A história do ex-presidente da Síria assassinado em Goiás
Há exatos 57 anos, Adib Shishakli foi morto em Ceres por um druso que vivia no Distrito Federal
Não, o título não está errado. Parece mentira, mas é verdade: há exatos 57 anos, em 27 de setembro de 1964, o ex-presidente sírio Adib Shishakli foi assassinado em Ceres, no interior de Goiás, por Nawal Ben Youssef Ghazal, um druso que morava em Taguatinga, no Distrito Federal.
O tempo em que Shishakli esteve na presidência da Síria durou pouco menos de um ano, entre 1953 e 1954. Ele chegou ao poder por meio de um golpe em um momento em que o país enfrentava uma grande instabilidade política.
O curto período, no entanto, foi suficiente para realizar uma ofensiva militar que determinaria seu futuro e sua morte. Shishakli bombardeou a região de Jabal al-Arab, também conhecida como Jabal al-Druze.
Em sua maioria, os habitantes deste lugar são drusos, um grupo religioso místico que se formou a partir de uma dissidência do islã xiita. Há quem não os considere verdadeiros muçulmanos. Atualmente, existem cerca de um milhão de drusos no mundo, concentrados especialmente no Líbano, na Síria e em Israel.
Após o massacre em Jabal al-Arab, os drusos juraram matar Shishakli, que fugiu da Síria depois de ser deposto e passou um tempo na Europa antes de chegar ao Brasil.
Na década de 1960, havia aproximadamente 30 mil drusos no Brasil, e um deles era justamente Nawal, que descobriu o paradeiro de Shishakli em Ceres e se tornou protagonista desta trágica, curiosa e pouco conhecida história que conecta Goiás ao Oriente Médio.
Assim que cruzou a ponte que liga Rialma a Ceres, o ex-presidente sírio foi abordado pelo druso, que disparou cinco tiros à queima-roupa. Praticamente ninguém ali sabia o cargo que Shishakli tinha ocupado no seu país, mas, com o assassinato, logo tudo veio à tona.
Houve uma cerimônia em Ceres para se despedir do corpo. Poucos dias depois, porém, ele foi transferido para sua terra natal. Hoje, o único registro existente em Ceres sobre o caso é a guia de sepultamento de Shishakli no cemitério da cidade.
Por sua vez, Nawal ainda passou a noite na pensão em que estava hospedado em Rialma e só deixou a região no dia seguinte rumo a Anápolis, de onde partiu de carona com três amigos sírios para Belo Horizonte.
Da capital mineira, o assassino seguiu para Teófilo Otoni. Lá, reuniu-se com outros membros da comunidade drusa, que, ao saberem da morte de Shishakli, comemoraram e prometeram dar suporte a Nawal.
De fato, os drusos juntaram recursos para bancar a defesa na Justiça, que contou com nomes de peso, como Pedro Aleixo, deputado federal e posteriormente vice-presidente do Brasil, e Nelson Hungria, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
No fim, Nawal, que não demonstrou arrependimento, foi absolvido depois de um ano e meio após um júri de Goiânia ser convencido de que ele agiu sob emoção e que as ações de Shishkali na Síria justificavam a vingança.
Há suspeitas de que a comunidade drusa tenha planejado e financiado o assassinato, mas o fato é que ninguém foi preso. Em liberdade, Nawal seguiu vivendo em Taguatinga, onde morreu em 2005.
Em julho de 2019, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) decidiu expor o processo sobre o assassinato de Shishakli no Centro de Cultura e Memória do órgão.
E há uma expectativa de que Tamar Barazi, sobrinho-neto do ex-presidente sírio e que trabalha como corretor de imóveis em Nova York, nos Estados Unidos, escreva uma biografia sobre Shishakli. (Especial para O Hoje)