PEC da Segurança Pública: a disputa entre integração nacional e autonomia dos Estados
Enquanto governo defende sistema unificado de segurança, estados resistem a mudanças e bancada conservadora exige medidas mais duras; proposta começa a ser analisada na CCJ sob clima de tensão

Bruno Goulart
A tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública no Congresso Nacional revela um delicado equilíbrio de forças entre o planejamento estratégico do governo federal e as resistências de governadores e parlamentares. O texto, que chegou à Câmara, começa sua análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em um ambiente marcado por divergências profundas sobre o modelo ideal de segurança pública para o país.
A PEC, elaborada pelo Ministério da Justiça sob comando de Ricardo Lewandowski, tem como principal objetivo criar um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) com status constitucional. Na prática, isso significa estabelecer padrões nacionais para procedimentos policiais, sistemas de informação e políticas de enfrentamento ao crime organizado.
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Entre as mudanças, está a transformação da Polícia Rodoviária Federal em “Polícia Viária Federal”, com ampliação de suas atribuições para incluir o policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. A proposta também reforça o papel da Polícia Federal no combate a crimes ambientais e organizações criminosas de alcance interestadual, além de reconhecer constitucionalmente as guardas municipais como órgãos de segurança pública – ainda que com funções limitadas ao policiamento comunitário e prisões em flagrante.
Opiniões
Apesar do discurso de cooperação federativa, a PEC enfrenta forte oposição de governadores, especialmente Ronaldo Caiado (Goiás), que se tornou a voz mais crítica do projeto. Em entrevista, Caiado não poupou críticas: “Isso é uma armadilha para os estados. Na prática, o Ministério da Justiça quer ditar como devemos administrar nossas polícias e sistemas prisionais”.
No Congresso, as opiniões se dividem radicalmente. De um lado, a chamada “bancada da bala”, liderada pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF), ameaça arquivar a proposta por considerá-la insuficiente. “Só tem enfeite. Onde está o endurecimento de penas? Onde está a prisão em segunda instância?”, questionou Fraga em entrevista à imprensa.
Em posição intermediária, o deputado José Nelto (UB) reconhece ao O HOJE a importância da proposta, mas defende emendas significativas: “É fundamental ter uma PEC que trate do maior clamor da sociedade. Mas precisamos incluir mudanças no código penal, prisão em segunda instância, aumento de penas e redução da maioridade penal. Sem isso, continuaremos com uma lei fraca”.
Ao O HOJE, a deputada Adriana Accorsi (PT) disse que enxerga o projeto com otimismo: “O clima é muito bom, tanto por ser tema prioritário para a sociedade quanto pela receptividade do presidente da Casa. A exceção são os extremistas que não têm compromisso real com a segurança pública”. Accorsi criticou duramente setores da oposição, lembrando episódios recentes na Comissão de Segurança Pública: “Vimos ontem um festival de ignorância e desrespeito, com projetos absurdos como desarmar policiais que protegem o presidente”.
O ministro Lewandowski mantém o discurso conciliador: “Não há qualquer intenção de centralização. Queremos apenas instrumentos mais eficientes para que todos trabalhem juntos”. No entanto, a tensão entre integração nacional e autonomia estadual promete marcar toda a tramitação.
Próximos passos
A relatoria da PEC na CCJ será crucial para seu destino. Espera-se que o relator, ainda não definido, promova audiências públicas com governadores, especialistas e entidades da sociedade civil antes de apresentar seu parecer.