Cancelamento da Festa do Divino Pai Eterno fez com que muita gente fechasse as portas

Igor Caldas

Apesar do decreto municipal de Trindade liberar o funcionamento da maior parte das atividades econômicas do município, as ruas vazias da cidade santuário desestimulam abertura do comércio na região central da cidade. O cancelamento da Festa do Divino Pai Eterno em decorrência da pandemia fez com que muita gente fechasse as portas.  A celebração aconteceria entre o dia 26 de junho e 5 de julho receber cerca de 1 milhão de fiéis todos os anos.  Apesar do ápice na festividade, a cidade recebe turistas todo ano e está com economia abalada desde o início da pandemia, em março.

A maior parte do comércio nas imediações do centro da cidade serve ao turista. São hotéis, lojas de artigos religiosos, lanchonetes, quiosques e restaurantes. Na tarde desta quinta-feira (28) as ruas de Trindade estavam desertas. De acordo com a proprietária do Hotel Bom Jesus, Eva Maria de Jesus, as reservas de todos os hotéis e pousadas do município já teriam esgotado nessa época do ano. “Sou nascida e criada aqui e é a primeira vez que verei um ano sem a festa do Divino Pai Eterno”. 

Ela ainda diz que o movimento de turistas na cidade durante todo ano é o que sedimenta a economia local. A maior parte das reservas feitas em seu hotel foi cancelada ou transferida para o próximo ano. “Já chorei muito. Fiz um financiamento para ampliar o hotel em mais um andar e a ajuda do Estado para pagamento dos funcionários está prestes a encerrar. As contas vão virar uma bola de neve”, lamenta. A empresária diz que conversa com colegas e pequenos empreendedores e estão todos na mesma situação. 

Proprietária de uma loja de artigos religiosos, localizada ao lado da Basílica do Divino Pai Eterno, Divina Alves, mantém as portas do negócio aberto mesmo com escassez de clientes. Ela acredita que mesmo com o cancelamento das celebrações, alguns fiéis ainda vão caminhar de outras cidades até Trindade. “Esses dias, veio dois clientes aqui a pé de Goiânia. Acho que a fé vai falar mais alto e alguns ainda virão”, declara. Divina ainda diz que a questão da doença está sendo tratada com exagero. “Eu acho que tem politicagem envolvida nisso”, defende.

Divina declara que é a primeira vez que vê as ruas de Trindade tão vazias. “Está bem difícil para a gente que depende do turismo porque as contas não param de chegar e a cidade toda sobrevive disso”. No entanto, a proprietária da loja acredita que as coisas vão melhorar. “Está ruim agora, mas eu tenho fé em Deus e ele vai ajudar a gente a passar por isso”. Por enquanto, Divina está se segurando com o dinheiro que recebe de sua aposentadoria. “É pouco, mas a gente vai levando. Por minha sorte, meus produtos não perdem. Quem mexe com alimentação levou prejuízo maior neste ano”, relata.

Cancelamento

O cancelamento da Romaria e Festa do Divino Pai Eterno 2020 foi uma recomendação feita pelo promotor de Justiça Francisco Bandeira de Carvalho Melo, do Ministério Público de Goiás (MP-GO). As festividades estavam marcadas para o período de 26 de junho a 5 de julho, mas em razão da pandemia do Coronavírus, seria realizada de forma remota, apenas por meios virtuais com transmissão de celebrações pela TV e redes sociais. 

O Reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, padre Robson de Oliveira Pereira, informou o cancelamento das festividades virtuais ao órgão no último dia 25. Na recomendação do Ministério Público remetida ao reitor da Basílica e ao prefeito de Trindade, Jânio Darrot, no dia 22. O órgão orientou o cancelamento da programação da romaria porque avaliou que a manutenção das festividades, ainda que realizada somente pelos meios de comunicação e sem presença de romeiros, traria risco de atrair milhares de fiéis e causar aglomerações. 

O promotor ressaltou que esse risco foi citado pelo próprio prefeito Jânio Darrot, em sua participação numa transmissão ao vivo com o governador Ronaldo Caiado no dia 18 de maio. O prefeito de Trindade afirmou que seria feita uma campanha para que as pessoas não fossem à cidade, mas estimava que pelo menos 5% insistiriam em peregrinar para a cidade santa. O número representa cerca de 150 mil pessoas.

Outras cidades tiveram cancelamentos em festividades  

O integrante do MP-GO ainda afirmou que o próprio governador defendia a mudança da data da Romaria, mesmo com o anúncio de programação virtual. Ele observou que outras festas religiosas em Goiás também foram canceladas por conta da pandemia da Covid-19. Além da festa religiosa de Trindade, a Festa do Divino Espírito Santo, em Pirenópolis e a Procissão do Fogaréu, na Cidade de Goiás também não vão acontecer este ano. 

O Decreto Estadual nº 9.653/2020 mantém a proibição de todos os eventos, públicos e privados, de qualquer natureza, que possam causar aglomerações. Na resposta ao MP, padre Robson declara que, apesar de toda a programação virtual preparada para a festividade e dos cuidados preventivos que seriam tomados, optou-se pelo cancelamento da romaria e da festa. O sacerdote ressaltou que a decisão aconteceu em cumprimento do zelo pela segurança, saúde e bem-estar dos romeiros e da população de modo geral.

O prefeito de Trindade assinou nesta quarta-feira (27) o decreto nº 155/20 que dispõe sobre o cancelamento das festividades da Romaria 2020 em virtude das medidas de enfrentamento da pandemia provocada pelo Coronavírus (Covid-19), no âmbito do poder executivo do município de Trindade. Entre as medidas decretadas, ficam proibidas todas as autorizações de uso de áreas públicas, os alvarás, bem como a instalação de barracas, bancas, quiosques e similares, inclusive nos pontos tradicionais da cidade.

O documento considera a nota de cancelamento da Romaria 2020, emitida no mesmo dia pelo Santuário Basílica do Divino Pai Eterno. “Sabemos que é muito difícil para todos não realizar a Romaria do Divino Pai Eterno este ano pela imensa fé que a envolve, pela sua grande tradição, mas a defesa da vida dos cidadãos sempre estará em primeiro lugar”, diz o prefeito Jânio Darrot. Dessa forma, fica vedada a locação de calçadas, imóveis, garagens e similares públicas e particulares, em todo território do município. Também está proibido o comércio de ambulantes e congêneres, bem como a instalação de qualquer estrutura para shows, música ambiente ou dançante.

O decreto também vetou a entrada e a circulação de ônibus de turismo ou excursão, micro-ônibus, vans e similares, inclusive para as modalidades day use, city tour e trenzinhos. Também estão proibidas as permissões temporárias para taxi de fora do município. A desobediência às normas constantes no decreto acarretarão penalidades como apreensão e multa, conforme o código de posturas municipal, dobrando o valor em caso de reincidência. Outras punições previstas é a cassação do alvará anual, nos casos de reincidência de infrações. (Especial para O Hoje)