Dia de consciência e luta

Neste sábado, dia 20, comemoramos o dia da consciência negra

Postado em: 19-11-2016 às 06h00
Por: Toni Nascimento
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Neste sábado, dia 20, comemoramos o dia da consciência negra


A MC Soffia acha importante a existência do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, mas acha que essa consciência tem que ser reforçada todos os dias. Essa é uma crítica que a geração atual faz com relação à cobertura midiática sobre o dia. Mas, antes disso, o único dia que remetia à questão racial era o 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura no Brasil, que, apesar da importância simbólica, “não trazia o discurso contra o racismo e a luta dos quilombos”, conforme explica Ratts. Então o Movimento Negro militou pela criação do Dia da Consciência Negra, nos anos 1970, em contraposição ao 13 de maio. Entretanto ele só foi oficialmente instituído em 2011 por meio da lei nº 12.519 e é considerado feriado em mais de mil cidades em todo o País, apesar de já estar presente no calendário escolar desde 2003.

A data foi escolhida por ter sido quando o último líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, morreu em 1695. Então, no lugar de um dia da libertação institucional assinada pela, então, princesa Isabel, o movimento buscou na luta combativa, feita por negros, a sua referência. Ratts, que hoje é doutor e professor na Universidade Federal de Goiás (UFG), conheceu o movimento negro já na juventude, e, desde então, trabalhou com comunidades negras rurais e urbanas e com estudos e pesquisas etnicorraciais. Na visão dele, apesar de a mídia tentar isolar o tema nesta semana por uma certa comodidade, “a militância de docentes e discentes, algumas escolas e universidades, trabalham estes temas por todo o ano”. 

A data existe, portanto, como memória. Assim, o resgate cultural, a afirmação e a homenagem aos ancestrais africanos nos âmbitos históricos, religiosos, políticos, sociais e gastronômicos protagonizam as programações. Assim, passam a mensagem de que, mesmo antes da abolição assinada em 1888, os negros sempre resistiram e lutaram contra a opressão pela quantidade de melanina que têm na pele. Luta que continua, haja vista que a opressão também 

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O reconhecimento ganho por uma menina jovem e negra na grande mídia demonstra algum avanço na luta étnicorracial. Um avanço que contrapõe estatísticas como as apontadas pelo Mapa da Violência de 2014. De acordo com os dados, naquele ano, morreram 158,9% mais pessoas negras do que brancas. Para categorizar as pessoas negras, utilizou-se como base a autodeclaração feita pela população nacional ao IBGE, que divide os brasileiros em brancos, pretos, pardos, indígenas e amarelos. Foram considerados negros, portanto, os que estavam no somatório de pretos com pardos. 

Os dados foram coletados, principalmente, do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), que é um dos poucos sistemas no País que aborda a cor das vítimas de homicídios. Ainda, foi possível apurar que, entre 2003 e 2014, a taxa de homicídio de pessoas negras aumentou em 9,9% enquanto a da população branca diminuiu. Sendo que, naquele ano, 70,5% dos homicídios tiveram pretos e pardos como vítimas. As mortes por motivos indeterminados também têm uma maioria negra de 71,8%. 

Para acabar com o genocídio da população negra no país, o professor afirma que a solução seria que o Estado olhasse para as populações negras e pobres com mais atenção. Além disso, reforça que isso deve se dar por meio da “ampliação ou instalação de políticas públicas de educação, saúde e assistência social”. Mas lembra que isso deve ser implementado com atenção ao gênero, sem resumir a questão a um problema de segurança ou violência. O problema se agrava quando se faz o recorte etário. O mapa também mostrou que os jovens são maioria entre as vítimas de homicídio no Brasil. Em 2014, 59,7% dos homicídios vitimou jovens com idade entre 15 e 29 anos. 

Ratts preocupa-se, ainda, com o momento político pelo qual passa o país. “Qualquer política que reduza gastos públicos em educação, saúde e assistência social afetará a população pobre do Brasil, que é, na maioria, negra”, afirma. Além dos cortes previstos, outro risco apresentado pelo professor é a presença de grupos contrários às políticas de diferença nas casas parlamentares. Com a eleição de 2014, o Brasil elegeu o congresso mais conservador desde a redemocratização. “Teremos que lutar para manter o pouco que foi conquistado”, finaliza. 

Dandara e Zumbi: os herois negros do Brasil

A lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, data em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. A data homenageia Zumbi dos Palmares, um das personalidades históricas negras do Brasil. Ele foi o grande líder do Quilombo dos Palmares, respeitado herói da resistência antiescravagista.

Pesquisas e estudos indicam que nasceu em 1655, sendo descendente de guerreiros angolanos. Em um dos povoados do quilombo, foi capturado quando garoto por soldados e entregue ao padre Antonio Melo, de Porto Calvo. Criado e educado por este padre, Zumbi já tinha apreciável noção de Português e Latim aos 12 anos de idade, sendo batizado com o nome de Francisco. Padre Antônio Melo escreveu várias cartas a um amigo, exaltando a inteligência do pequeno Francisco. Em 1670, com quinze anos, Zumbi fugiu e voltou para o Quilombo. Tornou-se um dos líderes mais famosos de Palmares. O nome Zumbi significa: a força do espírito presente.

O nome Palmares foi dado pelos portugueses, em razão do grande número de palmeiras encontradas na região da Serra da Barriga, ao sul da capitania de Pernambuco, hoje, estado de Alagoas. Os que lá viviam chamavam o quilombo de Angola Janga, que quer dizer Angola Pequena. Palmares constituiu-se como abrigo não só de negros, mas também de brancos pobres, índios e mestiços extorquidos pelo colonizador. Os quilombos, que na língua banto significam povoação, funcionavam como núcleos habitacionais e comerciais, além de local de resistência à escravidão, já que abrigavam escravos fugidos de fazendas. No Brasil, o mais famoso deles foi Palmares.

O Quilombo dos Palmares existiu por um período de quase cem anos, entre 1600 e 1695. Lá viviam cerca de vinte mil habitantes. Nos engenhos e senzalas, Palmares era parecido com a Terra Prometida, e Zumbi, era tido como eterno e imortal, e era reconhecido como um protetor leal e corajoso. Talentoso dirigente militar, ele explorava com inteligência as peculiaridades da região. No Quilombo de Palmares plantavam-se frutas, milho, mandioca, feijão, cana, legumes, batatas. Em meados do século 17, calculavam-se cerca de onze povoados. A capital era Macaco, na Serra da Barriga.

A Domingos Jorge Velho, um bandeirante paulista, foi atribuída a tarefa de destruir Palmares. Para o domínio colonial, era mais que um imperativo atribuído, era uma questão de honra. Em 1694, com uma legião de 9.000 homens, armados com canhões, Domingos Jorge Velho começou a empreitada que levaria à derrota de Macaco, principal povoado de Palmares. Zumbi foi localizado no dia 20 de novembro de 1695. Seu corpo perfurado por balas e punhaladas foi levado a Porto Calvo. A sua cabeça foi decepada e remetida para Recife onde, foi coberta por sal fino e espetada em um poste até ser consumida pelo tempo.

Se Zumbi foi durante muito tempo invisibilizado na história do Brasil, o nome de Dandara foi ainda muito mais. Só há apenas algumas décadas é que seu legado foi redescoberto e divulgado. Guerreira do período colonial do Brasil, Dandara foi esposa de Zumbi. Com ele, Dandara teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Valente, ela foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata do século 17 e auxiliou Zumbi quanto às estratégias e planos de ataque e defesa da quilombo.

Não há registros do local onde nasceu, tampouco da sua ascendência africana. Relatos e lendas levam a crer que nasceu no Brasil e se estabeleceu no Quilombo dos Palmares enquanto criança. Ela foi uma das provas reais de que a mulher não é um sexo frágil. Além dos serviços domésticos, plantava, trabalhava na produção da farinha de mandioca, caçava e lutava capoeira, além de empunhar armas e liderar as falanges femininas do exército negro palmarino.

Sempre perseguindo o ideal de liberdade, Dandara não tinha limites quando o que estava em jogo eram a segurança do quilombo e a eliminação do inimigo. Ela defendia que a paz em troca de terras no Vale do Cacau, que era a proposta do governo português, seria um passo para a destruição da República de Palmares e a volta à escravidão. Suicidou-se depois de presa, em seis de fevereiro de 1694, para não voltar na condição de escravizada.

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