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quarta-feira, 14 de maio de 2025
Dia das Mães

As que cuidam de tudo, sozinhas

No país de 11 milhões de mães solo, o cuidado virou fardo, a ausência do Estado virou regra e a maternidade, um ato diário de resistência invisível

Luana Avelarpor Luana Avelar em 9 de maio de 2025
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No Brasil, o Dia das Mães costuma ganhar vitrines floridas, campanhas publicitárias emocionais e promoções de eletrodomésticos. Fora do circuito comercial, no entanto, a realidade é outra. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 11 milhões de mulheres sustentam sozinhas seus filhos e casas.

Outra pesquisa feita pelo IBGE em 2023 mostrou que cerca de 63% das famílias chefiadas por mulheres solo vivem abaixo da linha da pobreza. Dessas, a maioria não tem acesso a creches públicas ou rede de apoio. Em muitos casos, a maternidade vem acompanhada da solidão: apenas 22% das mães solo contam com participação ativa do pai da criança, segundo o estudo “Retrato das Mães Solo no Brasil”, conduzido pelo Instituto Locomotiva. Ainda assim, essas mulheres cuidam, educam, sustentam e resistem.

Apesar da realidade escancarada pelos números, as políticas públicas seguem ignorando essas mulheres. O Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família durante o governo anterior, não reconhecia formalmente mães solo como público prioritário, o que as obrigava a disputar espaço em filas de cadastros com famílias formadas por dois provedores. O novo Bolsa Família retomou o critério de vulnerabilidade, mas o abismo social permanece.

O acesso à creche ainda é um privilégio em muitas cidades brasileiras. Apenas 35% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches públicas, segundo o Censo Escolar de 2023. Sem esse suporte, mães solo acabam reféns de redes informais, muitas vezes inseguras e instáveis. Isso afeta diretamente sua empregabilidade e perpetua o ciclo de pobreza. A ausência de políticas habitacionais específicas, o subfinanciamento da saúde da mulher e a violência obstétrica também fazem parte do cotidiano dessas mulheres, que são mães, chefes de família, cuidadoras e, frequentemente, as únicas adultas presentes no lar.

O abandono institucional atravessa gerações. Dados do CNJ de 2024 mostram que 37% das crianças em situação de acolhimento institucional têm mães vivas, mas que foram afastadas por motivos de vulnerabilidade socioeconômica. Ou seja, são mulheres punidas pela pobreza. A romantização da resiliência dessas mães serve como véu para ocultar a ausência do Estado.

Se a maternidade é celebrada como um dom universal, no caso das mães solo ela se revela como um ato radical de resistência. Enquanto discursos vazios se acumulam a cada segundo domingo de maio, milhões de mulheres seguem sustentando o país nas costas, equilibrando boletos, fraldas e jornadas triplas. Invisibilizadas nas estatísticas, essas mães não pedem flores, exigem políticas públicas que as enxerguem, de acesso a creche, emprego formal, saúde mental, segurança alimentar, crédito e, principalmente, dignidade.

 

 

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