Cinco eventos inéditos que marcaram uma semana turbulenta na Venezuela

Se os últimos meses na Venezuela foram marcados por protestos massivos e eleições contestadas, a última semana viu as tensões escalarem em ritmo ainda mais intenso no país

Postado em: 06-08-2017 às 18h00
Por: Lucas de Godoi
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Se os últimos meses na Venezuela foram marcados por protestos massivos e eleições contestadas, a última semana viu as tensões escalarem em ritmo ainda mais intenso no país

O clima de enfrentamento cresceu com mortes nas ruas,
reações do Mercosul e a posse, na sexta-feira (4), da polêmica Assembleia
Nacional Constituinte do governo Nicolás Maduro, que pretende reformar o Estado
e redigir uma nova Constituição.

Neste domingo (6), o governo venezuelano disse ter contido
um ataque contra uma base do Exército em Carabobo (noroeste do país), cujos
autores, vestidos com roupas militares, afirmavam se tratar de um levante para
“restaurar a democracia”.

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A seguir, uma compilação de cinco acontecimentos inéditos da
crise venezuelana na última semana:

1. Eleição contestada
e explosão no número de mortes

A eleição da Assembleia Nacional Constituinte, no domingo
passado (30/07), trouxe uma série de particularidades sem precedentes.

Em primeiro lugar, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não
convocou um plebiscito consultivo prévio para legitimar a assembleia, como
havia ocorrido durante o mandato do ex-presidente Hugo Chávez quando reformou a
Constituição, em 1999.

A coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) e
outros países e instituições denunciaram o procedimento como ilegítimo,
acusando o governo de tentar acabar com a separação democrática de Poderes.

Foi por esse motivo que cresceram os protestos de rua, que
se estendem por quatro meses e resultaram em quase 120 mortes.

O dia da eleição foi o mais violento desde o início das
manifestações: registrou um recorde de ao menos dez mortos.

2. Denúncia de
“manipulação”

Enquanto a oposição ia para as ruas, as urnas recebiam
milhões de venezuelanos que escolhiam os legisladores encarregados da
Assembleia Constituinte.

Perto da meia-noite de domingo, o CNE informou que pouco
mais de 8 milhões de venezuelanos haviam votado, ou 41,53% dos eleitores do
país.

O governo conclamou uma “vitória popular” da
Assembleia Constituiente, que traria “de volta a paz”. Mas os
resultados rapidamente foram questionados.

Desde 2004, a empresa Smartmatic é provedora da plataforma
tecnológica de votação para os pleitos venezuelanos. E, nesse período, nunca havia
denunciado nenhuma irregularidade nos processos.

Isso mudou na última quarta-feira, quando o
diretor-executivo da Smartmatic, Antonio Mugica, deu uma explosiva entrevista
coletiva em Londres, denunciando “manipulação” nos números de
comparecimento às urnas no domingo passado.

Mugica estimou em ao menos 1 milhão de eleitores “a
diferença entre a quantidade anunciada (pelo governo) e a computada pelo
sistema”.

A presidente do CNE, Tibisay Lucena, chamou a denúncia de
“irresponsável” e “sem fundamento” e manteve as cifras
anunciadas no domingo passado.

Já a oposição interpretou o episódio como uma confirmação de
suas acusações de fraude. Não está prevista nenhuma recontagem de votos.

3. Moeda em
desvalorização recorde

Em paralelo às denúncias de fraude eleitoral e preparativos
para a instalação da Assembleia, a moeda venezuelana – o bolívar – sofreu uma
queda histórica em relação ao dólar livre do mercado negro, que cada vez mais
serve de referência para o câmbio no país.

Dois dias depois da votação, cada dólar tinha um valor de 12
mil bolívares. No momento, a taxa não oficial de câmbio está em quase 19 mil
bolívares, segundo o site Dolar Today, que publica os valores com base nas
casas de câmbio localizadas em Cúcuta, cidade colombiana que faz fronteira com
a Venezuela. Seu valor é o mais usado nas transações.

O resultado é que, nesta semana, o bolívar sofreu
depreciação de mais de 50% em relação ao dólar no mercado paralelo.

Ainda que na Venezuela vigore um controle estatal das
divisas financeiras, o sistema não foi capaz de conter o aumento desmedido de
preços, a ponto de o país ter hoje a inflação mais alta do mundo – 700% ao ano,
segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional).

4. Primeira sessão:
destituição

Em 1999, na primeira sessão da Assembleia Constituinte de
Hugo Chávez, os legisladores ouviram os planos do ex-presidente de criar cinco
poderes públicos independentes e um mandato presidencial de seis anos com
reeleição imediata. O país passaria a se chamar República Bolivariana da
Venezuela.

Quase duas décadas depois, na primeira reunião da Assembleia
de Maduro, no sábado, o primeiro item da agenda foi a destituição da
procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, que se tornou a principal voz dissidente
dentro do chavismo.

Ou seja, em vez de discutir o formato do novo Estado, os
legisladores constituintes usaram seu poder para afastar uma figura incômoda.

Antes, foi lida uma notificação do Supremo Tribunal de
Justiça, que considera haver motivo para abrir um processo contra Ortega. Ela
está proibida de deixar o país e seus bens e contas bancárias estão bloqueados.

Ortega acusa o governo Maduro de violações de direitos
humanos, corrupção, crimes de lesa-humanidade e fraude eleitoral. Ela rejeitou
as críticas contra si e denunciou um “golpe contra a Constituição”.

5.
“Ditadura”

A convocatória da Constituinte sem plebiscito prévio, em
maio, provocou uma mudança na percepção internacional do governo Maduro – e
diferentes países e instituições passaram a denunciar, pela primeira vez,
“autoritarismo”.

Mas foi no último domingo, ante os contestados resultados da
eleição, que alguns passaram a chamar a Venezuela de uma “ditadura”.

Foi o caso dos Estados Unidos, que impuseram sanções contra
Maduro alegando em comunicado que “eleições ilegítimas” confirmavam
que o presidente venezuelano “é um ditador que despreza a vontade” de
seu povo.

A destituição de Luisa Ortega, no sábado, foi chamada pelo
presidente colombiano, Juan Manuel Santos, de “o primeiro ato ditatorial
de uma constituinte ilegítima”.

No mesmo dia, os chanceleres do Mercosul (Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai) suspenderam indefinidamente a Venezuela do bloco com base
na cláusula de ruptura da ordem democrática.

O chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, afirmou ser
“intolerável que nós tenhamos no continente sul-americano uma
ditadura”.

O presidente venezuelano rejeitou as acusações em diferentes
ocasiões.

“Me chamam de ditador, mas não tenho nada de
ditador”, afirmou na quarta-feira. “Mas às vezes precisa-se virar um
ditador frente aos especuladores filhos da mãe.”

BBC 

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