Planos de saúde devem atender pacientes com autismo em até 15 dias

A medida definida pela Justiça goiana visa extinguir interrupções nos tratamentos por falta de vagas, acúmulo de pacientes e filas de espera

Postado em: 06-07-2023 às 09h00
Por: Larissa Oliveira
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Caso a Unimed e a Hapvida descumpram a nova decisão, a multa é de R$ 30 mil por infração | Foto: Reprodução/iStock

A Justiça goiana determinou que as operadoras Unimed Goiânia e Hapvida estão obrigadas a atender pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em um prazo máximo de 15 dias. A partir de agora, pedidos de procedimentos, consultas, exames, terapias e/ou tratamentos de saúde devem ser mais rápidos. A medida também se aplica aos casos de diagnóstico de TEA e tem o objetivo de evitar  interrupções nos tratamentos dos pacientes.

Na maioria das vezes, os atrasos ou pausas no acompanhamento médico ocorriam devido à falta de vagas, acúmulo de pacientes e filas de espera. Em alguns casos, eventuais constrangimentos eram causados pelas operadoras ou por profissionais e prestadores de serviço conveniados. Caso as empresas de planos de saúde não acatem à decisão provisória do Poder Judiciário, o descumprimento do direito é passível de multa. A pena é de R$ 30 mil por infração.

A decisão foi tomada após o promotor de Justiça Goiamilton Antônio Machado solicitar uma liminar na Justiça. A liminar consiste em um pedido em caráter de urgência que garante ou antecipa um direito que poderia ser perdido caso tivesse que aguardar até o final do julgamento do processo. A ação foi movida por conta das inúmeras reclamações feitas na 70ª Promotoria de Justiça de Goiânia. O órgão apurou que os planos de saúde desrespeitam o direito à saúde e ao tratamento integral e ilimitado às pessoas com TEA. 

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Ação coletiva

De acordo com a presidente da Associação das Mães em Movimento pelo Autismo (MMA), Letícia Amaral, a decisão provisória (liminar) do Judiciário de Goiás é resultado da luta de inúmeras famílias pelos direitos dos seus filhos. “A medida pode beneficiar mais de 4 mil crianças e pessoas autistas em todo o estado, pois trata-se de uma ação coletiva”, afirmou. Unidas pela dor de verem seus filhos sem tratamento, as mães enfrentaram as operadoras de saúde. 

Conforme a advogada relatou, as mães participaram de reuniões mensais no Ministério Público por quase um ano inteiro, denunciando inconveniências. Portanto, o resultado da Justiça só se tornou possível através da coletividade. “As manchetes costumam dar ênfase ao resultado, mas o processo sempre foi e será longo e doloroso. A intenção de enfatizar a participação ativa e responsável das famílias na conquista desses direitos é demonstrar que famílias unidas por um propósito são imparáveis”, disse Letícia.

A presidente da Associação de Apoio à Deficiência Nossa Senhora das Graças (Agraça), Maria Teresa Alves Gatti, é mãe de Joice, autista de 33 anos. “Somos terapeutas dentro de casa, somos privadas de vida social, sofremos antes, durante e depois do diagnóstico, enfrentamos discriminação e envelhecemos sem saber quem vai nos substituir, o que é nosso maior terror. Mas amamos incondicionalmente e nos tornamos pessoas melhores no convívio com nossos filhos autistas”, argumentou.

Autismo

Em entrevista exclusiva ao jornal O Hoje, a neurocirurgiã e professora na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Ana Maria Moura, explicou o que é o autismo. “De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, é classificado como Transtorno do Espectro Autista (TEA) quem possui prejuízo na comunicação e interação social, com padrões restritos e repetitivos de comportamentos de interesses e atividades”, disse. Segundo a médica, a característica marcante do transtorno é a estereotipia.

Trata-se de comportamentos motores ou verbais que se repetem da mesma maneira durante um período de tempo e em várias ocasiões. “Repetição de movimentos, inflexibilidade e rigidez cognitiva, interesses intensos e restritos, hipo ou hiperreatividade”, exemplificou. A especialista destacou que as pessoas autistas possuem todas essas características, porém algumas em maior e outras em menor grau. “As causas do TEA não são totalmente conhecidas”, informa a especialista.

Segundo Ana Moura, a pesquisa científica sempre concentrou esforços no estudo das mutações espontâneas no desenvolvimento do feto e na herança genética passada de pais para filhos. “No entanto, já há evidências de que as causas hereditárias explicariam apenas metade do risco de desenvolver TEA. Fatores ambientais que impactam o feto, como estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, deficiência em vitamina D e ácido fólico, complicações durante a gravidez e desequilíbrios metabólicos teriam o mesmo peso na possibilidade de aparecimento do distúrbio”, afirmou a neurocirurgiã.

Tratamento

A médica apontou que não há remédios específicos para tratar o autismo, embora esta seja uma prioridade das pesquisas, com diferentes medicamentos em teste. “O acompanhamento médico multidisciplinar, composto por pediatra, psiquiatra, neurologista, psicólogo e fonoaudiólogo, entre outros, é o tratamento mais recomendado para ajudar no desenvolvimento da criança autista. A conduta indicada vai depender da intensidade do distúrbio e da idade do paciente e deve ser decidido junto aos pais”, explica.

Segundo a especialista, o tratamento associa diferentes terapias para testar e melhorar as habilidades sociais, comunicativas, adaptativas e organizacionais. “A rotina de cuidados pode incluir exercícios de comunicação funcional e espontânea, jogos para incentivar a interação, aprendizado e manutenção de novas habilidades, e o apoio a atitudes positivas para contrapor problemas de comportamento”, disse. A neurocirurgiã também explicou que, frequentemente, as terapias são combinadas com remédios para tratar condições associadas. 

“Como insônia, hiperatividade, agressividade, falta de atenção, ansiedade, depressão e comportamentos repetitivos”, frisou. Outro elemento essencial no tratamento é o treinamento com os pais. “O contexto familiar é fundamental no aprendizado de habilidades sociais e o trabalho com os pais traz grandes benefícios no reforço de comportamentos adequados. Também é comum que os profissionais que tratam a criança indiquem acompanhamento psicológico para a família, devido ao desgaste emocional que o distúrbio pode provocar”, orientou Ana Maria Moura.

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