Aliança entre Centrão e PL derrotaram governo na votação do projeto Antifacção
Em uma noite de tensão política, a Câmara aprovou o projeto que endurece o combate às facções, após disputas internas, mudanças no texto e acusações de pressões externas. Agora, a batalha segue no Senado
Em meio a intensos atritos entre governo e oposição, a Câmara dos Deputados aprovou na noite da terça-feira (18/11) o PL Antifacção, que endurece as regras de combate às organizações criminosas, com 370 votos favoráveis e 110 contrários. A proposta, que cria novos tipos penais, amplia instrumentos de investigação e prevê penas de 20 a 40 anos para crimes praticados por facções consideradas “ultraviolentas”. O texto, segue agora para análise do Senado, com o relator Assessando Vieira (MDB-SE).
O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), escolheu o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) para relatar o projeto, decisão vista como um gesto de moderação e que frustrou o Palácio do Planalto, já incomodado com o fato de a Câmara ter entregue a relatoria ao deputado Guilherme Derrite (Progressistas-SP), secretário licenciado da Segurança Pública de São Paulo.
Enviado pelo governo em outubro, o texto – apelidado na Câmara de Marco Legal do Combate ao Crime Organizado – enfrentou resistência dentro da própria base aliada, principalmente pela atuação de Derrite. A falta de acordo sobre o conteúdo levou o relator a apresentar seis versões do parecer até a votação final.
“Não importa o quão doloroso seja o processo de construção, mas sim a obra pronta que nós estamos entregando ao Brasil. Eu sei o que Vossa Excelência passou nos últimos dias, os ataques que sofreu, a sua disposição sempre em dialogar. Mudou o texto quantas vezes foi necessário para que chegasse a uma versão do relatório possível que essa Casa deveria analisar e aprovar. Foi isso que aconteceu na noite de hoje”, disse Hugo Motta às 22h30, após 370 votos a favor da sexta versão de Derrite, sobre o PL Antifacção. A votação começou pouco após às 18h, e se estendeu pela noite, mesmo com o presidente da Câmara afirmando que tudo seria decidido “na luz do dia”.
“Estive ao seu lado, sempre confiei na sua capacidade, deixei claro aos membros do governo, aos ministros, aos deputados aqui, que Vossa Excelência faria um trabalho técnico”, afirmou Motta, com o discurso de que era um dia histórico na Câmara dos Deputados no combate ao crime organizado.
“No debate que envolveu este marco legal de combate ao crime organizado, não existiram heróis e vilões. Os lados políticos podem até fazer valer suas narrativas, mas nunca podemos esquecer que o verdadeiro vilão é o crime organizado. E o herói é o povo brasileiro que sobrevive todos os dias com um crime cada vez mais organizado. Hoje, nesta data, a Câmara dos Deputados faz história. Entregamos uma resposta dura contra os criminosos. Não é uma vitória de A ou B, é uma vitória do Brasil. Avançamos ampliando as penas que podem chegar a 60 anos”, finalizou, dando por encerrada a sessão no plenário.
Logo após logo após a aprovação do PL, Derrite falou para a imprensa: “Absolutamente mentirosa que foi espalhada por algumas lideranças políticas de que este projeto retiraria poderes da Polícia Federal. Uma distorção da realidade friamente calculada, criada para tentar enfraquecer o trabalho que vinha sendo feito de forma técnica e com diálogo. Afirmo expressamente, que o texto mantém integralmente a competência investigativa da Polícia Federal, e ainda fortalece mecanismos de investigação”.
Sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública, Derrite garantiu que o dinheiro do crime tem que financiar a derrota do crime. “E quem disser o contrário, está distorcendo o texto de propósito, está fazendo política em cima de um tema que deveria ser de Estado e não de partidos políticos”, disse o relator do texto. Ele afirma que, apesar de ter se colocado à disposição para construir consensos, não recebeu qualquer contato da Secretaria de Relações Institucionais, do Ministério da Justiça, do líder do governo na Câmara ou da Presidência da República durante a tramitação da proposta.
O deputado sustenta que buscou conversas com todos os atores envolvidos, mas que o Executivo preferiu transformar o debate em disputa política, adotando ataques, distorções e “narrativas falsas” em vez de enfrentar um problema considerado urgente para o país. Segundo ele, o governo priorizou gestos para redes sociais, e não soluções concretas para a população submetida à violência cotidiana de facções criminosas.
Ao destacar a relevância da segurança pública na agenda nacional, o parlamentar atribuiu os resultados recentes de São Paulo à confiança do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele lembrou que, embora contestado à época da nomeação, o então deputado assumiu a maior secretaria do setor no país e hoje apresenta índices expressivos, como a maior redução de roubos da história paulista.
Ainda na noite de ontem, o deputado Lindbergh Farias (PT) classificou a votação como ‘bagunça legislativa” e afirmou que a Operação Carbono Oculto desencadeou pressões políticas e empresariais após a prisão do banqueiro Daniel Vorcaro, abrindo uma disputa direta sobre os rumos da segurança pública e das investigações federais. Segundo ele, a ação expôs conexões financeiras em diversos estados e provocou reação de grupos interessados em limitar o avanço das apurações.
Lindbergh declarou que a operação ainda deve revelar novos elos políticos, citando como exemplo a movimentação de R$ 2,6 bilhões do fundo de previdência do Rio de Janeiro para o Banco Master. O deputado argumenta que o projeto enviado pelo governo ao Congresso para enfrentar o crime organizado foi deturpado por parlamentares que tentaram transformá-lo em uma blindagem para setores econômicos e figuras da política.
Segundo o parlamentar, não fosse a resistência de parte do Congresso e o engajamento da sociedade civil, teria avançado a proposta de subordinar a Polícia Federal aos governadores – medida que, em sua visão, quebraria o pacto federativo e fragilizaria o enfrentamento às facções criminosas. Ele afirma ainda que, apesar do recuo, os ataques à PF persistiram, incluindo um corte superior a R$ 300 milhões no orçamento da corporação.
Lindbergh criticou também a condução das negociações da PEC da Segurança. Ele apontou que o relator da proposta se recusou a participar de uma reunião marcada pelo presidente Lula com os ministros Ricardo Lewandowski e Gleisi Hoffmann. Para o deputado, a postura reforça a falta de disposição para debater o texto com transparência.
O congressista disse ainda que novas irregularidades surgiram na versão mais recente da proposta, divulgada na noite anterior, destacando um dispositivo – o artigo 9º, parágrafo 3º – que, segundo ele, tornaria praticamente inviável o bloqueio de bens de investigados ao criar barreiras burocráticas. “A gente vai lutar com todas as nossas forças para no Senado Federal reaver aquele texto original. E nós temos confiança no relator, o senador Alessandro, que é alguém muito equilibrado, é alguém muito ponderado”, afirmou o líder do PT.
Na manhã desta quarta-feira (19) o relator do PL Antifacção no Senado Federal, Assessando Vieira (MDB-SE) destacou a necessidade de ajustes técnicos no projeto e afirmou que deve chamar uma audiência pública sobre o PL já para a semana que vem. “O tocante de financiamento é simplesmente seguir a premissa, não pode tirar 1 centavo. A polícia precisa de mais dinheiro. Ontem, na diretiva da Comissão Parlamentar de Inquérito, que está tratando de ações criminalizadas, o diretor-geral da PF apontou que para poder ter uma resposta efetiva nas fronteiras, imediata. Ele precisa de um investimento marcado em 200 milhões de reais. Então, eu não posso tirar nem 1 centavo da Polícia Federal, e eu preciso garantir que a gente tenha cada vez mais recursos para a segurança pública em todos os meios”, disse o relator no Senado, confirmando a importância de não reduzir verbas destinadas à segurança pública.