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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
IA NA EDUCAÇÃO

“Inteligentes somos nós, não as máquinas”, alerta pesquisadora sobre uso da IA na educação

Pesquisa TIC Educação mostra que o uso de IA já é realidade desde os primeiros anos do ensino fundamental, mas a falta de orientação pedagógica gera riscos ao processo de aprendizagem

Micael Silvapor Micael Silva em 19 de setembro de 2025
A pesquisa mostra que a adoção dessas ferramentas começa já no início da vida escolar e se intensifica ao longo dos anos Foto: Matheus Bertelli/Pexels
A pesquisa mostra que a adoção dessas ferramentas começa já no início da vida escolar e se intensifica ao longo dos anos Foto: Matheus Bertelli/Pexels

Sete em cada dez estudantes do ensino médio afirmam utilizar ferramentas de inteligência artificial generativa para realizar suas tarefas escolares. Apesar da adesão significativa, apenas 32% dizem ter recebido orientações da escola sobre como usar essas tecnologias.

Os dados fazem parte da pesquisa TIC Educação, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Os resultados foram divulgados nesta terça-feira (16).

De acordo com os pesquisadores, o levantamento revela uma transformação acelerada nas atividades escolares, mas ainda sem a mediação pedagógica necessária para estimular um uso crítico e responsável de recursos como ChatGPT, Copilot e Gemini. É a primeira vez que o estudo apresenta um panorama do uso de inteligência artificial pelos alunos em atividades acadêmicas.

Uso desde os primeiros anos escolares

A pesquisa mostra que a adoção dessas ferramentas começa já no início da vida escolar e se intensifica ao longo dos anos. Entre os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), 15% afirmaram ter usado inteligência artificial em trabalhos escolares nos três meses anteriores à pesquisa, realizada de agosto de 2024 a março de 2025. Nos anos finais (do 6º ao 9º ano), esse percentual sobe para 37%.

Ao todo, foram realizadas 10.756 entrevistas em 1.023 escolas públicas e particulares de todo o País. O levantamento ouviu 954 gestores escolares, 864 coordenadores pedagógicos, 1.462 professores e 7.476 alunos.

Para a professora Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), as tecnologias, que incluem a inteligência artificial, devem ser compreendidas como parte da vida social e, portanto, acessíveis a todos.

“Toda tecnologia é um produto e processo da vida humana em sociedade e, portanto, um direito de todos e todas  estudantes, professores e toda a comunidade escolar”, afirma.

Echalar destaca, porém, que o uso das chamadas inteligências artificiais (IAs) em atividades escolares têm trazido desafios significativos para o processo de ensino-aprendizagem. “Essas ferramentas trabalham com dados coletados de formas complexas e muitas vezes equivocadas. Quando o uso não é orientado por uma prática pedagógica intencional e consciente, a atividade deixa de promover a construção de conceitos e o pensamento teórico, tornando o processo de aprendizagem precário.”

Inteligências artificiais, no plural

A professora enfatiza que o termo deve ser usado no plural. “São diferentes tipos, com distintas finalidades, e não são de fato inteligentes. O que fazem é reproduzir padrões a partir de dados que nós fornecemos. Por isso, precisam estar vinculadas a um projeto educacional claro, com objetivos definidos pelas redes de ensino e pelos docentes.”

De acordo com a pesquisadora, não se trata de apoiar ou rejeitar a tecnologia, mas de incorporá-la de forma crítica. “O uso que tem sido mais divulgado é individual, sem acompanhamento e sem intencionalidade pedagógica. Isso gera erros, informações falsas e falhas no processo educativo. Inteligentes somos nós, seres humanos, que criamos essas ferramentas para determinados fins, muitas vezes não discutidos publicamente.”

Riscos ao desenvolvimento de habilidades

Questionada sobre o impacto do uso da IA no desenvolvimento de habilidades essenciais, a pesquisadora recorre a um paralelo histórico. “Quando a escrita se consolidou, muitos temeram a perda da oralidade. Quando o livro se difundiu, acreditava-se que ele apagaria outras práticas. Essa ideia de que a nova tecnologia substitui a anterior é equivocada.”

No entanto, Echalar reconhece riscos no uso desorientado da IA. “Essas ferramentas tendem a oferecer respostas prontas, muitas vezes equivocadas, que não estimulam o desenvolvimento do raciocínio lógico, matemático ou do pensamento por conceitos. Ao invés de provocar o exercício intelectual, limitam o estudante a definições superficiais.”

Plataformas digitais ganham força e desafiam a autoria estudantil

Além da inteligência artificial, a pesquisa revela que os estudantes têm recorrido cada vez mais a plataformas digitais para apoiar seus estudos. Canais de vídeo como YouTube e TikTok já se equiparam aos buscadores tradicionais. Entre os entrevistados, 74% afirmaram usar ferramentas como o Google para pesquisas escolares, enquanto 72% disseram recorrer a plataformas de vídeo. Entre elas, o YouTube lidera (95%), seguido por TikTok (66%) e Kwai (19%).

Aplicativos de comunicação e redes sociais também aparecem com grande força no ambiente escolar. O WhatsApp é usado por 88% dos alunos para compartilhar informações, tirar dúvidas e trocar materiais. Já o Instagram, mencionado por 71%, funciona tanto como espaço de socialização quanto de busca por conteúdos educativos.

Esses índices superam a utilização de sites como a Wikipedia, que foi citada por apenas 43% dos entrevistados. Para especialistas, esse movimento representa uma mudança na lógica de busca de informação, cada vez mais visual, interativa e mediada por algoritmos.

A professora Adda Echalar alerta, no entanto, para os riscos associados a essa tendência. Um deles é a diluição da autoria. “Quando o estudante ou profissional transfere integralmente a produção à IA ou depende apenas de conteúdos rápidos em redes sociais, ele oculta aquilo que há de mais humano em si: a intelectualidade. Isso não é um problema do aparato em si, mas do modo como nossa sociedade, marcada pela lógica do consumo e da pressa, lida com a produção de conhecimento.”

Para a pesquisadora, a incorporação de tecnologias ao ensino precisa estar vinculada a uma visão clara de projeto educacional. “Pensar o ensino-aprendizagem com inteligência artificial, robótica, realidade aumentada ou qualquer outra tecnologia é pensar qual projeto educacional queremos construir para o País. Sem isso, corremos o risco de formar gerações mais dependentes de respostas prontas e menos preparadas para refletir criticamente sobre a realidade.”

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