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quarta-feira, 21 de maio de 2025
Pressão Estética

Anvisa cobra mais rigor para venda de Ozempic e similares

Farmácias deverão exigir duas vias da receita e registrar a venda no sistema da Anvisa

Anna Salgadopor Anna Salgado em 18 de abril de 2025
Farmácias deverão exigir duas vias da receita e registrar a venda no sistema da Anvisa
Foto: João Pedro Bolzam

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 17 de abril, uma nova regulamentação que obriga a retenção da receita médica para a compra de medicamentos à base de semaglutida, como o Ozempic, o Wegovy e o Saxenda. A decisão atende a uma demanda crescente por controle do uso desses fármacos, cujo uso indiscriminado se intensificou nos últimos anos, especialmente entre pessoas que não possuem indicação médica, mas os utilizam como método de emagrecimento rápido. A medida foi publicada no Diário Oficial da União e passa a valer imediatamente.

A partir de agora, farmácias e drogarias deverão solicitar uma prescrição médica em duas vias além de registrar a venda no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). Segundo a Anvisa, essa mudança visa aumentar a rastreabilidade do uso da semaglutida e impedir o desvio de finalidade dos medicamentos. O uso indevido pode causar uma série de efeitos adversos, incluindo náuseas, vômitos, diarreia, hipoglicemia e até pancreatite.

Originalmente, a semaglutida foi desenvolvida para tratar pacientes com diabetes tipo 2, ajudando no controle glicêmico. Em casos específicos, também pode ser indicada para o tratamento da obesidade, quando há risco associado ou outras comorbidades. No entanto, sua popularização nas redes sociais, especialmente pelo TikTok e Instagram, levou a uma explosão no uso do medicamento entre pessoas saudáveis. A promessa de perda de peso acelerada e os testemunhos de celebridades estimulam um comportamento de consumo sem prescrição médica, ignorando riscos à saúde.

Entidades como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e o Conselho Federal de Farmácia (CFF) já haviam emitido alertas sobre o uso recreativo da substância. Em nota técnica que embasou a decisão da Anvisa, as instituições destacam que houve um aumento considerável nas prescrições do Ozempic em contextos estéticos e sem respaldo clínico. Farmacêuticos também relataram dificuldades para controlar a venda, dado que o medicamento não exigia retenção de receita até então.

Com a nova norma, o uso da semaglutida volta a ser tratado com maior rigor. “Essa medida é importante porque promove o uso racional dos medicamentos e protege a população dos riscos associados à automedicação. A retenção da receita funciona como uma barreira contra o uso inconsequente”, explica o endocrinologista Matheus Felipe. Segundo ele, mesmo entre pacientes com obesidade, o uso da semaglutida deve ser avaliado caso a caso, e nunca sem o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.

A nutróloga Sara Uolha concorda. “É preciso entender que medicamentos como o Ozempic não são pílulas mágicas. Existe uma banalização do emagrecimento rápido e um culto à magreza que vem sendo reforçado pelas redes sociais, o que leva muita gente a tomar decisões perigosas sem orientação”, afirma. Para ela, o impacto da nova regulação da Anvisa é também simbólico, pois recoloca o médico no centro da prescrição e combate a ideia de que o acesso irrestrito a substâncias potentes é aceitável.

A Anvisa informou ainda que continuará monitorando o uso da semaglutida no país, podendo revisar a regulamentação conforme a necessidade. A expectativa é de que a exigência de receita retida ajude a frear o consumo desenfreado e garanta que os medicamentos cheguem às pessoas que realmente necessitam deles. A própria indústria farmacêutica vinha enfrentando problemas com a escassez do produto, muitas vezes provocada pelo uso sem indicação médica.

A popularização do Ozempic também gerou impactos na saúde pública, já que pacientes com diabetes estavam tendo dificuldades para encontrar o medicamento. Em vários estados, houve relatos de desabastecimento, e unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) precisaram reorganizar os estoques. A decisão da Anvisa, portanto, também busca reequilibrar a distribuição e assegurar o acesso para quem depende do tratamento contínuo.

A busca pelo corpo ideal tem atravessado séculos, mas, nos últimos anos, a obsessão pela magreza voltou com força, impulsionada pelas redes sociais. O retorno da estética dos anos 2000 e a popularização de medicamentos como o Ozempic entre influenciadores e celebridades vêm moldando um novo comportamento coletivo: a medicalização da beleza. Essa tendência afasta a saúde do centro do debate e valoriza resultados imediatos, ainda que por meios arriscados.

Embora indicado para tratar diabetes tipo 2 e obesidade com comorbidades, o Ozempic passou a ser usado por pessoas sem necessidade médica apenas para emagrecer. Em vídeos no TikTok, por exemplo, usuários relatam o uso de duas canetas por mês, com dietas restritivas baseadas em água e refrigerante zero. A promessa de perda de peso rápida, combinada com a aprovação social nas redes, torna o risco invisível para quem vê apenas o resultado.

A psicóloga Hully Segatti, especialista em transtornos alimentares, aponta que o uso de medicamentos como o Ozempic sem orientação médica é reflexo de uma crise de autoestima. “A comparação com celebridades e modelos, que possuem acesso a tratamentos e recursos inacessíveis para a maioria, cria um abismo entre o que é real e o que se deseja. Isso pode desencadear transtornos graves, como bulimia, anorexia e compulsão alimentar”, alerta.

Segatti observa também o crescimento de comunidades online que romantizam distúrbios alimentares e promovem práticas perigosas como competições de calorias e jejuns extremos. “Esses espaços não só incentivam a autonegligência, mas também consolidam um sentimento de pertencimento baseado no sofrimento”, afirma. Em uma dessas postagens, uma jovem relata ter consumido apenas 347 kcal em um dia – sendo o ideal recomendado por médicos de 2000 kcal -, enquanto outra diz “viver de chiclete para não sentir fome”. Para a psicóloga, o caminho para frear essa lógica passa pela educação em saúde, apoio psicológico e desconstrução dos padrões irreais impostos.

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