Especialistas veem golpismo em recado de general Villas Boas a manifestantes

General, ex-comandante do Exército entre 2015 e 2019 e assessor especial do GSI de Bolsonaro até junho deste ano, não faz questão de apaziguar os ânimos e incitar atos antidemocráticos

Postado em: 19-11-2022 às 08h30
Por: Francisco Costa
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General, ex-comandante do Exército entre 2015 e 2019 e assessor especial do GSI de Bolsonaro até junho deste ano, não faz questão de apaziguar os ânimos e incitar atos antidemocráticos. | Foto: Reprodução

General Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército entre 2015 e 2019 e assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro (PL) até junho deste ano, não faz questão de apaziguar os ânimos. No Dia da Proclamação da República, ele utilizou o Twitter para publicar uma nota inflando as manifestações antidemocráticas que não aceitam o resultado das urnas que deu vitória a Lula (PT), em 30 de outubro. Cientistas políticos avaliam a mensagem.

Vale citar, Villas Boas afirma que “com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameaças à liberdade e dúvidas sobre o processo eleitoral”. 

Além disso, insinua que a imprensa ignora as manifestações de “milhões pessoas” para “elas desapareçam”, mas que “a mídia totalmente controlada nos países da Cortina de Ferro não impediu a queda do Muro de Berlim”.

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Sem muita clareza, ele afirma que as Forças Armadas emitiram duas notas, sendo a primeira um relatório de 65 páginas sobre auditoria do processo eleitoral – que não apontou fraude, vale destacar – e outra de apenas uma folha, “suficiente para demonstrar o apego aos princípios e valores militares, bem como o texto constitucional”. 

“Por fim, não pode deixar de ser destacada a liderança, o equilíbrio, a serenidade e a autoridade dos atuais comandantes e do Ministro, condições com as quais asseguram a disciplina e a coesão de seus subornados. Externamente, reforçam a confiabilidade que a população, não por acaso, elege como as de nível mais alto do país.”

Professor e cientista político, Marcos Marinho vê um homem adoecido e com medo de voltar para a irrelevância. “É uma fala desesperada de uma pessoa que voltará para ostracismo. Ele não tem mais poder de falar para as Forças Armadas”, destaca. “Não tem idade, saúde ou relevância no cenário político e nacional. Então, tenta manter acesa uma militância.”

Segundo ele, a cúpula das Forças Armadas não deu atenção a essa postura. “Ele sabe que acabou. Não tem mais o que fazer, mas quer manter a claque viva. Entrará para história como um golpista no fim da carreira.”

Doutor em Ciências da Comunicação e Especialista em Políticas Públicas, o professor Luiz Signates, Luiz Signates diz que, “como cidadão e como intelectual, que a opinião do general é politicamente dispensável. Mas tem sido significativa para deixar claro como parte das Forças Armadas brasileiras estão muito longe do grau de profissionalismo que possuem, por exemplo, os militares dos países de larga tradição democrática, como os Estados Unidos da América”.

Ele enumera: “Primeiro, porque não é correto, sob nenhum ponto de vista, que civis e militares flertem com golpes de Estado. É sabido que a história recente da república brasileira é demarcada pelo golpismo e pelo autoritarismo, inclusive o militar, que pontificou na última experiência ditatorial que tivemos. Isso, contudo, tanto do ponto de vista legal, quanto do político, constitui crime contra a democracia e deve ser exemplarmente punido, pois a legislação constitucional e infraconstitucional brasileira é clara a respeito. Segundo, que não cabe a militares emitirem notas políticas. Essa sucessão de notas públicas não solicitadas, emitidas pelas Armas, constituem, portanto, uma excrecência que cabe às autoridades do governo que assume em janeiro cuidar para excluir das possibilidades de atuação da caserna.” 

Assim, ele resume que a opinião do general Villas Boas não interessa, exceto se ele falar como um cidadão comum, sem as distinções militares. “De um ponto de vista da efetividade, acho que esse período ficará para estudarmos em ciência política e em história, pois não haverá golpe algum, em vista da enorme condição de legitimidade institucional e internacional que o governo eleito tem vivenciado.” 

Por fim, o também cientista político Robert Bonifácio lembra que, em 2018, o general postou nas redes sociais uma mensagem que classificou como um “alerta”. Ela fazia alusão a uma postura contrária do Exército à impunidade. “Acontece que a postagem se deu um dia antes do julgamento de habeas corpus a favor de Lula e foi entendida como um recado à ministra Rosa Weber”, destacou.

Segundo ele, o ‘alerta’ deu certo, uma vez que a ministra desempatou o placar na Suprema Corte em desfavor de Lula, autorizando a sua prisão após decisão em 2ª instância, mesmo ela própria indicando que era contrária a tal medida. “Agora, com uma mensagem mais extensa e menos enfática, o general tenta novamente intervir na conjuntura política. Faz afagos a golpistas financiados por empresários que não aceitam o resultado da eleição presidencial e que se mostram violentos em algumas de suas manifestações, apesar do general enxergar características opostas a essas.” 

Para ele, é claramente uma forma de externar o posicionamento político da ala mais radical do Exército brasileiro, que é de total alinhamento a Bolsonaro, e de tentar dar combustível a um movimento golpista que se encontra em franca decadência. “Villas Boas não age só. Ele é referência para parte do Exército e suas palavras, tal como foi admitido no episódio de 2018, provavelmente foram escolhidas a várias mãos. O que se espera é que não surta nenhum efeito político relevante e que se configure como um dos últimos atos políticos públicos da vida do general, que entrará para a história como um influente militar de aspirações golpistas em relação à democracia no Brasil”, finaliza.

TSE

Vale lembrar, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes já tinha declarado: “O segundo turno acabou democraticamente no último domingo [30 de outubro]. O TSE proclamou o vencedor. O vencedor será diplomado até 19 de dezembro e tomará posse dia 1º de janeiro de 2022. Isso é democracia, isso é alternância de poder, isso é Estado republicano. Não há como se contestar um resultado democraticamente divulgado com movimentos ilícitos, antidemocráticos, criminosos, que serão combatidos e os responsáveis, apurados e responsabilizados sob a pena da lei.”

Os movimentos antidemocráticos tiveram início logo após o resultado. Inicialmente, os bolsonaristas insatisfeitos bloquearam rodovias em todo o País, mas o STF determinou a abertura e considerou os atos ilícitos. Eles, então, migraram para as portas dos quartéis regionais do Exército. Em 15 de novembro, inclusive, realizaram atos pelo País.

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