“Inteligentes somos nós, não as máquinas”, alerta pesquisadora sobre uso da IA na educação
Pesquisa TIC Educação mostra que o uso de IA já é realidade desde os primeiros anos do ensino fundamental, mas a falta de orientação pedagógica gera riscos ao processo de aprendizagem
Sete em cada dez estudantes do ensino médio afirmam utilizar ferramentas de inteligência artificial generativa para realizar suas tarefas escolares. Apesar da adesão significativa, apenas 32% dizem ter recebido orientações da escola sobre como usar essas tecnologias.
Os dados fazem parte da pesquisa TIC Educação, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Os resultados foram divulgados nesta terça-feira (16).
De acordo com os pesquisadores, o levantamento revela uma transformação acelerada nas atividades escolares, mas ainda sem a mediação pedagógica necessária para estimular um uso crítico e responsável de recursos como ChatGPT, Copilot e Gemini. É a primeira vez que o estudo apresenta um panorama do uso de inteligência artificial pelos alunos em atividades acadêmicas.
Uso desde os primeiros anos escolares
A pesquisa mostra que a adoção dessas ferramentas começa já no início da vida escolar e se intensifica ao longo dos anos. Entre os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), 15% afirmaram ter usado inteligência artificial em trabalhos escolares nos três meses anteriores à pesquisa, realizada de agosto de 2024 a março de 2025. Nos anos finais (do 6º ao 9º ano), esse percentual sobe para 37%.
Ao todo, foram realizadas 10.756 entrevistas em 1.023 escolas públicas e particulares de todo o País. O levantamento ouviu 954 gestores escolares, 864 coordenadores pedagógicos, 1.462 professores e 7.476 alunos.
Para a professora Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), as tecnologias, que incluem a inteligência artificial, devem ser compreendidas como parte da vida social e, portanto, acessíveis a todos.
“Toda tecnologia é um produto e processo da vida humana em sociedade e, portanto, um direito de todos e todas estudantes, professores e toda a comunidade escolar”, afirma.
Echalar destaca, porém, que o uso das chamadas inteligências artificiais (IAs) em atividades escolares têm trazido desafios significativos para o processo de ensino-aprendizagem. “Essas ferramentas trabalham com dados coletados de formas complexas e muitas vezes equivocadas. Quando o uso não é orientado por uma prática pedagógica intencional e consciente, a atividade deixa de promover a construção de conceitos e o pensamento teórico, tornando o processo de aprendizagem precário.”
Inteligências artificiais, no plural
A professora enfatiza que o termo deve ser usado no plural. “São diferentes tipos, com distintas finalidades, e não são de fato inteligentes. O que fazem é reproduzir padrões a partir de dados que nós fornecemos. Por isso, precisam estar vinculadas a um projeto educacional claro, com objetivos definidos pelas redes de ensino e pelos docentes.”
De acordo com a pesquisadora, não se trata de apoiar ou rejeitar a tecnologia, mas de incorporá-la de forma crítica. “O uso que tem sido mais divulgado é individual, sem acompanhamento e sem intencionalidade pedagógica. Isso gera erros, informações falsas e falhas no processo educativo. Inteligentes somos nós, seres humanos, que criamos essas ferramentas para determinados fins, muitas vezes não discutidos publicamente.”
Riscos ao desenvolvimento de habilidades
Questionada sobre o impacto do uso da IA no desenvolvimento de habilidades essenciais, a pesquisadora recorre a um paralelo histórico. “Quando a escrita se consolidou, muitos temeram a perda da oralidade. Quando o livro se difundiu, acreditava-se que ele apagaria outras práticas. Essa ideia de que a nova tecnologia substitui a anterior é equivocada.”
No entanto, Echalar reconhece riscos no uso desorientado da IA. “Essas ferramentas tendem a oferecer respostas prontas, muitas vezes equivocadas, que não estimulam o desenvolvimento do raciocínio lógico, matemático ou do pensamento por conceitos. Ao invés de provocar o exercício intelectual, limitam o estudante a definições superficiais.”
Plataformas digitais ganham força e desafiam a autoria estudantil
Além da inteligência artificial, a pesquisa revela que os estudantes têm recorrido cada vez mais a plataformas digitais para apoiar seus estudos. Canais de vídeo como YouTube e TikTok já se equiparam aos buscadores tradicionais. Entre os entrevistados, 74% afirmaram usar ferramentas como o Google para pesquisas escolares, enquanto 72% disseram recorrer a plataformas de vídeo. Entre elas, o YouTube lidera (95%), seguido por TikTok (66%) e Kwai (19%).
Aplicativos de comunicação e redes sociais também aparecem com grande força no ambiente escolar. O WhatsApp é usado por 88% dos alunos para compartilhar informações, tirar dúvidas e trocar materiais. Já o Instagram, mencionado por 71%, funciona tanto como espaço de socialização quanto de busca por conteúdos educativos.
Esses índices superam a utilização de sites como a Wikipedia, que foi citada por apenas 43% dos entrevistados. Para especialistas, esse movimento representa uma mudança na lógica de busca de informação, cada vez mais visual, interativa e mediada por algoritmos.
A professora Adda Echalar alerta, no entanto, para os riscos associados a essa tendência. Um deles é a diluição da autoria. “Quando o estudante ou profissional transfere integralmente a produção à IA ou depende apenas de conteúdos rápidos em redes sociais, ele oculta aquilo que há de mais humano em si: a intelectualidade. Isso não é um problema do aparato em si, mas do modo como nossa sociedade, marcada pela lógica do consumo e da pressa, lida com a produção de conhecimento.”
Para a pesquisadora, a incorporação de tecnologias ao ensino precisa estar vinculada a uma visão clara de projeto educacional. “Pensar o ensino-aprendizagem com inteligência artificial, robótica, realidade aumentada ou qualquer outra tecnologia é pensar qual projeto educacional queremos construir para o País. Sem isso, corremos o risco de formar gerações mais dependentes de respostas prontas e menos preparadas para refletir criticamente sobre a realidade.”