O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Endividamento em Goiás

Recuperação judicial cresce no campo goiano em meio ao avanço da inadimplência no agronegócio

Crise climática, custos de produção e retração do crédito pressionam produtores rurais em Goiás, que recorrem cada vez mais à Justiça para tentar manter suas atividades

Letícia Leitepor Letícia Leite em 11 de setembro de 2025
4 abre Divulgacao Seapa 1
Especialistas apontam fragilidades estruturais do agro e veem na recuperação judicial um reflexo da crise de crédito e gestão. Foto: Divulgação/Seapa

Informações da Serasa Experian mostram que, no primeiro trimestre deste ano, a taxa de inadimplência da população rural em Goiás alcançou 8,0%, acima da média nacional de 7,9%. No Centro-Oeste, o índice chegou a 8,5%. Os números revelam um cenário delicado em um Estado cuja economia é fortemente dependente do agronegócio. Outro dado que preocupa é a inadimplência no Banco do Brasil, principal agente de crédito agrícola no País: em Goiás, ela saltou de 0,5% para 3,5% em apenas dois anos.

Segundo o gerente técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), Edson Alves Novaes, a combinação de fatores climáticos e econômicos explica esse avanço. “No caso de Goiás em específico, essa inadimplência foi provocada por perdas provocadas pela seca e chuvas em excesso em alguns períodos, que atingiram os produtores rurais nas últimas duas safras”, afirma. Ao mesmo tempo, houve queda significativa dos preços de commodities como soja e milho, enquanto os custos subiram, impactando a rentabilidade e a renda dos produtores.

Esse quadro, na avaliação dele, preocupa não apenas pela dificuldade imediata de pagamento, mas também pelo risco de exclusão de muitos agricultores do sistema de crédito. “Nossa preocupação é que essa inadimplência poderá afetar o acesso ao crédito por inúmeros produtores, e a FAEG tem trabalhado junto aos agentes financeiros para que os produtores possam conseguir renegociar ou prorrogar suas dívidas e continuar produzindo”, completa.

Com o avanço das dívidas, cresce também a busca pela recuperação judicial (RJ) como alternativa. Em 2024, Goiás registrou 122 pedidos de recuperação judicial no agronegócio. Apenas no primeiro trimestre de 2025, foram 38 solicitações de produtores pessoa física, o segundo maior número do País. No segundo trimestre, o Estado já contabilizava 60 empresas rurais em recuperação, 50% a mais que no mesmo período do ano anterior.

Para a federação, no entanto, essa não deveria ser a primeira opção. “Acreditamos que o melhor caminho é o diálogo com a instituição financeira, que obteve o financiamento. A FAEG tem feito esse trabalho, promovendo a interlocução com os principais agentes financeiros do agro, auxiliando os produtores para renegociar/prorrogar suas pendências financeira”, reforça Novaes. Ele acrescenta que a recuperação judicial pode ser usada, mas entende que a negociação direta preserva o acesso ao crédito e permite que o produtor continue produzindo. 

O advogado e especialista em recuperação judicial Rafael Brasil pondera que a procura por esse instrumento jurídico é reflexo de um problema estrutural. “Embora seja um setor econômico de destaque, ele não é imune às crises econômica, climática e política. Além disso, o agro brasileiro é formado, de maneira preponderante, por pequenos produtores, que são mais sensíveis a esses impactos. Quanto maior o índice de inadimplência, mais dificuldade o produtor encontra para tomar novos créditos e isso o leva para um cenário de maior dificuldade”, explica.

Segundo ele, as micro e pequenas empresas também estão entre as mais afetadas. “São formadas, via de regra, por empreendedores que não têm um domínio adequado de seu próprio negócio. Sem gestão eficiente, um cenário de crise econômica na empresa e isso pode levar a um processo de recuperação judicial ou até mesmo uma falência”, pontua. Ele explica que hoje, o crédito está escasso e mais caro até mesmo para empresas saudáveis, e para aquelas que dependem exclusivamente de financiamento, o cenário é ainda mais preocupante.

Nova linha de crédito do governo é vista como limitada e insuficiente para resolver crise no campo

Na tentativa de aliviar a situação, o governo federal anunciou na última semana uma nova linha de crédito de R$ 12 bilhões para agricultores prejudicados por tragédias climáticas, com taxas reduzidas de juros, 6% ao ano para agricultores familiares, 8% para médios produtores e até 10% para os demais.

Apesar de positivo, o pacote é considerado insuficiente pela FAEG. “Essa medida não resolve o problema, pois é limitada e não abrange todos os produtores que estão em dificuldade […] Ela abrange somente os produtores rurais que tenha perdas em duas ou mais safras durante o período de 01/06/2020 à 30/06/2025, em decorrência de eventos climáticos”, avalia Novaes. O especialista destaca que produtores que enfrentam dificuldades de fluxo de caixa por queda nos preços ou aumento expressivo de custos, ficam de fora.

FAEG aposta em assistência técnica e renegociação como alternativas à recuperação judicial

Além de intermediar o diálogo com bancos, a FAEG tem atuado em outras frentes. Uma delas é o apoio por meio da Assistência Técnica e Gerencial oferecida pelo Senar Goiás, que ajuda os produtores a melhorarem a gestão, racionalizar custos e direcionar melhor seus investimentos. Outra iniciativa é o trabalho do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), que disponibiliza informações atualizadas sobre mercado, preços e custos para subsidiar a tomada de decisão no campo.

Entre a necessidade de manter a produção ativa e a pressão das dívidas crescentes, a recuperação judicial se consolida como um termômetro da crise que atinge o agronegócio goiano. Enquanto o governo busca soluções parciais e as entidades representativas orientam pela renegociação, a escalada dos números indica que o desafio vai além do clima e dos preços: trata-se de uma questão estrutural de crédito e gestão que coloca à prova a resiliência do setor mais importante da economia goiana.

Siga o Canal do Jornal O Hoje e receba as principais notícias do dia direto no seu WhatsApp! Canal do Jornal O Hoje.
Tags:
Veja também