Estudo revela que o álcool pode acelerar o envelhecimento cerebral
Episódios frequentes de ingestão exagerada de álcool resultam na perda de milhares de neurônios

Um estudo recente revelou que o consumo de álcool pode acelerar o envelhecimento cerebral, inclusive entre adultos jovens. A pesquisa, divulgada em fevereiro pela revista científica Alcohol: Clinical & Experimental Research, foi conduzida por especialistas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e é a primeira a identificar essa relação com o apoio de uma ferramenta de inteligência artificial.
É de conhecimento geral que o consumo excessivo de álcool contribui para o declínio das funções cognitivas. A substância tem efeito tóxico sobre o sistema nervoso central, e episódios frequentes de ingestão exagerada resultam na perda de milhares de neurônios. Esse padrão de abuso pode levar à demência alcoólica, uma condição irreversível marcada por perda de memória, dificuldades cognitivas e atrofia cerebral progressiva.
Para analisar a ligação entre o consumo de bebidas alcoólicas e a saúde cerebral, os pesquisadores estudaram 58 indivíduos com idades entre 22 e 40 anos que relataram beber de forma leve a moderada. Todos foram submetidos a exames de ressonância magnética e passaram por testes que avaliaram a flexibilidade cognitiva, habilidade fundamental para lidar com mudanças de ambiente e contexto.
A partir desses dados, a inteligência artificial foi utilizada para cruzar variáveis como idade, histórico de consumo e desempenho nos testes, com o objetivo de estimar a chamada “idade cerebral”. Os resultados mostraram que, quanto mais alta era a pontuação no uso de álcool, maior era o número de erros cometidos e mais acelerado era o envelhecimento do cérebro.
Os autores do estudo alertam que, mesmo em quantidades consideradas pequenas, o álcool pode afetar negativamente o cérebro de forma mais precoce do que se imaginava. No entanto, ressaltam que são necessários mais estudos para compreender melhor os efeitos da substância e sua relação com o declínio cognitivo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça que não há um nível de consumo de álcool totalmente isento de riscos. Mesmo em doses moderadas, a bebida pode trazer prejuízos, dependendo de fatores como frequência de uso, quantidade ingerida e características individuais.
Nos Estados Unidos, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) define o consumo moderado como até duas doses diárias para homens e uma para mulheres. Ainda assim, vale lembrar que o alcoolismo é uma doença séria e que, quanto mais cedo a pessoa começa a beber, maior a probabilidade de desenvolver dependência.
Alcoolismo e câncer
O consumo de bebidas alcoólicas, prática amplamente naturalizada social e culturalmente, está diretamente associado ao aumento do risco de pelo menos sete tipos de câncer: mama, boca, laringe, garganta, esôfago, fígado e cólon. No início de 2025, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos publicou o relatório Alcohol and Cancer Risk, no qual destaca que o álcool é a terceira principal causa evitável de câncer, ficando atrás apenas do tabaco e da obesidade. Segundo o documento, a substância contribui para cerca de 100 mil novos casos e 20 mil mortes por câncer anualmente nos Estados Unidos. Em escala global, estima-se que, em 2020, ao menos 741 mil diagnósticos da doença estejam relacionados ao consumo alcoólico.
O relatório atualiza e reforça evidências científicas já conhecidas, destacando a ausência de níveis seguros para a ingestão da substância. Além disso, aprofunda a compreensão sobre os mecanismos biológicos envolvidos e esclarece que o risco é proporcional à quantidade consumida. Apesar de milenar e amplamente associada a momentos de celebração e convívio social, a ingestão de álcool ainda é tratada como um hábito cotidiano inofensivo por grande parte da população, o que contrasta com os dados alarmantes sobre seus efeitos nocivos à saúde.
De acordo com o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), mais da metade dos adultos nos Estados Unidos consomem álcool regularmente; 17% apresentam padrões de consumo compulsivo e 6% consomem em níveis elevados. Situação semelhante é observada no Brasil: dados do Ministério da Saúde, obtidos por meio do sistema Vigitel, indicam que 44,6% da população adulta brasileira relataram o hábito de consumir bebidas alcoólicas, sendo que 18,3% o fazem de forma abusiva, definida como cinco ou mais doses semanais para homens e quatro ou mais para mulheres.
O risco de desenvolvimento de câncer não está restrito às pessoas diagnosticadas com alcoolismo. Não há uma quantidade segura para o consumo de álcool. Mesmo ingestões consideradas moderadas, como uma taça de vinho ou uma lata de cerveja, podem aumentar o risco de câncer. Isso se aplica a todas as formas de bebida alcoólica, incluindo fermentados, destilados e vinhos.
Estabelecer uma relação causal entre um fator de risco e uma doença envolve complexidade, mas diversas pesquisas já identificaram, com base científica, quatro mecanismos principais pelos quais o álcool pode contribuir para a formação de tumores.
O primeiro deles refere-se ao dano direto ao DNA. Ao ser metabolizado, o álcool se transforma em acetaldeído, uma substância tóxica com propriedades carcinogênicas, capaz de se ligar ao DNA e provocar mutações. Essas alterações podem resultar no crescimento desordenado de células, dando início à formação de tumores malignos.
O segundo mecanismo envolve o aumento do estresse oxidativo. O álcool induz a produção de espécies reativas de oxigênio, que promovem processos inflamatórios crônicos no organismo e favorecem o ambiente propício ao surgimento do câncer.
Em terceiro lugar, o álcool interfere na regulação hormonal, especialmente no aumento dos níveis de estrogênio. Tal alteração é particularmente preocupante em mulheres, uma vez que eleva o risco de câncer de mama.
Por fim, o quarto mecanismo está relacionado aos efeitos diretos do álcool em órgãos específicos, como o fígado, a cavidade bucal e o trato gastrointestinal. Além disso, o consumo alcoólico potencializa a absorção de outras substâncias carcinogênicas, amplificando seus efeitos nocivos. Vale destacar que o álcool não apenas atua de forma independente, mas também agrava o impacto de outros fatores de risco, como o tabagismo, tornando o organismo ainda mais vulnerável a alterações celulares e doenças crônicas.
Embora seus efeitos sejam invisíveis no curto prazo, o potencial cancerígeno do álcool é real, multifatorial e progressivo. A exposição contínua compromete os sistemas de defesa do organismo, e, quando a “porta” imunológica se abre, inicia-se o processo de carcinogênese, caracterizado pela multiplicação anormal de células com mutações genéticas.