Dia do Homem: o masculino em (des)construção

O Dia do Homem surgiu como um motivo para cuidar da saúde masculina, mas pode ser um motivo para refletir sobre o peso da masculinidade em um mundo em constante mudança

Postado em: 14-07-2016 às 06h00
Por: Redação
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O Dia do Homem surgiu como um motivo para cuidar da saúde masculina, mas pode ser um motivo para refletir sobre o peso da masculinidade em um mundo em constante mudança

Júnior Bueno

Há dois anos, um manifesto chamou a
atenção nas redes sociais, por pedir o fim de certas características
construídas socialmente que delimitavam o que era ser “macho”. O manifesto
pedia, entre outras coisas, a não obrigatoriedade ao Serviço Militar e o direito
de não gostar de brigas ou futebol; O direito de falhar na cama (e não ter o
pênis grande); ser sensível e ter que ser bem sucedido; um mundo em que os
homens possam usar saia, chorar e cuidar das crianças; possam ser artistas,
decoradores, cabeleireiros, cuidar da aparência como bem entender e fazer exame
de próstata sem ser julgados. Enfim, um mundo na qual a frase “seja homem!” não
faça mais sentido – ou ganhe um novo significado.

O projeto, chamado de Homens,
Libertem-se/Men, Get Free,
era uma parceria entre um movimento artístico
mineiro e um grupo de teatro de Nova York. Artistas e personalidades como o músico
Paulinho Moska, dos cartunistas Laerte e Miguel Paiva, dos atores Lucio Mauro
Filho, Marcos Breda, Larissa Bracher, Flávia Monteiro, Igor Rickli, Aline
Wirley, Álamo Facó, Nico Puig, Marcos Damigo, Nelson Motta, Marcelo Freixo,
entre outras. A proposta era debater o papel do homem na construção da
sociedade, como o patriarcado pode afetar negativamente a vida de mulheres e
homens, e como arquétipos do machão vendido pela publicidade e pela indústria
cultural é nocivo.

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De lá para cá, muita lenha foi botada
nesta fogueira e cada vez mais as mulheres estão conscientes de seus direitos
e, com as mídias sociais, já não estão agüentando caladas abusos e violências
cotidianas. Basta olhas as hashtags #MeuPrimeiroAssédio, em que milhares de
brasileiras famosas e anônimas relataram abusos já sofridos e
#JornalistasContraOAssédio em que profissionais da imprensa resolveram falar de
assédio sexual no trabalho para ver que elas querem o fim da violência de
gênero e um mundo mais igualitário em direitos e deveres para todos os gêneros.
E onde o homem entra nessa história, já que ele é o maior privilegiado nesse
sistema desigual.

Para começar, o homem pode refletir
sobre estes privilégios masculinos repensar como eles tornam a sociedade
desigual. E o Dia do Homem, comemorado amanhã no Brasil pode ser uma deixa
perfeita para isso. A psicóloga Christina Vieira diz que os homens modernos
precisam desvincular o que foi ensinado até hoje, e passado de geração para
geração sobre “coisas de homem” e “coisas de mulher”.  Para ela, seria bom que os homens começassem a
“aceitar que a identidade de gênero possa existir em  outros contextos e em outras construções e
que eles mesmos podem ser frágeis e afetivos no ambiente doméstico como também
nas suas relações sócias, ou seja, descontruindo uma postura grosseira por uma
postura humanitária.”

“Essa história que homem não pode
chorar, nem expressar seus sentimentos só contribui para modelos de extrema
violência intrafamiliar  e na sociedade,
impedindo assim a pessoa de se socializar e de expressar seus sentimentos mais
intrínsecos,” diz Christina, “o homem precisa perceber que a afetividade faz
parte de sua condição humana e que ele também pode conviver com ela.”

Dia do Homem

O Dia do Homem surgiu para trazer à tona
uma questão que preocupa médicos em todo o mundo: homens têm mais propensão à
algumas doenças que mulheres e eles não costumam cuidar da saúde como deveriam.
Seja porque peso das responsabilidades não deixa sobrar tempo para cuidar da
saúde ou simplesmente porque acham que procurar um médico é “frescura.” Para se
ter uma ideia, o aumento de casos de câncer de pênis poderia ser evitado se os
homens pudessem lavar e enxugar corretamente o amigo lá de baixo.  Sim, o Dia da Mulher, 8 de março, surgiu
através de uma luta por igualdade, o dia do homem surgiu como um puxão de
orelha para ele cuidar melhor da higiene e da saúde. Percebe como um sistema
patriarcal pode ser nocivo à ambos, de maneiras diferentes?

A mudança no comportamento masculino
pode ser sentida a partir de meados do século 20 e ela se deve, segundo o
psicanalista Contardo Caligaris, à mudança das mulheres no período 2ª Guerra
Mundial. “as mulheres saíram de casa para trabalhar enquanto os homens estavam
no campo de batalha. Quando eles voltaram, elas perceberam que seria muito
melhor continuar no trabalho do que ficar em casa usando a batedeira,” disse em
entrevista ao site IG o autor do livro Todos Estão Nus. Ao longo desse tempo,
várias batalhas foram travadas no campo doméstico e no mercado de trabalho. As
mulheres conseguiram, não sem dor, passar por elas. Mas os homens demoraram a
entender essa nova dinâmica.

Contardo
acredita que as acusações que o movimento feminista sofre, de querer que as
mulheres virem homens e vice-versa são tolas. “Não vejo muito sentido quando se
fala hoje numa grande inversão dos papéis entre homens e mulheres. Acho que ‘inversão’
não seria uma palavra certa, e sim uma complexificação dos papéis de gênero e
sexuais, que são duas coisas distintas pelo menos no mundo ocidental.”

Bolsonaros
e Alexandres Frotas à parte, o homem que se apresenta tem sofrido uma
transformação, ou pelo menos a maneira como se percebe este homem está mudando.
Um exemplo: Na atual novela das 21h da rede Globo, Antônio Fagundes vive um
coronel que sofre para se adaptar aos novos tempos e tem arroubos de vaidade,
como pintar os cabelos de acaju. O personagem é criticado por todos os demais
de suas relações e não caiu nas graças do público. Mas Fagundes já fora coronel
antes, em O Rei do Gado (1996) e Renascer (1993), novelas do mesmo autor de
Velho Chico. E eram coronéis amados tanto em suas tramas quanto pela audiência.
Mudaram os coronéis ou mudaram o público?


que estamos falando de novela, principal produto da industria cultural no
Brasil, tomemos outro exemplo. Atualmente, o canal fechado Viva reprisa a
novela Laços de Família, sucesso global exibido originalmente em 2000. Visto em
uma perspectiva de 16 anos de diferença, o homem viril e machista interpretado
por José Mayer passou de um ser encantador para uma figura desagradável. O
imaginário coletivo, no que se refere ao “homem de verdade,” mudou nesse tempo.
E o mercado está de olho nesse novo homem.

O
próprio Dia do Homem, que costuma passar batido, já começa a ser um estopim
para promoções de produtos estéticos e tratamentos de beleza voltados para o
público masculino. O tal do metrossexual, modelo 
ultra vaidoso de homem que
recorre à cremes e intervenções em busca de um ideal de beleza é um paroxismo
desse mercado, mas homens que se cuidam bem não são mais novidade. Os padrões
estão mais flexíveis e aos poucos, muralhas dão sinais de que vão sucumbir. Não
se espante de ver homens de saia circulando por aí, eles podem também.
  

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