Se Congresso derrubar veto de Lula à dosimetria, mensagem à sociedade será de impunidade
Ao prometer vetar texto que reduz penas dos condenados pelo 8 de Janeiro, presidente transfere ao Legislativo o custo político de insistir na proposta
Bruno Goulart
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que vetará o chamado PL da Dosimetria, aprovado na semana passada pelo Senado por 48 votos a 25. A proposta altera critérios de aplicação de pena e, na prática, pode reduzir condenações por crimes ligados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o que inclui a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao anunciar o veto com tranquilidade, Lula sinalizou que “esse é o jogo”, frase que, segundo análise do jornalista Elio Gaspari, sugere confiança de que o Congresso não reunirá votos para derrubá-lo.
Nesse contexto, o Planalto tenta encerrar o capítulo sem assumir o ônus político de um texto que não nasceu no Executivo, mas que atravessou o Legislativo até chegar às mãos do presidente. O desgaste, contudo, já existe: o simples fato de o projeto ter avançado até o governo Lula recolocou no centro do debate a hipótese de flexibilização das punições impostas a quem atentou contra o Estado Democrático de Direito.
Além disso, a controvérsia ganhou peso concreto ao tocar no caso de Jair Bolsonaro. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses de prisão por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e crimes contra o patrimônio público, o ex-presidente poderia ver reduzido o tempo de cumprimento em regime fechado. Cálculos apontam queda de um intervalo atual de 6 a 8 anos para algo entre 2 anos e 4 meses e 4 anos e 2 meses, conforme a interpretação.
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Por outro lado, a reação da sociedade não indica consenso favorável. Pesquisa Quaest divulgada na última semana mostra que 47% dos brasileiros desaprovam o PL; apenas 24% são favoráveis, enquanto 19% defendem penas ainda menores. O dado reforça a leitura de que o texto não dialoga com a maioria e amplia o custo político para parlamentares que insistirem em levá-lo adiante.
Congresso benevolente com dosimetria
Na avaliação de especialistas, o projeto expõe uma contradição histórica do Congresso. Para o advogado criminalista Guilherme Furniel, o PL representa uma “benevolência legislativa de ocasião”. “O Congresso sempre endureceu o sistema penal, criando mais crimes e mais penas, sem estudo sério dos efeitos. Agora, muda a lógica para beneficiar um grupo específico”, afirmou à BBC Brasil. A crítica aponta que a proposta não nasce de uma revisão estrutural do sistema carcerário, mas de um ajuste pontual com destinatários claros.
Diante disso, o foco se desloca para o próximo passo: o veto presidencial. Para ser derrubado, são necessários 41 votos no Senado. Se o veto for mantido, Lula consolida a narrativa de defesa institucional e empurra o desgaste de volta ao Parlamento. Se cair, o recado à população será inequívoco: mesmo após condenações e ampla rejeição social, uma maioria congressual optou por aliviar penas associadas a uma tentativa de ruptura democrática.
Nesse cenário, emerge também um debate sensível, levantado por Elio Gaspari: o destino de Bolsonaro caso o veto seja mantido. Sem mudanças na lei, a progressão de regime só ocorreria em 2033, quando o ex-presidente terá 78 anos. O articulista lembra o histórico de saúde do condenado e provoca: interessa ao País que um ex-chefe de Estado morra preso? A pergunta não absolve crimes, mas tensiona o equilíbrio entre rigor da Justiça, estabilidade política e memória institucional. (Especial para O HOJE)