Fronteira amazônica com o Peru vira refúgio do Comando Vermelho
Tráfico de drogas e extração ilegal de madeira transformaram a região em prioridade da segurança pública do Acre.
Por Fabiano Maisonnave, Nelly Luna Amancio, Aramís Castro, Ojo Público | Agência Pública
A comunidade ashaninka de Sawawo está localizada no ponto mais a leste da região amazônica de Ucayali. É a última cidade peruana na fronteira com o Brasil, às margens do rio Amônia, no estado do Acre. Chegar ali pelo lado brasileiro é menos complexo do que pelo Peru, onde a cidade mais próxima fica a vários dias de caminhada e de viagem de barco.
Uma equipe do OjoPúblico partiu da cidade de Marechal Thaumaturgo, no estado brasileiro do Acre, e chegou à comunidade ashaninka de Apiwtxa depois de três horas de barco. De lá até Sawawo, no lado peruano, são mais de três horas pelo rio. No mapa, uma linha reta imaginária separa os dois países. Na prática, o marco da fronteira é apenas uma pequena placa de madeira pregada em uma árvore, onde alguém escreveu com tinta: “Hito (Marco) 40 Peru-Brasil”.
Sawawo é uma comunidade de 127 pessoas, de acordo com um censo local. As malocas têm o mesmo estilo, mas são mais simples do que as de Apiwtxa. No passado, havia um aeroporto, que acabou fechado. A internet chegou há apenas um ano. As lideranças indígenas contam à reportagem que somos o primeiro meio de comunicação peruano que visitou o local. Não há nenhuma representação governamental oficial em dezenas de quilômetros, dos dois lados da fronteira.
O tráfico de drogas e a extração ilegal de madeira transformaram a região fronteiriça em prioridade na política de segurança pública do Acre. “Criamos um núcleo de inteligência específico para tratar dessa questão em Cruzeiro do Sul (a segunda maior cidade do estado), dedicado exclusivamente ao tráfico na região”, diz ao OjoPúblico o secretário de Justiça e Segurança Pública do Acre, Paulo Cézar Rocha dos Santos.
A presença do Comando Vermelho
Segundo Santos, o Peru também se tornou um refúgio para pelo menos quatro líderes do Comando Vermelho, uma das principais facções criminosas do Brasil, junto com o Primeiro Comando da Capital, o PCC, e outras organizações. O secretário diz ainda que, “no campo das ações de repressão”, Yurúa (na região de Ucayali) é a “principal preocupação diante do movimento que está ocorrendo na região”.
O distrito de Yurúa fica na província de Atalaya, que também pertence a Ucayali. Assim como em outras áreas isoladas da fronteira amazônica peruana, apresenta altos índices de pobreza. Os únicos meios de transporte são fluviais, ou voos eventuais. A capital do distrito é Breu, chamada de Tipishca no lado brasileiro.
O narcotráfico, a extração ilegal de madeira e o estabelecimento de concessões florestais suspeitas do lado peruano transformaram o território habitado por comunidades indígenas peruanas e brasileiras em um cenário de interesses obscuros, conflitos, crimes ambientais e assassinatos.
A presença do Comando Vermelho – em espanhol, Comando Rojo – no território amazônico peruano se expandiu nos últimos anos com a permissividade das autoridades locais. Essa é uma das maiores facções criminosas do Brasil, dedicada ao tráfico de drogas, à extorsão, a sequestros e assassinatos, e que controla os corredores de trânsito ilegal de cocaína e madeira.
“Antes não havia (pessoas) brancas do lado peruano, todos eram ashaninkas. Morávamos muito perto da fronteira, mas depois nos mudamos para o Brasil para garantir nossa proteção, controlar, administrar. Não podíamos imaginar que alguém invadiria nossas terras vindo do Peru”, diz Francisco Piyãko, de 53 anos, líder de Apiwtxa.
O assassinato das lideranças indígenas de Saweto Edwin Chota, Jorge Ríos Pérez, Leoncio Quintisima Meléndez e Francisco Pinedo Ramírez, que denunciaram e se opuseram à extração ilegal de madeira em seus territórios, expôs o nível de violência e impunidade na região. Os quatro foram mortos quando se dirigiam de Saweto, no Peru, à comunidade brasileira de Apiwtxa.
Os crimes foram atribuídos a madeireiros ilegais pela promotoria peruana, mas eles ainda não foram julgados. Oito anos depois do assassinato múltiplo, o processo segue aberto, e ninguém foi preso até hoje. Antes de ser assassinado, Edwin Chota havia entregado mapas, coordenadas e nomes de pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira na fronteira.
O secretário de segurança pública do Acre insiste: “O Comando Vermelho tem uma aliança com traficantes do Peru que garante o tráfico e a proteção de seus criminosos nas cidades de Ucayali”.
As autoridades brasileiras identificam como principal líder José Luiz Fonseca da Silva, conhecido como Zé Luiz e apontado pela polícia como chefe do tráfico de drogas no lado brasileiro da bacia do Yurúa (Juruá, no Brasil). Ele é procurado pela Justiça brasileira pelos delitos de crime organizado, tráfico de drogas, tentativa de homicídio e porte ilegal de armas de fogo. Ele fugiu quando estava sendo levado a uma audiência no tribunal, em julho de 2019.
Em novembro do mesmo ano, Zé Luiz foi capturado em um mototáxi no bairro de Villa María del Triunfo, em Lima. Com ele foram encontradas uma carteira de identidade peruana falsa e pasta base de cocaína. No entanto, as autoridades peruanas o liberaram antes que fosse extraditado para o Brasil.
Quando perguntado sobre as razões de sua libertação no Peru, o Instituto Penitenciário Nacional Peruano (Inpe) informou ao OjoPúblico que, após ser preso em Lima, o cidadão brasileiro entrou na prisão de Challapalca em 2 de dezembro de 2019 pelo crime de posse ilegal de armas de fogo. Entretanto, em 2 de julho de 2021, ele foi libertado depois que o tribunal penal especial de Villa El Salvador lhe concedeu uma aparência restrita.
Uma vez libertado pela justiça peruana, José Luiz Fonseca da Silva continuou a cometer crimes ao longo da fronteira do Peru com o Brasil. E este ano, em 28 de julho, ele morreu em um confronto com a polícia brasileira em Cruzeiro do Sul.
Narcotráfico e extração ilegal de madeira
A comunidade de Apiwtxa aparece atrás de uma das inúmeras curvas do lamacento rio Amônia, afluente do rio brasileiro Juruá. Está localizada em um vale íngreme, a salvo de enchentes. As malocas de palha e madeira ficam sobre palafitas e têm varandas amplas. Os ashaninkas de Apiwtxa plantaram palmeiras de açaí e pupunha, cipós de ayahuasca, plantas medicinais e árvores frutíferas. O amplo espaço entre as casas, as ilhas de grama cercadas de árvores e o uso da kushma, como são chamadas as vestes tradicionais ashaninka, fazem parte da atmosfera local.
Essa comunidade brasileira é uma das que tem mais contato com outras comunidades indígenas peruanas da fronteira. Era para lá, sede de várias coordenações indígenas, que se dirigiam as lideranças da comunidade ashaninka Saweto Edwin Chota, Jorge Ríos Pérez, Leoncio Quintisima Meléndez e Francisco Pinedo Ramírez, quando foram sequestrados e mortos por madeireiros ilegais no lado peruano, em 2014.
O povo de Apiwtxa vive ali há três décadas. Quando conseguiram a demarcação de suas terras, no começo dos anos 1990, o primeiro passo foi realocar a comunidades alguns quilômetros mais perto da foz do rio Amônia. O objetivo da mudança era manter a distância de madeireiros, caçadores e outros invasores brasileiros. Os moradores de Apiwtxa não estavam muito preocupados com a cabeceira do rio Amônia, que fica do lado peruano, porque ali era considerado um território seguro. Mas não é mais.
Do outro lado, na região peruana de Ucayali, as ações criminosas aumentaram nos últimos anos. Em março de 2019, a polícia deteve 25 pessoas em um laboratório clandestino de drogas e descobriu uma plantação ilegal de coca.
O líder ashaninka de Apiwtxa no Brasil, Francisco Piyãko, diz que a preocupação pela situação no lado peruano cresceu. Ele cita as intervenções e incursões de pessoas de fora das comunidades em seus territórios. “Continua do lado brasileiro e agora está aumentando do lado peruano. E o pior, acreditamos que existe uma articulação entre autoridades e interesses dos lados brasileiro e peruano”, afirma.
De acordo com as lideranças na fronteira, o início do problema remonta a 2007. Na época, três peruanos ligados à empresa Forestal Venao foram detidos por agentes brasileiros enquanto extraíam madeira ilegalmente do lado brasileiro. Desde então, dirigentes locais denunciam que a presença de pessoas dedicadas a atividades ilegais aumentou no entorno das comunidades. Desde janeiro de 2015, a empresa figura como inativa no registro da Superintendência Nacional de Administração Aduaneira e Tributária (Sunat), que administra os impostos do governo peruano.
Em 2016, três pessoas que se apresentaram como representantes de uma madeireira de Ucayali retornaram a essa parte da fronteira interessados em convencer as comunidades a se engajarem na extração de madeira. Acabaram barrados por lideranças de Apiwtxa, que os impediram de seguir viagem. Mas não foi a primeira vez que madeireiros do Peru foram parados. Algo parecido já tinha acontecido em 2011, no mesmo rio Amônia.
A perseguição dos madeireiros
Depois de um período de relativa calma, os ânimos voltaram a se acirrar em Sawawo e Apiwtxa no ano passado. Em agosto de 2021, o comitê de vigilância comunitária de Sawawo Hito 40 deteve no território uma equipe de funcionários e dois tratores de uma empresa identificada como a madeireira Inversiones Forestales JS, com sede em Ucayali.
Poucos dias depois, a comunidade apresentou formalmente uma queixa-crime contra a empresa na Promotoria Ambiental de Atalaya, que determinou a suspensão das atividades. Mas a medida acabou revogada por um tribunal de Pucallpa. As lideranças indígenas ressaltam que não autorizaram nenhuma empresa a extrair madeira de seu território.
A Associação de Comunidades Nativas para o Desenvolvimento Integral de Yurúa Yono Shara Kumiai (Aconadiysh), que reúne as comunidades peruanas da fronteira, apoiou a denúncia. Em um dossiê divulgado pela ONG Propurus, que desenvolve projetos na região, as lideranças ressaltam que a madeireira está afetando as terras comunais e construindo uma estrada que corta seu território.
O comitê de vigilância comunitária informou que interceptou os forasteiros quando eles começaram a reabrir uma antiga estrada usada anos atrás pela empresa Forestal Venao para a extração de madeira. O caminho conecta as margens do rio Amônia com os povoados de Nueva Italia e Puerto Breu, no Peru. Sawawo fica a dois dias de barco ou a um dia de caminhada de Breu, o centro urbano mais próximo.
Os Ashaninka de Sawawo disseram ao OjoPúblico que encontraram dez córregos bloqueados pelas obras dos extratores de madeira. Além disso, para reabrir a estrada, foram derrubadas árvores como mogno, provenientes de um reflorestamento realizado no local.
“Eles não tinham nada em mãos, não mostraram nada”, diz Maria Elena Paredes, de 42 anos, coordenadora do comitê de vigilância florestal da comunidade de Sawawo. “O patrimônio é da comunidade. Para conceder uma licença, não funciona assim. Essa empresa está acostumada a fazer esse tipo de acordo em segredo. Temos metas de trabalho com a nossa floresta”.
Há alguns anos, Sawawo assinou um acordo com a Forestal Venao, mas a experiência foi ruim, e a comunidade não quer mais a atividade em suas terras. Eles relatam promessas quebradas e impactos ambientais, como desmatamento e escassez de caça.
Desta vez, a madeireira JS chegou a um acordo com a comunidade ashaninka vizinha, Nueva Shahuaya, o que gerou uma ruptura entre elas. “Antes de assinarem esse acordo, nos dávamos bem, coordenávamos os trabalhos. Depois que eles assinaram pelas nossas costas, criou-se um conflito entre as autoridades. Eles queriam defender a empresa”, conta Paredes.
O comitê de vigilância de Sawawo confiscou as chaves dos tratores, que ficaram parados até novembro. Segundo Paredes, as máquinas foram retiradas com a ajuda da polícia de Atalaya, que ameaçou um líder Sawawo.
O acordo entre a JS e a comunidade de Nueva Shahuaya não tem validade legal, explica o gerente florestal do governo regional de Ucayali, Marcial Pezo. “A comunidade nativa não tem nenhum documento ou autorização formalmente concedida por nossa instituição para coletar produtos florestais em terras comunitárias nativas, conforme estipulado na legislação florestal peruana para esses casos”, afirma.
OjoPúblico tentou entrevistar representantes da empresa JS e da comunidade de Nueva Shahuaya, mas eles não retornaram.
Além da ruptura entre as duas comunidades indígenas, as divergências sobre a abertura da estrada colocaram os dois prefeitos ashaninkas da região em lados opostos. No Brasil, Isaac Piyãko (irmão de Francisco), que esteve à frente de Marechal Thaumaturgo por mais de seis anos até meados de 2022, é contra a reabertura e a atividade das madeireiras.
“Isaac defende que é possível fazer as duas coisas. Modernizar, trazer novidades, mas desde que essa novidade fortaleça o povoado, a qualidade de vida, e não destrua essa beleza que temos aqui. É possível modernizar sem perder valores”, diz Francisco Piyãko.
Do lado peruano da fronteira, o prefeito de Yurúa, Ronaldo Tovar Alva, eleito pelo partido Fuerza Popular, é um forte defensor da abertura da estrada ilegal. Em discurso no ano passado, ele afirmou que historicamente nunca houve conflitos entre os povos indígenas da região, e acusou as ONGs de fomentarem a divisão entre os ashaninkas.
Tovar Alva afirma que a estrada vai melhorar o acesso dos professores às comunidades e o escoamento de produtos como a banana. Ele cita Sawawo como exemplo de uma comunidade isolada, acessível apenas após uma caminhada de 12 horas. “Como autoridade, digo que as pessoas querem a estrada”, afirma.
OjoPúblico fez vários pedidos de entrevista com Tovar por meio de mensagens de WhatsApp, mas não recebeu nenhuma resposta.
“Tovar veio de outra região do Peru, de uma visão mais urbana. Ele faz tudo errado e confronta os valores e as ideias da comunidade. Fala ashaninka, se veste como ashaninka, mas a base dele é em outro povoado”, diz Francisco Piyãko, líder da bacia de Amônia.
Estrada sem autorização
A tentativa de abrir a estrada que liga Nueva Italia a Sawawo e Breu é ilegal. Embora a rodovia tenha sido planejada pelo Ministério de Transportes e Comunicações do Peru com o número UC-105, OjoPúblico comprovou que não existe nenhum tipo de autorização ambiental ou de construção emitida por parte das autoridades.
Líderes locais, porém, denunciam que as madeireiras insistem na ampliação da estrada, que até o início do ano era estreita e quase escondida pela floresta, mas pode ser vista de cima com um drone. Não havia sinais de que as obras tivessem sido retomadas, mas em visita à região observamos marcas recentes de pneus de motos que revelam que houve tráfego por ali.
A circulação em uma área tão isolada sugere o uso da rodovia por traficantes de drogas, afirmam lideranças locais, que garantem não utilizar esse caminho. Nos últimos anos, o cultivo de coca e o refino de cocaína cresceram rapidamente em Ucayali. Por questões logísticas e de demanda, toda a produção local vai para o Brasil, seja para consumo no país ou como parte da rota a outros mercados.
Essa expansão já impacta cerca de 80 comunidades nativas de Ucayali, que representam 30% do total, segundo um relatório sobre a situação dos defensores indígenas locais realizado pela organização indígena de Ucayali (Orau) e as ONG Dar e ProPurus.
Em Sawawo, uma ocupação recente às margens da estrada madeireira despertou temores de que os traficantes de drogas estão se aproximando.
“Estamos muito preocupados com uma associação de produtores de Yurúa que está quase na fronteira com a comunidade. Essa organização está atraindo muitos trabalhos ilegais, e isso é uma grande ameaça para nós”, diz Paredes.
Embora o narcotráfico esteja crescendo em Juruá, o secretário de Justiça e Segurança Pública do Acre diz que, ao contrário das autoridades bolivianas, quase não há colaboração entre as autoridades brasileiras e peruanas.
“O Peru passou dois anos com as fronteiras fechadas, sem nenhum contato efetivo. Em uma reunião em outubro, começamos a montar uma nova rede de inteligência no Peru, para estabelecer os mesmos acordos que temos na Bolívia. Mas essa ruptura ideológica e política que aconteceu no território peruano culminou na erosão da rede de inteligência. Todos os comandantes peruanos foram trocados. Hoje, a colaboração que temos é através dos adidos (da Polícia Federal em Lima), que nos fornecem informação”, afirma Paulo Cézar Rocha dos Santos.
A falta de controle territorial pelo Estado peruano tem gerado um aumento do tráfico e das apreensões de cocaína desde 2018. No ano passado, foram apreendidas quase três toneladas da droga no Acre. Só nos primeiros três meses deste ano foram produzidos cerca de 500 quilos. Grande parte da droga vem de Ucayali. Os dados são da Secretaria de Justiça do Acre.
Em meio a esse fogo cruzado, os ashaninkas do rio Amônia, estimados em cerca de 1.200 pessoas apenas no lado brasileiro, se organizam para impedir que o crime organizado se instale definitivamente na região.
É, principalmente, uma questão de articulação política. Diferentemente do Peru, onde os ashaninkas têm uma imagem de guerreiros por sua luta contra a organização terrorista Sendero Luminoso, no Brasil, com uma população bem menor, o povo liderado pela família Piyãko se destaca por sua habilidade política.
A estratégia dos ashaninkas dos dois lados da fronteira inclui a busca de alianças com lideranças do lado peruano e do movimento nacional indígena no Brasil, e a aproximação com o Exército brasileiro, principal presença estatal na região, com militares na fronteira em Marechal Thaumaturgo.
A polícia do Acre conta com apenas nove agentes na cidade e, de acordo com a legislação brasileira, não pode atuar em terras indígenas por serem zonas federais, enquanto o tráfico de drogas é responsabilidade da Polícia Federal.
A maioria dos ashaninkas mora no Peru, onde 55.493 se identificaram como pertencentes a esse povo no Censo Nacional de 2017. Já no Brasil, os ashaninkas não chegam a 2.000 pessoas, das quais mais da metade vive no rio Amônia.
Os ashaninkas brasileiros conseguiram várias façanhas políticas. Reeleito em 2020, Isaac Piyãko é o primeiro prefeito indígena do Acre. Renunciou ao cargo este ano para se candidatar a deputado estadual. Seu irmão, Francisco Piyãko, foi secretário estadual de Assuntos Indígenas por oito anos, e agora concorre a deputado federal. Apenas dois indígenas foram eleitos para esse cargo em toda a História do Brasil.
Os ashaninkas também se destacaram em vários momentos no nível federal. Foram os primeiros indígenas a ter um projeto aprovado pelo Fundo Amazônia, financiado pelo governo da Noruega e maior iniciativa de cooperação internacional já feita para preservar a floresta amazônica.
Também obtiveram uma vitória histórica no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a família do atual governador do Acre, Gladson Cameli, por extração ilegal de madeira entre 1981 e 1987. Parte do caso envolve um acordo para pagamento de uma indenização de R$ 14 milhões aos ashaninkas do rio Amônia e um pedido de desculpas “por todos os danos causados, reconhecendo de maneira respeitosa a enorme importância do povo ashaninka como guardião da floresta”.
Por meio da ayahuasca, os ashaninkas também criaram um projeto social para não indígenas, com o objetivo de afastar os jovens da região da tentação do tráfico de drogas.
Em Marechal Thaumaturgo, cidade de 20 mil habitantes, o líder espiritual Benki Piyãko, irmão de Francisco e Isaac, criou e dirige o Instituto Yorenka Tasorentsi. Em uma área de 1.500 hectares às margens do rio Juruá, ele ensina técnicas de agricultura familiar a 50 jovens da região. Parte do financiamento vem dos tratamentos curativos que ele promove através do uso tradicional da ayahuasca.
Para Francisco, o mais velho dos irmãos Piyãko, é preciso atuar em várias frentes para que o crime não assuma o poder. “Nossa resistência não será forte se nosso entorno estiver dominado. Se nosso entorno se enfraquecer, ficaremos nessa guerra, e isso é muito perigoso para nós. Nossa segurança aqui para enfrentar o tráfico é dizer que não o aceitamos, que não o queremos”.
Durante a pandemia, aumentaram as ameaças e os assassinatos de lideranças indígenas no território amazônico. O mesmo aconteceu com os cultivos ilegais de coca e a extração ilegal de recursos naturais, lado a lado com o fortalecimento das organizações criminosas. Em junho deste ano, o assassinato do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira, na fronteira do Brasil com o Peru, no Vale do Javari, expôs mais uma vez os riscos enfrentados pelas comunidades originárias e a disputa pelo controle do tráfico por grupos criminosos.