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quarta-feira, 18 de junho de 2025
Maio Amarelo

Brasil acelera rumo à tragédia no trânsito

Atlas da Violência de 2025 revela aumento nas mortes por acidentes de trânsito e aponta falhas em políticas públicas, infraestrutura urbana e educação viária

Luana Avelarpor Luana Avelar em 13 de maio de 2025
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

No Brasil, a morte costuma chegar em alta velocidade. Em 2023, foram 34,8 mil vidas encerradas por sinistros de trânsito, um aumento de quase 3% em relação ao ano anterior. O dado, inédito em sua abrangência, foi incluído pela primeira vez no Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento marca uma inflexão importante: a violência no trânsito não é apenas uma tragédia
cotidiana, é um problema agravado por decisões políticas, omissões técnicas e omissão coletiva.

O Brasil falhou em cumprir a meta estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2010, de reduzir pela metade as mortes e feridos graves no trânsito até 2020. O compromisso foi renovado para 2030, mas os números recentes indicam que, em vez de reduzir, o país continua a aumentar seus índices de letalidade. Segundo o relatório, a velocidade excessiva, a ausência de políticas consistentes e a precariedade da educação viária mantêm o país em marcha
acelerada rumo ao colapso.

Entre os fatores agravantes apontados pelo estudo estão a má conservação da infraestrutura urbana, a fiscalização frouxa e a ausência de campanhas educativas eficazes. A violência, no entanto, tem rostos e rodas: os motociclistas representam 38,6% das vítimas fatais. A frota de motos cresceu de forma desordenada nos últimos anos, impulsionada por serviços de entrega e transporte individual, sobretudo após a pandemia de covid-19. O perfil majoritário dessas vítimas inclui jovens inexperientes, submetidos a jornadas de trabalho extenuantes e expostos à insegurança urbana.

As motocicletas, por sua fragilidade e dinâmica de circulação, tornam-se protagonistas silenciosas de uma tragédia anunciada. A cada colisão, ampliam-se as estatísticas de internações com amputações, traumatismos cranianos ou morte instantânea. Tentativas de mitigação, como a “faixa azul” implementada de forma experimental em São Paulo, têm efeito localizado e não substituem políticas abrangentes.

Outro retrocesso apontado pelo Atlas foi o fim da cobrança do seguro obrigatório de Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres (DPVAT), extinto em 2021. Antes, o seguro cobria parte dos custos hospitalares das vítimas e garantia indenizações para casos de morte ou invalidez. Além disso, 45% de sua arrecadação era destinada ao Sistema Único de Saúde (SUS), representando cerca de R$ 2 milhões por ano. Sem o DPVAT, vítimas sem seguro privado
precisam recorrer à Justiça para tentar compensações mínimas, num sistema já sobrecarregado e desigual.

Em 2024, o cenário nas rodovias federais agravou-se ainda mais. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram registrados 73.121 acidentes, resultando em 84.489 feridos e 6.160 mortos — um aumento de 10% em relação a 2023. Isso
equivale a mais de 16 mortes por dia nas estradas federais. Colisões frontais, muitas vezes causadas por ultrapassagens indevidas e excesso de velocidade, responderam por cerca de um terço das mortes. O número de infrações atingiu
recordes históricos, com 9,4 milhões de autuações, sendo 6,5 milhões apenas por excesso de velocidade.

A publicação do Atlas coincide com o Maio Amarelo, mês dedicado à conscientização sobre a segurança no trânsito — e surge como um lembrete amargo: o tráfego brasileiro ainda mata. Criado em 2011 pela ONU, o movimento Maio Amarelo propõe um esforço global de reflexão e mudança de comportamento. A cor amarela remete à sinalização de advertência no trânsito, mas, no Brasil, o sinal parece apagado há tempos. Neste ano, o tema é direto: “Desacelere: seu bem maior é a vida”. Em meio aos dados, às curvas mal sinalizadas e às escolhas diárias de ignorar os limites, o país tropeça. Cada dado é
uma ausência. Cada número, um aviso.

Reduzir os limites de velocidade, política tida como impopular, surge como uma das únicas medidas de impacto imediato recomendada por especialistas. Ao contrário da crença popular, não são as lombadas eletrônicas que atrasam o país,
é a ausência de ação. O desafio não é técnico: é político. Em vez de seguir acelerando rumo ao abismo, o país precisará, enfim, frear.

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