Brasil lidera ranking de ansiedade na América Latina e índice entre jovens chama atenção
Relatórios internacionais e especialistas brasileiros apontam causas sociais e culturais por trás do aumento dos transtornos mentais

O Brasil enfrenta um crescimento expressivo nos casos de ansiedade, depressão e burnout, afetando diferentes faixas etárias e impactando a qualidade de vida da população. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 9,3% dos brasileiros convivem com transtornos de ansiedade. Já a depressão atinge cerca de 5,8% da população. Os números colocam o país entre os líderes mundiais em prevalência desses problemas de saúde mental.
Segundo especialistas, a situação é ainda mais preocupante entre os jovens. De acordo com o relatório Global Mind Project, divulgado em 2024, pessoas de 18 a 34 anos apresentaram uma média de apenas 38 pontos no índice MHQ (Mind Health Quotient), que avalia o estado de saúde mental global. O índice baixo aponta dificuldades no gerenciamento da rotina, manutenção de relações sociais e controle emocional.
Fatores sociais e culturais estão entre as causas do crescimento da ansiedade
Psicólogos consultados apontam que o crescimento dos casos não é resultado de um único fator. Marcos Torati, psicólogo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, destaca que o cenário social brasileiro agrava o quadro. “Reconhecer que a desigualdade social, a pobreza, a violência e a falta de acesso à educação e saneamento básico impactam diretamente a saúde mental contribui para o entendimento da origem das questões psicológicas na sociedade contemporânea”, afirmou.
Além disso, o estigma em torno do cuidado com a saúde mental é uma barreira para muitos brasileiros. Fabiana Ratti, psicóloga, psicanalista e fundadora da Rede de Atendimento Psicanalítico Lacaniano – UNBEWUSSTE, chama atenção para o preconceito enfrentado por quem busca tratamento. “Um dos principais fatores que fazem o brasileiro não procurar tratamento é o preconceito com relação a transtornos mentais e a busca por ajuda. Combater esse preconceito passa pela tarefa de educar a população sobre o que é saúde mental, os sinais de alerta, onde buscar ajuda e como oferecer apoio a pessoas em sofrimento”, explicou.
Outro dado recente divulgado pela plataforma Vittude, que atua na área de saúde mental, aponta que 86% dos brasileiros apresentam algum grau de sofrimento psíquico, o que inclui desde quadros mais leves até transtornos mais graves.

Diagnósticos e desafios para o atendimento clínico
O aumento na procura por diagnósticos psiquiátricos também tem sido observado por profissionais da área. Segundo Marcos Torati, a popularização da lógica psiquiátrica norte-americana, somada à influência das redes sociais, tem estimulado autodiagnósticos e uma associação entre sintomas e identidade. “A valorização excessiva do diagnóstico psiquiátrico pode levar os pacientes a priorizar o tratamento da ‘doença’ em detrimento de uma visão mais abrangente da saúde, que englobe fatores biológicos, emocionais, sociais e históricos”, avaliou.
De acordo com o psicólogo, é comum que os profissionais recebam pacientes que já chegam ao consultório com um autodiagnóstico, o que pode dificultar o aprofundamento nas causas reais do sofrimento psíquico. “Essa condição pode afetar a autopercepção do indivíduo, fixando-o no sintoma e dificultando a exploração de questões psicológicas mais profundas”, acrescentou Torati.
O especialista defende, ainda, que a busca por equilíbrio entre o uso de medicamentos e a psicoterapia seja prioridade no tratamento de quadros clínicos. “A psicoterapia é essencial para todos os pacientes psiquiátricos, mas nem todo sofrimento psicológico requer medicação. É necessário considerar que os psicofármacos visam aliviar sintomas e estabilizar o psiquismo, facilitando o trabalho psicoterapêutico”, afirmou.
O tema também foi abordado no livro “Clínica e Supervisão”, lançado em 2025 por Fabiana Ratti. A obra propõe estratégias para engajar pacientes em tratamento psicanalítico, com foco na redução das desistências nas fases iniciais do processo terapêutico.
Segundo a autora, os profissionais da área precisam estar preparados para lidar com as novas configurações sociais e tecnológicas que afetam as relações humanas. “O livro, dividido em sete capítulos, aborda desde a redefinição do inconsciente na perspectiva lacaniana até a importância de se adaptar às complexidades dos laços sociais efêmeros da era digital”, disse Ratti.
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