A menina que virou árvore

Confira a crônica da advogada e conselheira de administração de empresas familiares Melina Lobo Dantas

Postado em: 04-04-2022 às 16h42
Por: Redação
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Confira a crônica da advogada e conselheira de administração de empresas familiares Melina Lobo Dantas | Foto: reprodução

Por Melina lobo Dantas

Ela tinha um espírito curioso, reconheceu isso desde muito cedo. Era daquelas que presta atenção em tudo, que gosta de saber como funciona, porque e para quê. Mas seu foco de observação não eram as coisas, eram as pessoas. Nunca se interessou pelo faz de conta das crianças, preferia o faz de conta dos adultos. Desde pequena gostava de estar entre eles, escutar suas conversas, entender por qual motivo gostavam disso, mas faziam aquilo, ou o contrário – não gostavam daquilo, mas faziam assim mesmo.

E já que era bastante inteligente, aprendeu rápido que os adultos não gostavam muito de perguntas. Eles não sabiam responder porque faziam isso ou aquilo e, principalmente, não viam suas incoerências, inconstâncias e inconsistências, bem como não queriam que uma criança as revelasse.

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Como aprendeu que fazer perguntas não era elegante e sua imaginação era enorme, aprendeu a concluir por si mesma. De suposição em suposição passou a ser uma pessoa chata, que enquadrava tudo como certo ou errado em sua ingenuidade de criança, sem saber as razões e sem ter coragem de perguntar nada. Mas como era inteligente, entendeu rápido que não podia falar tudo o que pensava e, então, vestiu a máscara da criança boazinha. Assim poderia estar entre os adultos o quanto quisesse, sem incomodar e sendo prestativa.

Era preciso tempo para temperar o seu temperamento.

Aquela criança curiosa continuava viva dentro dela e lutava para sair. Como era muito presa e sufocada, escapulia das formas mais inadequadas e inesperadas. Até que, regada a lágrimas salgadas, ela aprendeu a deixar a criança curiosa sair da caixa em que a havia trancafiado.

O mundo já era outro ou ela já conseguia ver o mundo por outras lentes? Não se sabe ao certo, mas o fato é que começou a treinar aquela menina curiosa (que havia dentro dela) a fazer perguntas de forma elegante e ainda a descobrir outras crianças curiosas, aflitas e trancafiadas a sete chaves dentro de tantos adultos reprimidos.

Aprendeu a fazer perguntas com elegância e a educar seus ouvidos para escutar as respostas individuais. Assim, aos poucos deixou de utilizar sua imaginação para supor os motivos e finalidades das pessoas, aprendendo muitas novas formas de viver e de ser feliz.

Era muito diferente ser assim! Ela sentiu vontade de contar para todo mundo que era possível conviver com sua menina curiosa, mas será que as pessoas queriam saber disso?

Opa! Lá estava a armadilha do pensamento repetitivo outra vez. Ela tanto usou a máscara da boazinha, da prestativa, que era difícil desapegar da opinião dos outros… do “será que vão gostar do que eu estou fazendo?”, “vai ser útil?”.

Mas ela já tinha caminhado muito para aprender quem era, do que gostava, tinha fortalecido suas próprias raízes e suportava não ser aceita ou ser criticada – assim como a árvore frondosa que cresce para cima e para baixo, buscando a seiva profunda do solo, o calor do sol e o carinho do vento para produzir cada vez mais belos frutos, flores e folhas que distribui generosamente a quem os queira recolher.

Então, ela resolveu contar do seu jeito. Afinal era para isso que servia o tempo: ensinar que cada um encontra a sua forma singular de se expressar no mundo – começou a escrever sobre tudo aquilo que via, sobre as conexões que fazia, as incoerências que constatava e as alegrias escondidas que observava.
E ofertou ao mundo todas as suas flores, folhas e frutos, além de sua própria sombra, para que essas histórias encontrassem outras crianças curiosas que com elas se identificassem…

Melina Lobo Dantas é advogada e conselheira de administração de empresas familiares

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