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segunda-feira, 7 de julho de 2025
Fiscalização

Fiscalização eletrônica em Goiânia volta a gerar polêmica com uso de câmeras inteligentes

Videomonitoramento em tempo real para aplicar multas é alvo de críticas por suposta falta de legalidade e transparência

Micael Silvapor Micael Silva em 3 de julho de 2025
Entre 1º de abril e 15 de junho deste ano, foram registradas 3.566 infrações cometidas por motoristas flagrados enquanto dirigiam e usavam o celular Foto : Reprodução
Entre 1º de abril e 15 de junho deste ano, foram registradas 3.566 infrações cometidas por motoristas flagrados enquanto dirigiam e usavam o celular Foto : Reprodução

A retomada da fiscalização eletrônica em Goiânia, após nove meses de suspensão, continua gerando controvérsia. Nesta quarta-feira (2), o presidente da Câmara Municipal, Romário Policarpo (PRD), voltou a criticar o modelo atual, direcionando suas falas ao secretário de Engenharia de Trânsito, Tarcísio de Abreu. No centro do debate está o uso de câmeras com inteligência artificial, que autuam motoristas em tempo real por infrações como manuseio de celular, avanço de sinal vermelho e ausência do cinto de segurança.

Reativado no primeiro quadrimestre de 2025, o sistema conta atualmente com 61 câmeras do tipo PTZ (Pan-Tilt-Zoom) em funcionamento. Dessas, 29 estão aptas a aplicar multas, segundo a Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET). A pasta garante que todos os pontos fiscalizados estão devidamente sinalizados, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e a Resolução nº 909/2022 do Contran.

Por outro lado, há outras câmeras que, embora estejam instaladas e operando, não possuem sinalização, o que, segundo a SET, as enquadra como instrumentos exclusivamente voltados ao monitoramento. Esses equipamentos auxiliam os agentes de trânsito no controle do fluxo viário e na resposta a ocorrências, mas não geram autuações. 

Ainda assim, especialistas apontam falhas legais na operação atual. Para a advogada Eliane Nogueira, presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB-GO, a aplicação de multas em locais sem a devida sinalização pode ser considerada ilegal. “A Resolução nº 909/2022 do Contran exige que toda fiscalização feita por câmeras esteja devidamente sinalizada nas vias públicas. Sem essa sinalização, sim, a autuação pode ser considerada ilegal”, afirma.

Ela destaca que o artigo 3º da norma é categórico: “A fiscalização de trânsito mediante sistema de videomonitoramento somente poderá ser realizada nas vias que estejam devidamente sinalizadas para esse fim”.

Diante disso, a ausência de placas ou avisos sobre a presença das câmeras pode ser usada como argumento para anular multas. “O cidadão que for multado em uma via sem sinalização adequada pode requerer a nulidade do auto de infração, sustentando sua defesa com base na ilegalidade da autuação. Para isso, é fundamental anexar provas, como fotos do local, que comprovem a ausência da sinalização exigida por lei”, orienta.

Eliane também explica que os condutores têm meios legais para contestar esse tipo de penalidade. “O motorista pode apresentar defesa prévia e, se necessário, recorrer às Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jari) e, em segunda instância, ao Conselho Estadual de Trânsito (Cetran). Esses recursos estão assegurados pelo direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.”

Segundo ela, o funcionamento irregular de câmeras, sem respaldo legal ou em desacordo com as normas de sinalização, pode configurar abuso de poder e até violação de direitos fundamentais, como a privacidade. “Se houver constrangimento indevido ao cidadão, a conduta do poder público pode ser questionada judicialmente”, destaca.

A advogada lembra ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já analisou casos semelhantes e há jurisprudência reconhecendo a nulidade de multas aplicadas sem a devida sinalização. “Já existem precedentes nesse sentido, o que reforça o entendimento de que é necessário respeitar todos os requisitos legais para validar uma autuação por videomonitoramento”, conclui.

Mais de 3 mil multas

Entre 1º de abril e 15 de junho deste ano, segundo dados da SET, foram registradas 3.566 infrações cometidas por motoristas flagrados manuseando o celular ao volante. A secretaria informou que o levantamento total de infrações aplicadas nos seis primeiros meses da reativação do sistema será divulgado posteriormente.

Para o especialista em mobilidade urbana Marcos Rothen, o uso de câmeras como ferramenta de fiscalização no trânsito é cada vez mais comum e pode ir além da simples autuação. Segundo ele, a tecnologia tem potencial também para identificar outros tipos de ocorrências viárias, como acidentes, veículos enguiçados e interrupções no tráfego, contribuindo de forma mais ampla para a gestão do trânsito. 

“Cada vez mais o uso de câmeras faz parte de todo tipo de sinalização. Esse tipo de fiscalização pode contribuir não apenas para controlar o comportamento dos motoristas, mas também para detectar problemas operacionais nas vias”, afirma.

Especialista cobra transparência e presença efetiva da gestão no trânsito

Apesar de reconhecer os benefícios do videomonitoramento, Rothen critica a forma como a política de trânsito tem sido conduzida pela administração municipal. Para ele, falta transparência e uma postura mais educativa e preventiva por parte das autoridades. “Não é obrigatório informar todos os pontos de fiscalização, mas as autoridades devem agir com transparência, mostrando que a intenção é educar e prevenir. Quando a população percebe que a fiscalização é feita apenas para multar, há rejeição”, alerta.

Na avaliação do especialista, Goiânia tem falhado na aplicação de políticas públicas eficientes de mobilidade urbana. “Só vejo notícias de que estão fazendo algo, mas não vejo mudanças reais no comportamento dos motoristas. As infrações continuam visíveis por toda parte, principalmente entre motociclistas”, observa.

Rothen cita falhas estruturais persistentes. “Na Avenida Araguaia com a Rua 3, havia uma faixa para pedestres que foi retirada, mas o tempo do semáforo não foi ajustado, causando atraso desnecessário. Já alertei os gestores, e nada foi feito. Na Avenida 85, em frente ao Estádio do Goiás, há outro erro antigo. As sugestões da população não são consideradas. Isso demonstra uma gestão falha e pouco responsiva.”

O especialista defende a ampliação da engenharia de tráfego, com mais técnicos e agentes nas ruas. “Goiânia hoje prioriza a fluidez, o que é importante, mas isso não pode ser a única prioridade. Na Avenida 85, por exemplo, os pedestres foram esquecidos. Isso é uma falha grave na gestão do trânsito.”

Para ele, a multa ainda é uma ferramenta necessária, especialmente diante da baixa consciência de parte dos motoristas. “A pesquisa de uma aluna em seu TCC mostrou que, onde havia fiscalização, os motoristas dirigiam com mais cautela. Já em áreas sem fiscalização, o comportamento era mais imprudente”, relata.

E conclui: “Desde pequenos, aprendemos que precisamos seguir regras para não sermos punidos. O mesmo vale para o trânsito. Se houver risco real de punição, o comportamento muda”

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