Nove crônicas percorrem as décadas de Goiânia 

Nove escritores convidados contam histórias que os ligam à nonagenária Goiânia e ajudam a consolidar a importância de uma cidade que, década após década, faz parte da memória de várias gerações

Postado em: 24-10-2023 às 09h00
Por: Yago Sales
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Nove escritores convidados contam histórias que os ligam à nonagenária Goiânia | Foto: Hélio de Oliveira/Secult

Nenhuma companhia foi tão importante para Goiânia quanto as palavras. Escritas em ofícios, ditas em reuniões ou nas introspecções de Pedro Ludovico, principalmente quando ele percorria digressões para o ousado projeto de arrancar da Vila Boa o status de capital de Goiás. Infelizmente não se tem registro de todas as palavras daquela década de 1930. 

Muitas das palavras estão sepultadas em memórias no Cemitério Santana ou escondidas em livros empoeirados em uma das dezessete bibliotecas da cidade ou em arquivos de algum bisneto de algum confidente e/ou conselheiro de Pedro Ludovico. 

Existiria algum rascunho por aí de como o cavalo de Pedro Ludovico deveria ser cuidado ou o que o governador gostava de comer ou beber enquanto Attilio Corrêa Lima lhe dava detalhes dos desenhos que iam se formando em papéis do arquiteto. 

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Em que estado se encontraria algum recadinho escrito à mão dentro de algum paletó imundo, esquecido por anos, usado por aqueles maquinistas que receberam tantos caçadores de outra vida na nova cidade. Goiânia… a cidade de que tanto falava jornais do Rio de Janeiro e São Paulo… E que se falava de um Grande Hotel rosado, umas ruas arborizadas. 

As palavras desde sempre cruzaram a cidade. Primeiro por cartas, recados de meninos que iam de um lado a outro montados a cavalo, em canteiros de obras ou debaixo de algum Flamboyant. Depois por telégrafo. A evolução trouxe telefones fixos de caixas de madeira e, agora, como num átimo de segundo, as palavras escapam com facilidade, em textos, áudios e chamadas de vídeo. 

Foi assim ante às felicidades e tragédias. Espetáculos de Fernanda Montenegro no Teatro Goiânia, onde ofereceu oficina em 2002. O belo teatro Art Déco também recebeu beldades como Bibi Ferreira, Tônia Carrero, Maria Della Costa e Cacilda Becker.

Houve a ocasião em que Paul McCartney, num show no Serra Dourado, foi visitado por uma multidão de grilos enquanto tocava o piano. Goiânia foi vista pelo mundo em brilhos verdes. 

Décadas antes, o brilho azul do césio-137 atrapalhou o cotidiano da cidade em 1987, amedrontou o mundo e enlutou a família Ferreira. Quatro pessoas morreram, entre elas a Leides das Neves, uma menina de seis anos. 

São alguns fatos, registrados, ou não, que percorrem o imaginário de quem acredita na palavra como forma de memória e construção.

Por isso, é importante garantir, por meio da palavra escrita, a consolidação da história enquanto ainda existe algum tipo de interesse em lembrá-las e escrevê-las. 

Convidar nove de alguns dos nossos melhores escritores – seria impossível reunir todos, nem em 90 textos – é uma estratégia garantista. É mostrar que a palavra é imprescindível, sobretudo àquelas no formato de crônica, o gênero mais brasileiro, memorialístico, crítico, sensível, inconfundível, livre e atemporal. 

P.S. Enquanto este texto era concluído, as palavras, outra vez elas, se juntavam para anunciar que, horas antes de Goiania completar 90 anos, morria a professora Lena Castello Branco. Uma das principais pensadoras da cidade, se dedicou à pesquisa para compreender os seus mistérios. E usou muito das palavras: de artigos científicos a crônicas.

Dez anos atrás, Lena escreveu um texto sobre os 80 anos de Goiânia, onde observou que, por causa da precariedade das condições de higiene e saúde, todo mundo que tinha dinheiro escapava daqui para se tratar em lugares mais desenvolvidos: “Dado emblemático: consultando os atestados de óbito, não encontrei um só referente a autoridade, ou a funcionário público de alto nível, ou a personalidade de algum destaque. De onde se conclui que a elite dirigente da nova capital ia morrer longe de Goiânia… talvez alguns até buscassem tratamento na tão condenada Cidade de Goiás.”

Ela morreu em Goiânia, no Albert Einstein, aos 92 anos. Mais palavras que se vão.

Boa Leitura!

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