Segunda-feira, 08 de julho de 2024

Dia Nacional da Poesia: Poeta também está no feminino

Dia 14 de março já foi o Dia Nacional da Poesia: data oficial ou não, destaque à poesia feita por mulheres é sempre bem-vindo

Postado em: 14-03-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Dia Nacional da Poesia: Poeta também está no feminino
Dia 14 de março já foi o Dia Nacional da Poesia: data oficial ou não, destaque à poesia feita por mulheres é sempre bem-vindo

Natália Moura

O poeta Castro Alves, considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira, nasceu em 14 de março de 1847. Em homenagem ao autor, o Dia Nacional da Poesia foi, por muitos anos, comemorado em seu aniversário. Castro, conhecido como o “poeta dos escravos” e morto aos 24 anos – vítima de tuberculose – foi substituído. Sim. Por algum motivo, em 2015, o governo brasileiro achou melhor trocar a data nacional do Dia da Poesia para 31 de outubro, aniversário de Carlos Drummond de Andrade. Já internacionalmente, o Dia da Poesia é celebrado, em 21 de março, por conta de decreto, de 1999, da Unesco. Hoje, semana que vem ou daqui a sete meses, não importa. Todo dia pode ser dia da poesia, aniversário de poeta ou não. 

E para que exista um Dia da Poesia é necessário que se existam poetas. Quando se pensa em poetas, até pela forma escrita, se imagina logo um homem – como Castro ou Drummond. Dois grandes poetas de tempos diferentes, claro. Mas e se nos formos além do convencional? De acordo com o Priberam, poeta é um substantivo masculino. Uma mulher que escreve poesias, seguindo a formalidade da língua portuguesa, deve ser chamada de “poetisa”, termo visto como perjorativo em muitos meios. Para esta matéria especial, de um dos dias da poesia, o Essência entrevistou cinco poetas – sobre o que é ser poeta –, e nenhuma delas é, necessariamente, o estereótipo do poeta citado acima. 

Continua após a publicidade

Afirmação

“Ser mulher no meio literário ainda é acordar com a obrigação diária de arrombar portas, porque elas não se abrirão gentilmente para que você ocupe o seu lugar”, afirma a poeta, tradutora e editora paulistana Lubi Prates. Lubi já publicou os livros Coração na Boca (2012) e Triz (2016), edita a revista Parênteses, atua na organização da Golpe: Antologia-Manifesto e traduz obras de poetas hispano-americanas. De acordo com ela, o contato com a literatura sempre foi constante em sua vida. Em sua carreira, a escritora já escreveu contos e prosas, e começou a se dedicar, exclusivamente, à poesia em 2008. “A poesia para mim é uma lente que colocaram nos meus olhos, que me faz ver todas as coisas com uma sensibilidade maior e que transmuta a visão em escrita”, conta. 

A poeta Priscila Merizzio mora em Curitiba e sempre escreveu muita prosa. Segundo ela, sua história como poeta começou, em 2013, ao receber um convite para participar da Bienal Internacional de Curitiba. Os textos de Priscila, na época, já tinham certo destaque na cena literária brasileira. Mas a edição daquele ano da Bienal era só de poesia. “A poesia me pegou justamente por representar um desafio pessoal. E este desafio se tornou uma paixão – para meu espanto absoluto –, porque, se me dissessem que um dia eu viria a publicar dois livros de poemas, não acreditaria”, conta. Priscila é autora dos livros Minimoabismo (2014) e Ardiduras (2016). “Para mim, a poesia pode rebulir de qualquer fresta cotidiana. Estou sempre à flor da pele. Quando saio de casa, não deixo porta adentro quem sou, ao contrário: levo nas costas minhas cargas, como um caracol”, conta.  

Dentre as muitas questões para Bruna Siena – de Maringá (PR) – escrever está o fato de ela ser “indomesticável”. “A minha necessidade de questionar é imensa; eu escrevo para não morrer”, afirma a poeta. Segundo ela, a literatura é sua melhor forma de transgressão e libertação do mundo, onde se sente livre para fracassar e de onde ninguém sai ileso. Para Bruna, foi um custo se considerar escritora, já que os desafios de uma mulher, no ambiente literário, são imensos por conta do machismo, que ainda o cerca. “Eu sempre fui deixada de lado; atualmente tenho a minha voz que reverbera, isso é a minha vida”, afirma a autora de Marduk (2016). “Acredito que não me importar é dar importância ao meu discurso, a evolução é constante, é necessário ler, absorver e buscar explicações baseadas na vivência pessoal, aos leitores: apreciem o meu desconfortável manto de loucura, isso sou eu. Poesia para mim é isso”, afirma. 

Geruza Zelnys, de São Paulo (SP), se descobriu escritora no meio de um ‘grande abandono’. “Ser mulher no meio literário é como ser um animal. O animal fala outra língua. Os animais entendem a língua dos animais. As pessoas, não, e elas precisam ter essa consciência para conviver em harmonia e respeito. Há pessoas que dizem gostar muito de animais, tanto ao ponto de pensar que eles não falam e que devem, portanto, falar por eles”, afirma Geruza sobre a literatura de autoria feminina. Geruza Zelnys já publicou os livros Esse Livro Não é Pra Você (2015), Tatuagem: Mínimo Romance (2016) e 9 Janelas Paralelas & Outros Incômodos (2016). A autora já está com data de lançamento marcada (7/4 em São Paulo) para o livro Se do Meu Púbis Nascessem Asas (2017) e no processo de impressão de Paisagens Menores: Experiências com a Escrita Criativa (2017). “Não considero que faço poesia; acho que a poesia está aí, e me satura. É fina como teia de aranha, mas pesada a ponto de me engordurar, de colar nos cabelos, revirar meu estômago”, relata. 

“Antes, eu dizia que escrevia para não morrer, para aplacar as dores. Em 2013, descobri que, acima de tudo, precisava curar essas feridas, lidar com elas, então percebi que eu escrevia para viver, para me agarrar a todas as oportunidades, para beber o mundo de uma vez, que nem água em dia quente”,  afirma  a carioca Pilar Bu. A escritora mora em Goiânia e é uma das mediadoras do projeto Leia Mulheres, na Capital. Pilar é de uma família de sambistas, por isso a facilidade com ritmo sempre existiu. Segundo ela, escrever é uma experiência de entrega e aprendizado constantes. Mesmo que o machismo esteja sendo mais denunciado no meio literário, para Pilar as oportunidades das mulheres ainda são muito menores que as dos homens. 

“Somos menos lidas, menos divulgadas, menos publicadas, menos difundidas, menos estudadas. É só ver as antologias, as listinhas na internet, os prêmios”, expõe a poeta. Segundo Pilar, vários projetos – como o Leia Mulheres, o Festival Literário (Eu Sou Poeta), saraus exclusivos para mulheres declamarem, a rádio no youtube Pulmões Versos – têm surgido na contramão do machismo. Mas, mesmo com a criação desses espaços, muitos homens ainda acusam as mulheres de serem segregadoras. E, quando os recortes dentro das mulheres escritoras aparecem, fica muito mais desesperador. “Quando a gente vai para outros recortes, como o das escritoras negras, indígenas, periféricas, pobres e da comunidade LGBTT, a invisibilidade é ainda maior e mais agressiva”, afirma Pilar. Seu livro Ultraviolenta (2017) será lançado no mês que vem em Goiânia. “Feminismo não é esvaziamento de discurso, por isso, se queremos falar dele nos nossos versos, no nosso processo criativo, ninguém pode nos calar”, finaliza.

Veja Também