Herança das Pedras

Encenação musical sobre Cora Coralina será apresentada, nesta sexta (22), no Teatro Madre Esperança Garrido

Postado em: 22-12-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Encenação musical sobre Cora Coralina será apresentada, nesta sexta (22), no Teatro Madre Esperança Garrido

GUSTAVO MOTTA*

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A Capital recebe, nesta sexta-feira (22) e no sábado (23), o musical A Herança das Pedras, baseado na trajetória e na carreira artística de Cora Coralina, considerada a principal figura poética da Cidade de Goiás. A apresentação é dividida em três etapas, que acompanham a poetisa em diferentes fases da vida, e ocorre às 20h no Teatro Madre Esperança Garrido. Os ingressos serão trocados por um litro de leite.

O trabalho é uma remontagem histórica das tradições goianas, e conta com direção geral e artística de Vanderlei Roncato. As canções e o texto de encenação foram escritos pelo dramaturgo Wesley Neres, com arranjos musicais de DayvesWisney e coreografias de Joisy Amorim. A iniciativa conta com apoio cultural da Lei Goyazes, projeto de fomento à cultura promovido pela Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce).

Projeto

Vanderlei Roncato afirma que o espetáculo vai ser exibido, pela segunda vez, após submissões da iniciativa artística a editais de convocatória promovidos pela Seduce. O realizador afirma que, com a Goyazes, os patrocinadores destinam à produção cultural uma verba que seria tributada. Sendo assim, o governo renuncia à quantia, que é redirecionada ao financiamento artístico. O patrocínio para a realização do espetáculo veio das empresas CompLeite e MedComerce.

“Propusemos a iniciativa à Seduce, que submeteu a nossa ideia a um conselho deliberativo, que se interessou pelo projeto”, conta. O diretor musical Cleyber Ribeiro conta que o musical começou a ser pensado em janeiro, com base em grandes espetáculos de São Paulo e da Broadway. Em setembro, foi realizada uma audição que selecionou os artistas envolvidos na apresentação. “A grande exigência que fizemos é que todos cantassem, dançassem e atuassem”, pontua o diretor musical.

“Os ensaios começaram em outubro”, conta Cássio Neves, que faz parte do elenco. O artista destaca o desafio da peça, de mesclar atuação, com canto e coreografias. Outro obstáculo foi a demanda do espetáculo por equipamentos de microfonia, que foram trazidos de São Paulo. “Tivemos de trazer microfones e outros elementos de som que compõem a base de espetáculos de grande porte, porque não contamos com esse tipo de suporte em Goiás”, afirma Cleyber.

Obra social

Roncato afirma que o Teatro Madre Esperança Garrido recebeu bem o projeto, que está incluso no fechamento da temporada 2017 no local. Um dos destaques da apresentação é a adequação à comunidade surda. “A primeira apresentação vai contar com um intérprete de Libras”, conta. O diretor geral da peça destaca que toda a produção foi pensada com muito cuidado para acolher o público, de acordo com as necessidades especiais de cada um.

“O Madre Esperança Garrido é administrado por freiras agostinianas, que propuseram a troca das entradas por um litro de leite”, afirma. Segundo o diretor geral, o local mantém uma tradição de realizar eventos com entrada gratuita, mas dessa vez, a ideia visa a destinar os mantimentos para instituições filantrópicas. “Estamos abraçando essa ideia de trazer além do benefício artístico, o ganho social para quem comparecer ao espetáculo”, pontua.

Elenco

A preparação do elenco que compõe o musical ocorreu por meio de etapas. “Tivemos preparações em vocal, coreografia e cenografia”, conta Vanderlei Roncato. O trabalho com as vozes ficou por conta do preparador Edson Oliveira, que assume a direção do elenco. A equipe foi preparada para acompanhar três fases da vida de Cora. A fase adulta da poetisa é interpretada por Cristyanne Cabral. “É uma artista premiada, que atendeu muito bem às expectativas da direção”, elogia Roncato.

As fases infantil e durante a adolescência foram interpretadas respectivamente por Ana Beatriz Roncato e por Letícia Lyns, que se destacou pelos trabalhos realizados em musicais goianos infantis. “A Beatriz tem muita naturalidade para lidar com os desafios do espetáculo e chama a atenção de todos quando entra em cena”, conta o diretor geral. O elenco conta também com Bruna Lemes, Daniel Matias, Eustáquio Rodrigues Júnior, Lia Machado, Lynda Maria Roncato, Mariannalovi, Ninho Lopes e Pedro Bittencourt.

Cássio, que também integra a equipe de elenco, conta que a banda musical e o elenco ensaiavam separadamente. “Nós utilizávamos o playback da banda musical durante as nossas atividades, mas desde o dia 18 (segunda) estamos ensaiando em conjunto com os músicos”, afirma. Os esforços com os preparativos também se intensificaram, conforme conta o ator: “A princípio nos encontrávamos quatro  dias por semana, e agora os ensaios acontecem diariamente há quase um mês”.

O artista conta que os encontros ocorriam entre as 19 e 23h. “Felizmente, a direção realizou escolhas muito bem acertadas para compor a equipe”, avalia. A maioria do elenco é composta por pessoas que desempenham profissões externas ao meio artístico: “Temos professores, jornalistas, educadores físicos e muitas pessoas que vivem de outras atividades em nosso meio”. Cássio conta que, apesar das diferentes rotinas, a interação entre os colegas de espetáculo estabeleceu uma parceria de amizade na equipe.

Música e encenação

“Foi um grande desafio contar a história de Cora Coralina de forma lúdica e lírica”, conta o diretor musical. As letras foram elaboradas tendo com inspiração os poemas da doceira de Goiás. “As canções não copiam os versos dela, mas se baseiam neles para retratar a vida tradicional no interior goiano do século passado”, ressalta. Especialmente na fase infantil da trajetória de Cora, o conteúdo lírico recebe forte inspiração do jeito goiano de falar. “Assimilamos os sotaques, a puxada do ‘r’, e o uso de termos interioranos,”, afirma.

O músico ressalta que o trabalho instrumental foi pensado para combinar música e sonoplastia: “Estamos utilizando instrumentos para reproduzir até os sons da natureza, como do riacho que corre próximo à casa da poetisa”. Os instrumentos musicais chegaram em janeiro, trazidos de Manaus. O musical apresenta sons que reúnem ritmos tradicionais. “Usamos também um ‘tango à la goiana’, quando exploramos a vida marginal e a prostituição da época”, conta. No caso do xaxado, o estilo acompanha os atores que contracenam na moradia da protagonista. “A casa dela era considerada uma bagunça, então colocamos os personagens dançando o ritmo nesse cenário”, ressalta. O xaxado tem origem nordestina e chegou ao centro do País trazido por cangaceiros, o que o associou à noção de caos.

O diretor geral Vanderlei Roncato afirma que a escolha dos ritmos que compõem a trilha do espetáculo aconteceu após uma ampla pesquisa. “Incluímos a música sertaneja, o maxixe, e estilos musicais da umbanda”, pontua. Entre os instrumentos utilizados, Cleyber Ribeiro menciona o berimbau, o atabaque e xequerê, equipamentos de som originários da África que constituem a percussão musical da encenação.

Apresentação 

“Nós temos o intuito de mostrar ao goianiense um pouco mais da história dessa importante artista, que abriu os olhos do País à cultura goiana”, conta Cássio . O ator reforça que Cora é um ícone da feminilidade em Goiás, e que a doceira foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo. Roncato acredita que o projeto retrata muito da cultura local, e mostra o mundo pelo ponto de vista do povo goiano: “As pessoas veem a nossa culinária, a nossa agricultura e a nossa representação sobre a mulher a partir dos olhares da Cora”.

O espetáculo começa com uma cena da Procissão do Fogaréu na Cidade de Goiás, quando Cora volta de São Paulo, em 1956. “Quando ela retorna a Goiás, passa a relembrar os momentos passados, e os sofrimentos, memórias e percalços da vida”, afirma o diretor. O próprio título do musical (A Herança das Pedras) remete aos versos em Das Pedras, texto que conta em poesia os percalços, lutas e dores vividas e sofridas pela poetisa.

Por meio de uma janela, por onde vê o mundo, a trama acompanha a história da doceira e escritora, que teve a capacidade de aprender a andar pelo “caminho das pedras” que foram tiradas ao longo da vida, e construir com elas “uma estrada/um leito/uma casa, um companheiro”.  Vanderlei Roncato acredita que a apresentação é importante por retratar com singeleza a vida da artista, mas também considera que a tradição de se promover grandes espetáculos é necessária à formação de plateias em Goiás.

“Infelizmente, a nossa sociedade ainda não tem o hábito cultural de frequentar museus, galerias, exposições e teatros”, lamenta. O diretor geral da peça considera que os artistas se sacrificam pela arte, e ainda não são devidamente reconhecidos. “Tivemos um trabalho árduo, que passou por pesquisas de época, formação de elenco, e todo o processo para se criar um grande espetáculo”, afirma Roncato, que tem grande expectativas sobre o prestígio do musical. “Queremos mostrar que Goiás possui grandes realizadores que conseguem idealizar uma grande apresentação”, ressalta.

Cora Coralina

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas nasceu na Cidade de Goiás em 1889, mas publicou o primeiro livro (Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais) quando tinha 76 anos de idade. Os primeiros textos de Cora foram escritos, aos 14 anos, e publicados em jornais e periódicos locais, inclusive na revista A Rosa, pioneira entre as revistas femininas goianas.A doceira passou a maior parte da vida distante dos grandes centros urbanos, mas viajou para São Paulo em 1911, com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, seu marido.

Após a morte do esposo, Cora passou a vender livros. Aos 50, a autora começa a recusar o nome de nascimento e passa a atender pelo pseudônimo criado quando ainda era jovem, e em 1956, retorna à Cidade de Goiás. “Ela começou a escrever para preencher o tempo, e apresentava os seus livros, enquanto vendia doces na rua”, conta Cássio. O ator celebra a coragem de Cora, ao agir como uma mulher independente em uma época conservadora: “Alguém como ela não era bem vista, mas a poetisa tinha uma grande desenvoltura na escrita, o que chamou a atenção do Carlos Drummond de Andrade”.

Vanderlei Roncato afirma que “o reconhecimento do Andrade se deu sobre a doceira que também açucarava a alma por meio da poesia”. Cora Coralina cursou até a terceira série primária, e criou sozinha os quatro filhos após a morte do marido. As dificuldades e a simplicidade do cotidiano inspiraram toda a obra da escritora, que faleceu, em Goiânia, aos 95 anos. A trajetória de Cora correspondeu, em todos os momentos, a uma de suas mais famosas frases: “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação 

da editora Flávia Popov

SERVIÇO

Musical ‘A Herança das Pedras’

Quando: sexta (22) e sábado (23)

Onde: Teatro Madre Esperança Garrido (Av. Contorno, nº 241, Setor Central – Goiânia)

Horário: 20h

Entrada: 1 litro de leite 

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