Enfermeiros com burnout: alerta sobre saúde mental na linha de frente
66% dos enfermeiros apresentam os três indicadores da síndrome de burnout


Entre os profissionais da saúde, especialmente os da enfermagem, os efeitos do burnout são ainda mais alarmantes. No dia 12 de maio, data em que se celebra o Dia da Enfermagem, a discussão sobre a saúde mental desses profissionais ganha ainda mais relevância. Um levantamento da Revista Latino-Americana de Enfermagem destaca que a síndrome compromete diretamente a qualidade do atendimento prestado aos pacientes. Desde 1981, o transtorno é descrito por três dimensões principais: exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal.
Um levantamento realizado pelo Instituto Qualisa de Gestão com mais de dois mil enfermeiros, em quatro hospitais de grande porte no Brasil, revelou que 66% dos profissionais apresentavam os três indicadores da síndrome de burnout.
No caso da enfermagem, esse contato está frequentemente associado ao cuidado com pacientes em situações de vulnerabilidade, o que agrava o desgaste emocional dos trabalhadores. Fatores como sobrecarga, jornadas exaustivas, falta de recursos, relações hierárquicas difíceis e exigências emocionais contribuem para o avanço do problema.
Isabela Lopes, enfermeira assistencial de 25 anos, vivencia de perto essa realidade. Segundo ela, o estresse faz parte da rotina de quem trabalha com atendimento ao público, especialmente na área da saúde. “Todos aqueles que trabalham com essa vertente sabem como é um cenário estressante. A área da saúde tem o agravante de estar lidando com pessoas em estado de vulnerabilidade. Nós lidamos com vidas, não é atender a pessoa por si só, é entender que se não for um bom atendimento, aquela pessoa terá consequências severas”, afirma.
Isabela também compartilha os momentos que mais contribuíram para o estresse no ambiente de trabalho. “É uma mistura de impotência com injustiça. Você se sente extremamente mal porque quer fazer o melhor possível, mas na maioria dos casos os empecilhos fogem da sua governança, como falta de insumos, de profissionais, lista de esperas gigantes e afins”, explica. “Mas, ao mesmo tempo, você se sente injustiçado porque o paciente acha que é apenas culpa sua, má vontade, e novamente, é onde o profissional é maltratado, humilhado e afins”, completa.

Dados alarmantes
A síndrome de Burnout tem ganhado espaço nas pesquisas acadêmicas nas últimas décadas, especialmente entre profissionais da enfermagem. Revisões sistemáticas e meta-análises revelam que variáveis como idade, gênero, estado civil e traços de personalidade podem influenciar diretamente na manifestação do distúrbio. Os dados ainda mostram que setores como emergência, pediatria e atenção primária apresentam maior incidência, sobretudo entre profissionais que demonstram altos níveis de empatia.
Apesar de diferentes metodologias e amostras, os números reforçam a relevância do tema. Um dos estudos mais abrangentes apontou que 42% dos enfermeiros brasileiros apresentavam níveis moderados ou altos de burnout. Já outra pesquisa encontrou um índice bem menor, de 14%. Em comum, ambas destacam a vulnerabilidade dos profissionais mais jovens. Em especial, aqueles entre 22 e 29 anos, cuja inexperiência tende a intensificar a ansiedade diante de situações de alta complexidade.
Os sintomas da síndrome variam, afetando tanto o corpo quanto o estado emocional. Dores físicas, problemas gastrointestinais e alterações cardiovasculares se somam ao cansaço extremo, à exaustão emocional e a distúrbios no sono e no apetite. No plano psíquico, a lista inclui desânimo, irritabilidade, tristeza profunda, distanciamento social e a perda do sentimento de realização pessoal, fatores que abalam a autoestima e a motivação dos profissionais.
Isabela Lopes, em seu relato, descreve como a rotina intensa afeta todas as esferas da vida: “Você se vê cada vez mais distante da família, dos amigos. Os tempos de lazer são cronometrados, e os momentos livres são friamente calculados para a execução das funções de um adulto funcional”, conta. Casada, Isabela relata as dificuldades de conciliar a vida pessoal com a carga de trabalho: “Não consigo nem contar quantas vezes já fui chamada a atenção pelo meu marido por horas extras sem nem previsão de fim, finais de semana fora de casa, aniversários perdidos, festas familiares ausentes. Você se sente culpada, mas ao mesmo tempo é sua profissão, você fez um juramento, pessoas dependem de você”.
Tratamento
O tratamento do burnout é multifacetado e requer acompanhamento profissional. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) figura entre as abordagens mais eficazes, oferecendo suporte na identificação e mudança de padrões negativos de pensamento. O apoio psicossocial, seja por meio de amigos, familiares ou profissionais de saúde mental, também é essencial para o alívio dos sintomas. Mudanças estruturais no ambiente de trabalho, como a redução da carga horária, intervalos regulares e ambientes mais saudáveis, são medidas indispensáveis.
Nos casos mais severos, o uso de medicamentos como antidepressivos pode ser indicado, sempre com prescrição médica e aliado à psicoterapia. O autocuidado, por sua vez, é um componente central no processo de recuperação, envolvendo alimentação equilibrada, prática de atividades físicas, sono adequado e técnicas de relaxamento.
Segundo os especialistas, o acompanhamento contínuo por profissionais de saúde é indispensável, já que a recuperação exige tempo e mudanças profundas no estilo de vida. Essa consciência foi fundamental para Isabela, que buscou ajuda ainda durante a graduação. “Procurei ajuda profissional no meu terceiro ano de faculdade. Durante a formação, eles abordavam a questão da saúde mental e reforçaram que estivéssemos sempre vigilantes. É importante saber quando você não está bem”, relata.
Desde que entrou no mercado de trabalho, Isabela diz não ter enfrentado barreiras para cuidar da própria saúde mental, mas reconhece que essa é uma realidade distante para muitos colegas. “Sei que diversos profissionais do ramo estão com a saúde mental cada vez pior e que as taxas de autoextermínio são alarmantes. A frase ‘quem cuida de quem cuida’ virou até uma certa piadoca entre os profissionais, mas é uma forma de chamar a atenção para o profissional que até cinco anos atrás, na COVID, era heroi e hoje já voltou para o anonimato, sendo que muitos nem sequer se recuperaram daquela época”, conclui.