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quarta-feira, 16 de julho de 2025
Saúde

Ganho de peso desde a infância pode antecipar envelhecimento cerebral

A principal diferença foi identificada na memória

Leticia Mariellepor Leticia Marielle em 21 de junho de 2025
Ganho de peso desde a infância pode antecipar envelhecimento cerebral. | Foto: Divulgação

Um estudo conduzido por instituições brasileiras identificou que o acúmulo constante de peso ao longo da vida, especialmente quando iniciado ainda na infância, está associado ao envelhecimento acelerado do cérebro, com impacto estimado de até 6,5 anos na idade cerebral.

O trabalho, publicado na revista Neurology, foi desenvolvido a partir da tese de doutorado do médico geriatra Paulo Henrique Lazzaris Coelho, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e ao Hospital Universitário da mesma instituição. A investigação integra o Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), um dos maiores projetos de acompanhamento populacional em saúde no país, iniciado em 2008.

Foram analisados dados de mais de 11 mil pessoas, com idades entre 35 e 74 anos, servidores públicos de seis capitais brasileiras. A proposta foi entender como o histórico de variações corporais ao longo da vida se relaciona com a função cognitiva na fase adulta. Como não havia registros objetivos de peso infantil, os participantes reconstruíram sua trajetória corporal por meio da escolha de imagens que representavam sua silhueta aos 5, 10, 20, 30 e 40 anos. A partir dessas escolhas, os pesquisadores categorizam os indivíduos em quatro perfis: abaixo do peso, peso adequado, sobrepeso e obesidade.

Para avaliar o desempenho cognitivo dos voluntários, foram aplicados três testes padronizados em diferentes períodos, com intervalo de oito anos entre o primeiro e o último. A análise contínua dos resultados possibilitou um retrato evolutivo da cognição, o que, segundo os responsáveis pelo estudo, é um diferencial em relação a pesquisas que fazem apenas uma medição pontual.

Entre os instrumentos utilizados, destacou-se o teste de memória, que consistia na apresentação de listas de palavras simples que deveriam ser lembradas após períodos curtos e médios. Também foram aplicados testes de fluência verbal semântica, em que os participantes nomearam o maior número possível de animais e vegetais, e de fluência fonêmica, baseados na produção de palavras iniciadas por letras pré-determinadas.

O terceiro eixo de avaliação envolveu as chamadas funções executivas, habilidades relacionadas à organização e execução de tarefas. Para isso, foi utilizado um teste de trilhas, em que os participantes precisavam alternar letras e números em ordem crescente. O tempo necessário para completar a tarefa foi o principal critério de análise: quanto menor, melhor o desempenho.

Os resultados indicaram que indivíduos que apresentaram aumento contínuo de peso desde os primeiros anos de vida obtiveram, de forma geral, desempenho inferior nos testes cognitivos em comparação com aqueles que mantiveram estabilidade no peso. A diferença mais significativa foi observada na faixa de memória, um dos primeiros domínios afetados por quadros neurodegenerativos.

A pesquisa, conduzida em três fases de avaliação cognitiva, demonstrou que indivíduos que passaram de peso normal para sobrepeso, de abaixo do peso para normal, ou que permaneceram com sobrepeso apresentaram um envelhecimento cerebral antecipado de 4,6, 4,9 e 6,5 anos, respectivamente, em comparação com aqueles que mantiveram o peso normal de forma estável.

O acúmulo de peso ao longo da vida está relacionado a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, que afetam diretamente a saúde cerebral. Além disso, condições frequentemente associadas à obesidade, como inflamação crônica, alterações hormonais e o acúmulo da proteína beta-amiloide, um marcador do Alzheimer, também podem contribuir para a deterioração cognitiva.

Os efeitos foram mais pronunciados entre mulheres e pessoas negras ou pardas, enquanto homens brancos não apresentaram associações relevantes. As diferenças entre os grupos sugerem a influência de múltiplos fatores além da biologia individual.

No caso das mulheres, especialistas apontam que variações fisiológicas no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, somadas ao subtratamento de condições como hipertensão e diabetes, podem agravar os riscos cognitivos. Já entre indivíduos negros e pardos, pesquisadores destacam a interação entre fatores biológicos e determinantes sociais, como a qualidade da educação, o acesso desigual à saúde e a presença de racismo estrutural.

O estudo também chama atenção para as barreiras enfrentadas por mulheres negras ou pardas, que muitas vezes convivem com limitações socioeconômicas que dificultam a adoção de hábitos saudáveis e o acesso a cuidados médicos adequados. Essa realidade favorece o ganho de peso e, por consequência, eleva os riscos para o funcionamento cognitivo.

Outro ponto levantado é o impacto do estresse crônico, decorrente de vivências de discriminação e desigualdade social. Tal estresse está relacionado a prejuízos na saúde mental e cerebral, podendo contribuir para o ganho de peso e para o comprometimento das funções cognitivas. Além disso, a dificuldade no acesso a serviços de saúde qualificados pode levar a diagnósticos tardios e à ausência de intervenções preventivas, aprofundando ainda mais as desigualdades observadas.

Além de apontar os impactos negativos do ganho de peso sobre a cognição, o estudo também traz uma perspectiva positiva ao reforçar o papel da prevenção. Manter o peso sob controle pode ser uma estratégia eficaz na proteção contra o declínio cognitivo, especialmente a partir dos 35 anos, fase em que a performance cerebral tende a apresentar uma redução natural. O alerta se intensifica para quem desenvolve condições que afetam diretamente o cérebro, como doenças cardiovasculares e demências, nas quais a deterioração cognitiva costuma ser acelerada.

Para os autores do estudo, os dados reforçam a necessidade de políticas públicas que incentivem o controle do peso desde a infância. Na prática clínica, os resultados também indicam caminhos para mudanças na abordagem ao paciente com histórico de obesidade. 

A prevenção do declínio cognitivo precisa ser encarada como um esforço multifatorial. Entre os fatores de proteção estão o monitoramento do peso corporal desde a juventude, a manutenção de uma alimentação equilibrada, a prática regular de exercícios físicos que, além de controlar o peso, melhoram o fluxo sanguíneo cerebral e favorecem a neuroplasticidade.

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