que os bens não sejam destruídos. Infelizmente alguns municípios desvirtuam a função com atos que seriam considerados das polícias civil e militares”, aponta. 

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De acordo com ele, o julgamento é importante porque envolve um fato criminoso no qual a guarda atuou e a parte alegou que ela não possuía essa atribuição, uma vez que a prisão seria ilegal. “Isso vai abrir precedentes de várias prisões deflagradas pela GCM que serão reconhecidas como nulas, causando prejuízos ao estado democrático de direito. O papel da GCM é cumprir o que a constituição determina. Acredito que haverá recurso para que o órgão pacifique a matéria”, avalia. 

Cumprimento da Constituição

O especialista lembra que a decisão não está determinando para que os municípios voltem à origem, mas que tudo que vem sendo feito está contrário à Constituição. “E o STJ irá analisar e deve atender e determinar que a GCM seja para fiscalização do bem público para que não seja depredado ou destruído”. 

Também reforça que não é atribuição da guarda municipal exercer a atividade fiscalizatória de competência exclusiva de auditor fiscal. “Temos claramente um desvio de função da guarda municipal. Os princípios da eficiência e razoabilidade da administração pública estão frontalmente atingidos pois são atividades totalmente distintas. 

A decisão do STJ envolve um caso específico. “Isso abre precedentes para vários tipos de atos praticados pela GCM fora da sua característica original. Isso vai gerar situações problemáticas e recomendo que a Guarda reveja as atribuições observando a Constituição Federal. Enquanto não houver uma decisão do STF decidindo a atribuição da guarda teremos situações de guardas municipais utilizando fuzil, efetuando prisões sem legitimidade”, finaliza Clodoaldo.  

Prática desvirtuada 

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destaca a importância de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista o quadro atual de expansão e militarização dessas corporações. Segundo explica, o propósito das guardas municipais vem sendo significativamente desvirtuado na prática, ao ponto de estarem se equipando com fuzis, armamento de alto poder letal, e alterando sua denominação para “polícia municipal”.

Conforme o ministro, as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida do exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. Por outro lado, as guardas municipais respondem apenas, administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.

O ministro explica que a guarda municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção, entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.

Busca pessoal 

Em seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua presença.

Quanto ao artigo 301 do CPP, que permite a qualquer pessoa do povo efetuar uma prisão em flagrante, o ministro observou que não é fundamento válido para justificar a busca pessoal por guardas municipais, ao argumento de que quem pode prender também poderia realizar uma revista, que é menos grave.

A hipótese do artigo 301, segundo ele, se aplica apenas ao caso de flagrante visível de plano, o qual se diferencia da situação flagrancial que só é descoberta após a realização de diligências invasivas típicas da atividade policial, tal como a busca pessoal, “uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar e revistar seus semelhantes”.

Decisão não tem impacto imediato na Guarda goianiense

Entretanto, a decisão não deve ter impacto na Guarda Civil de Goiânia, conforme aponta o chefe da Comunicação da GCM, Janilson Saldanha. “Não interfere absolutamente em nada. Foi um julgado de uma cidade de São Paulo que um grupo de guardas estava fazendo patrulhamento e notaram pessoas de atitude suspeita. Quando viram o carro da guarda, tiveram uma atitude de fuga. Aí foram verificar e encontraram com eles 65 porções de drogas”, afirma. 

Além disso, aponta que, inicialmente, a função da GCM era de vigilância de prédios, bens e instalações dos municípios, mas com o passar do tempo foi necessário mais uma força na segurança pública. “Veio a lei 13.022, que regulamentou a atividade das guardas municipais no Brasil.” Após a criação dessa lei, “novas atribuições foram adicionadas, como o patrulhamento preventivo”. 

Novas atribuições

Em junho deste ano, após a Câmara Municipal aprovar projeto de lei que iria conceder novas funções aos agentes da Guarda, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) recomendou ao prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, que não sancionasse o projeto. A orientação foi da promotora de Justiça Carmem Lúcia Santana, que apontou ilegalidades que violam a Lei Orgânica Municipal, a Constituição Estadual e a Constituição Federal e também por ofender o princípio da razoabilidade. 

No texto, aprovado pelos vereadores, os agentes da GCM iriam realizar auditorias em diversas áreas da fiscalização municipal, incluindo meio ambiente, saúde pública e edificações. Contudo, as atividades seriam de competência exclusiva de servidores que ocupam cargos de fiscalização. 

De acordo com a promotora, além da alteração de diversos cargos, o projeto modificaria as atribuições da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia. Assim, ao apresentar esta proposta, o presidente da Câmara de Goiânia, Romário Policarpo, incluiu temas sem relação com o texto original de iniciativa do prefeito.

“As alterações, adições e acréscimos promovidos pela emenda apresentam inconstitucionalidade formal decorrente da violação à reserva de iniciativa do prefeito para iniciar o processo legislativo na forma e nos casos previstos na Constituição Estadual”, afirmou Carmem.

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