Retrato da pobreza: dados revelam aumento de 85% no número de brasileiros com fome em 2 anos

Com preço do boi nas alturas, população busca outros métodos de alimentação em alimentos superprocessados como o macarrão instantâneo

Postado em: 10-10-2021 às 08h20
Por: Alexandre Paes
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Com preço do boi nas alturas, população busca outros métodos de alimentação em alimentos superprocessados como o macarrão instantâneo | Foto: Reprodução

Dia após dia, a fome tem voltado aos noticiários nacionais. Recentemente foram registradas imagens de uma legião de pessoas recolhendo ossos e pelancas que eram descartados por supermercados. O fato ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, mas esse retrato também acontece em outras regiões do país. No Brasil a fome atingiu 19,1 milhões de pessoas em 2020, parte de um contingente de 116,8 milhões de brasileiros que convivam com algum grau de insegurança alimentar.

No ano passado o auxílio emergencial tinha valor máximo cerca de R$ 1.200, o que proporcionava a compra de até duas cestas básicas. Agora, mesmo seu maior valor sendo R$ 375, não compra nem 60% da cesta na região metropolitana de São Paulo. Em relação a 2018 (onde 10,3 milhões de pessoas viviam em situação de fome extrema), são quase 9 milhões de pessoas a mais nessa condição. Foram registrados 19,1 milhões de brasileiros com fome em 2020, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).

Em meio a essa realidade, as crianças são as mais afetadas, já que são os lares com pequenos os mais propensos a estarem na pobreza e na extrema pobreza. Para o economista Luiz Carlos Ongaratto a pandemia é um agravante nessa situação, talvez um acelerador da condição que vivemos. “O auxílio emergencial perdeu muito seu poder de compra com as questões de inflação, pois o valor não é suficiente para o sustento, apenas seria um complemento de renda” afirma.

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Mesmo antes da pandemia, uma em cada três crianças brasileiras sofria de anemia por falta de ferro, segundo estudo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos),o economista comenta que a pandemia é um agravante nessa situação, talvez um acelerador da condição. “A falta de uma política estruturada para geração de empregos é determinante”, ressalta. Esses e outros dados que mostram como a fome voltou a ser um drama cotidiano no Brasil.

De acordo com estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradução livre), da Universidade Livre de Berlim, a insegurança alimentar é extremamente desigual. Os mais altos percentuais de insegurança alimentar são registrados em famílias com apenas um responsável pela geração de renda (66,3%).

Aumento da carne bovina

Em 2021, o consumo de carne bovina no Brasil deverá ser de 26,4 quilos por pessoa, uma queda de quase 14% em relação a 2019, ano anterior à pandemia, e de 4% se comparado a 2020. Esse é o menor nível registrado para consumo de carne bovina no país em 26 anos, segundo a série histórica da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), com início em 1996.

Até agosto deste ano, as carnes acumulavam aumento de preço de 30,8% nos últimos 12 meses, bem acima da alta de 9,68% da inflação geral, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta de preços da carne começou antes da pandemia, puxada pela demanda da China, cujo rebanho suíno foi fortemente afetado pela peste suína africana, e tendo em vista que a exportação de carne bovina do Brasil foi destinado ao pais asiático.

A tendência foi acentuada no ano passado pela alta do dólar, que estimula as exportações, reduzindo a oferta do produto no mercado interno. O economista comenta que o aumento do preço da carne bovina é o principal fator da diminuição do consumo. “A diminuição da renda devido ao desemprego e informalidade, somada aos salários baixos, são fatores que contribuíram pra isso, e acabam afetando aqueles que não possuem capital”, argumenta. E assim a carne vermelha sumiu dos prato dos brasileiros mais pobres.

Auxilio Emergencial e consumo de macarrão instantâneo

Considerando que as pessoas também têm aluguel e contas básicas para pagar, a perda do poder de compra do auxílio emergencial dá uma dimensão da precariedade em que têm vivido os brasileiros mais pobres. Um dos fatores que explica a crescente dificuldade dos brasileiros em se alimentarem adequadamente é a perda do poder de compra desse beneficio, em meio à redução do valor e à alta da inflação.

Nos açougues, em meio aos preços proibitivos da carne, consumidores recorrem a cortes antes desprezados pela maioria, como pés e miúdos de galinha. Segundo dados da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados), o consumo de macarrão instantâneo movimentou R$ 3,2 bilhões em 2020, ante R$ 2,7 bilhões em 2019.

Luiz Carlos Ongaratto comenta que todos os fatores da pandemia, ligados ao desemprego ou informalidade da prestação de serviços, faz com que a sociedade recorra a outras formas de alimentação, e isso pode explicar esse aumento no consumo do famigerado “miojo” [macarrão instantâneo]. É um produto destinado ao mercado de baixa renda, e o consumo aumenta quando a renda diminui, devido ser um produto de baixo preço”, afirma.

Sem dinheiro, sem botijão

Diante da alta do preço dos alimentos e do botijão de gás, muitas famílias têm tido que escolher entre a compra de comida ou do combustível. Em agosto, o preço médio do botijão de gás de 13 kg estava em R$ 93, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), mas já superava os R$ 100 em diversos Estados brasileiros, como Mato Grosso (R$ 114), Rondônia (R$ 111), Amapá (R$ 109), Roraima (R$ 109) e Pará (R$ 102).

Em meio aos preços exorbitantes, as notícias de queimados por utilizar o álcool como elemento de combustão cresceu, de forma negativa. Aqui em Goiás, em menos de dois meses, pessoas de três famílias diferentes sofreram queimaduras e foram internadas depois de usarem álcool para cozinhar. Na mesma situação, um homem morreu em Goiânia, com 50% do corpo queimado.

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