Com duas semanas de paralisação, economia registra queda de 1,5%

Os dados preliminares e o bom-senso indicam que a retração será ainda mais dramática no segundo trimestre - Foto:Divulgação

Postado em: 30-05-2020 às 08h05
Por: Sheyla Sousa
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Os dados preliminares e o bom-senso indicam que a retração será ainda mais dramática no segundo trimestre - Foto:Divulgação

Um
primeiro dado surge com nitidez nos números do Produto Interno Bruto (PIB)
divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A
retração de 1,5% registrada na passagem do quarto trimestre de 2019 para o
primeiro deste ano ainda não reflete todo o impacto da crise sanitária, mesmo
porque as medidas de isolamento social começaram a ser implantadas a partir da
segunda metade de março, já no final do primeiro trimestre, portanto. Ainda
assim, foi o tombo mais severo para o período desde o primeiro trimestre de
2009, quando o PIB, que tenta retratar o total de riquezas geradas pela
economia, havia sofrido baixa de 1,6% em função da chamada “grande crise
financeira global” iniciada no ano anterior.

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Houve
perdas tanto na produção quanto na demanda, diante da parada súbita em toda
economia, causada pela necessidade urgente de enfrentamento do Sars-CoV-19. Uma
combinação inédita, com impactos negativos sobre praticamente todos os setores
da economia, com exceção apenas para a agropecuária, puxada pela soja, e para
os investimentos – o que parece paradoxal, considerada a forte retração do
consumo das famílias (o que empurra a demanda total na economia para baixo e,
em tese, deveria funcionar para esfriar o investimento). Mas fatores
específicos ajudam a entender porque o investimento ainda crescia num momento
de perdas para quase todo o restante da economia e ainda porque parte desse
avanço pode ter ocorrido às custas de um achatamento maior da produção local.

Os
dados preliminares e o bom-senso indicam que a retração será ainda mais
dramática no segundo trimestre, já que as estatísticas para o PIB serão
influenciadas muito negativamente por um período maior de afastamento social do
que no trimestre inicial deste ano. No lado da oferta, por exemplo, a produção
de aço experimentou tombos de 32,7% e de 39,0% na comparação, primeiramente,
entre abril e março e, na sequência, entre abril deste ano e o mesmo mês de
2019. A produção de veículos, conforme já anotado neste espaço, desabou perto
de 99% seja na comparação com março, seja frente a abril de 2019, limitada a
apenas 1.847 unidades no mês passado. A perspectiva de uma recuperação
substancial ao longo dos meses seguintes, a ponto de compensar as perdas
realizadas em abril, parece bastante improvável.

Desumanidades

Pelo
lado da demanda, os números dramáticos do mercado de trabalho sugerem que as
famílias estarão sem fôlego para dar suporte a qualquer melhora no consumo. Ao
contrário, o mais provável é que a demanda continue mergulhando em queda livre.
Esses dados apenas reforçam a necessidade premente de que as medidas de socorro
já anunciadas de fato atinjam aqueles que mais precisam, de forma a evitar um
cenário ainda mais drástico de calamidade humanitária e deterioração social.
Até aqui, parece incompreensível e desumano, sobretudo, que a equipe econômica
continue a criar obstáculos à liberação de recursos e créditos para as
famílias, médias, pequenas e microempresas e ainda para Estados e prefeituras
que estão na linha de frente do combate ao coronavírus.

Balanço

·  
O
comportamento do emprego desde o começo do ano igualmente não justifica
previsões mais róseas e desautorizam a fala recorrente da equipe econômica.
Comparada mês a mês (na verdade, a cada período trimestral encerrado no mês em
questão), o total de ocupados saiu de 94,552 milhões em dezembro para 94,151
milhões em janeiro, com encerramento de 401,0 mil vagas.

·  
No
trimestre finalizado em fevereiro, aquele número baixou mais 441,0 mil, para
93,710 milhões de pessoas, encolhendo para 92,223 milhões até março (menos
1,487 milhão de ocupações). Em abril, foram fechadas 2,982 milhões de vagas e o
total de ocupados desabou para 89,241 milhões. A perda desde dezembro já soma
5,311 milhões de empregos. Uma enormidade, equivalente a 5,6% do total de
ocupados no final de 2019.

·  
A
massa de rendimentos do trabalho, sem considerar outras formas de renda
(aluguéis, pensões e aposentadorias, transferências de renda do governo, a
exemplo do Bolsa Família), sofreu perdas equivalentes a R$ 1,341 bilhão entre
os trimestres finalizados em fevereiro e março e de R$ 4,662 bilhões de março
para abril.

·  
O
crédito poderia dar alguma sustentação ao consumo das famílias, mas as
concessões de novos empréstimos pelo sistema financeiro a pessoas físicas
embicaram para baixo em abril, com queda de 20,8% no mês e redução acumulada no
ano de 17,8%.

·  
No
primeiro trimestre deste ano, de acordo com o IBGE, as famílias reduziram seu
consumo em 2,0% frente ao trimestre imediatamente anterior, com recuo de 0,7%
na comparação com os primeiros três meses de 2019. A participação do consumo
das famílias no PIB, que havia sido de 65,6% no início do ano passado, recuou
para 64,4%.

·  
Apesar
de um mercado doméstico retraído, o investimento cresceu 3,1% em relação ao
último trimestre de 2019 (quando havia encolhido 2,7%) e 4,3% se comparado ao
primeiro trimestre do ano passado. Como explicar essa aparente discrepância?
Conforme o IBGE, o avanço deveu-se à importação de máquinas e equipamentos
principalmente para a indústria de petróleo e gás, compensando a queda
observada na produção local. Não por coincidência, o setor de extração de
petróleo explica boa parte do salto de 4,8% registrado pela indústria
extrativa, enquanto o setor de transformação industrial recuava 0,8% (sempre em
relação ao trimestre inicial de 2019).

·  
Embora
esse tipo de investimento, baseado em importações, possa ajudar a aumentar a
produção doméstica de petróleo e gás não contribui diretamente para ampliar
empregos e gerar renda aqui dentro. 

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