Pais ausentes: histórias de superação
O Hoje online conversou com três filhos e uma mãe sobre essa ausência do nome do pai nos documentos e o que eles acreditam ter influenciado em suas vidas.
Jorge Borges
Atualmente, há mais de 5,5 milhões de crianças matriculadas no sistema educacional brasileiro sem o sobrenome dos pais nos documentos. Além delas, outras milhares receberam o nome, mas não o afeto e a atenção dos genitores. No final de semana em que celebramos o Dia dos Pais, O Hoje online conversou com três filhos e uma mãe sobre essa ausência do nome do genitor nos documentos e o que eles acreditam ter influenciado em suas vidas.
Filho Natural
Até os nove anos de idade, Paulo Goulart, como a maioria dos brasileiros nessa faixa etária, só tinha sua certidão de nascimento e sua mãe até então, nunca havia lhe contado quem era seu pai. “Eu sempre perguntava para minha mãe até meus nove anos quem era meu pai e ela se esquivava e só falava que ele tinha morrido em um acidente de carro”, lembra. Depois que a mãe faleceu, ele descobriu que o pai estava vivo.
Quando perdeu a mãe, Paulo conta que sua avó materna procurou seu pai para que fizesse um exame de DNA e confirmasse, mas que ele se recusou, pois tinha certeza de que era pai do garoto. “Mas ele nunca foi além disso, apesar de ele saber, ter certeza, ele nunca procurou regularizar a situação. Escutei da minha avó paterna que era apenas um capricho e que ainda existia muito filho natural.”
Paulo lembra que naquela época, não entendeu muito bem o que a avó quis dizer com “filho natural”, mas que ao chegar em casa perguntou a sua outra avó o que significava. “Eu lembro que minha avó ficou muito chateada com isso e depois eu fui descobrir que filho natural é filho de mãe solteira, ou filho de mulher da vida. “Hoje faz 20 anos que eu o conheço. Atualmente estou com 30 anos e conheci meu pai quando tinha 10 anos e até hoje eu não tenho o nome dele na minha identidade.”
Nenhuma lembrança
“Meu pai é um enigma na minha vida”. Com essa frase, Ádila Soares começou nossa conversa. Atualmente com 29 anos, ela cresceu sem conhecer o pai e não tem o nome do genitor em seu registro. “Ele não tinha documento enquanto morava com minha mãe, inclusive ele usava os dela. As vezes as pessoas me perguntam porque não procurei meu pai. A resposta é simples: porque é muito difícil procurar ele, uma pessoa que não tinha nome na época e nem documentos. E na realidade eu penso o seguinte, era mais fácil ele me achar do que eu achar ele. Penso que se fosse do interesse dele me procurar, ele já teria vindo atrás.”
Ádila afirma não sentir raiva do pai hoje em dia e conta emocionada que quando criança, isso era uma coisa que a incomodava. “Eu era muito revoltada quanto a isso. Todo mundo tinha seus pais e eu não tinha o meu. A jovem lembra ainda que em uma época de sua infância, as pessoas de sua família que conviveram com ele, diziam que ela se parecia muito fisicamente com o pai e que isso a magoava. “Todo mundo falava que os nossos traços físicos eram muito semelhantes e eu não conseguia ver isso, não conseguia saber, só tinha essas referências.”
A vendedora conta que até certa idade, buscava anular essa conversa. “Tentava não pensar muito nesse assunto porque não tinha respostas”. Ela lembra que seu pai deixou uma carta para sua mãe em que dizia amar muito as duas e relatando as dificuldades do relacionamento do casal. E que no final do texto justifica sua partida devido ao seu problema com o álcool.
Hoje, ela considera que o pior já passou e tem o pai de seu esposo, como figura paterna em sua vida. “Meu sogro é a referência de pai que eu tenho aqui na Terra”, mas no fundo afirma não guardar rancor de seu genitor e sentir esperança em conhecer o pai. “Em nenhum momento eu tenho raiva, ódio ou rancor dele. Pelo contrário. Se Deus permitir, um dia eu ainda quero conhecer meu pai.”
Foto: Arquivo pessoal.
Idas e Vindas
O estudante de jornalismo, Guilherme de Melo, de 23 anos, conta que não tem o nome do pai em seu registro, porque após o nascimento de seu irmão mais velho, seus pais se separam e depois de um tempo, ela descobriu a gravidez. “Quando minha mãe ficou sabendo que estava grávida, ela não quis contar para ele. Meu pai não acompanhou a gestação e nem meu nascimento. Quando nasci minha mãe me registrou só no nome dela.”
Guilherme conta que depois disso, seus pais ainda voltaram a ficar juntos e tiveram mais dois filhos e todos os seus três irmãos têm o nome do pai no registro, menos ele. “Eles não tiveram essa preocupação em me registrar”, diz o estudante.
Guilherme conta que não tem muitas lembranças de seu genitor, mas que dos quatro filhos do primeiro relacionamento, é o único que ainda mantém contato com o pai.
Volta por cima
“Até o momento, não ter o nome de um pai na certidão do B* nunca foi um problema para mim. É algo assim que até me dá um orgulho.”
A história de Brenda Guimarães, de 23 anos, não é diferente do relato de milhares de mães que decidem não colocar o nome do genitor no documento da criança. Ela lembra que quando descobriu a gravidez em 2016, procurou o pai da criança para falar sobre a situação. “A gente tinha terminado nosso namoro uns quinze dias antes, e quando descobri que estava grávida fui falar com ele no mesmo dia. Ele era mais velho que eu, tinha 28 ou 29 na época. Daí, ele me disse que deu deveria cuidar desse ‘problema’ sozinha, procurar o SUS ou sei lá o que. Bem, foi exatamente isso que fiz”, conta Brenda.
“O B* nasceu em 2016, em uma cidade do interior, próxima a Goiânia. Para a gente conseguir ter alta do hospital, precisaria ter a certidão de nascimento dele. A moça do cartório perguntou os dados, como de praxe e na hora da filiação, falei que era só meu, que não queria que colocasse o nome do pai na certidão. Ela fez uma piada com tom de deboche: Ah, mas seu filho não tem pai? “. Quando as pessoas perguntam para seu filho onde está o pai, ele apenas diz que o pai está longe”, comenta.
Brenda tem a convicção de seu filho não sente a falta do pai e acredita que cumpre a dupla função muito bem. Para isso, a jovem conta com o apoio dos pais e afirma que a figura paterna que o garoto tem é a do avô, mas que nunca disse a B* que o avô faria o papel de seu pai.
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