Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar indulto de Temer
Magistrados deverão decidir se o instrumento, emitido pelo presidente em 2017, beneficia crimes de colarinho branco
Raphael Bezerra*
O Supremo Tribunal Federal deve decidir nesta quarta-feira (28) se o indulto de natal emitido em 2017 pode beneficiar condenados pelos chamados crimes de colarinho branco, entre eles corrupção, lavagem de dinheiro, peculato e associação criminosa. O jurista Nabor Bulhões acredita que o decreto é legal e serve para a quebra do superlotamento do sistema carcerário.
O jurista afirma no parecer que o ato presidencial estabeleceu regras gerais, impessoais e proporcionais, com critérios mais rígidos para os condenados por crimes graves ou praticados em reincidência e critérios mais brandos para os condenados por crimes sem grave ameaça ou violência contra a pessoa.Ao editar o decreto em 2017, o presidente Michel Temer (MDB) modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados. A medida gerou críticas da Transparência Internacional e da força-tarefa da operação “lava jato”.
O plenário do STF deve julgar a ação direta de inconstitucionalidade 5874, da Procuradoria-Geral da República, que questiona os termos do decreto de indulto de Natal concedido a presos pelo presidente Michel Temer em 2017. Uma das discussões do julgamento é se a edição do decreto é um ato discricionário do presidente da República ou se cabe intervenção do Judiciário. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, diz que um dos pontos centrais é o veto ao perdão para condenados que já cumpriram 1/5 da pena por crimes do colarinho branco. A pressão é para que os ministros revejam o entendimento e permitam que Temer repita o decreto esse ano e que no futuro o enquadramento seja mais flexível.
Ao eliminar o benefício a esses presos, Barroso criticou o abrandamento do indulto. “O perdão dos crimes contra a Administração Pública torna claramente insuficiente a proteção da moralidade e da probidade administrativa (art. 37 da Constituição). Com efeito, esses valores fundamentais se mostram evidentemente desprotegidos se os responsáveis pelo desvio de bilhões de reais de estatais e órgãos públicos, independentemente do tempo de prisão a que foram condenados, forem perdoados após o cumprimento de apenas 1/5 da pena”.
Segundo o ministro “carece de legitimidade corrente um ato do poder público que estabelece regras que favorecem a concessão de indulto para criminosos do colarinho branco. Isso porque, ao invés de corresponder à vontade manifestada pelos cidadãos, o decreto reforça a cultura ancestral de leniência e impunidade que, a duras penas, a sociedade brasileira tenta superar. Em manifesta falta de sintonia com o sentimento social – e, portanto, sem substrato de legitimidade democrática – o decreto faz claramente o contrário: dá um passe livre para corruptos em geral”.
Quanto à manutenção dos crimes do colarinho branco (concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, os praticados contra o sistema financeiro nacional, os previstos na Lei de Licitações, os crimes de lavagem de dinheiro, entre outros) fora da incidência do decreto, o ministro destaca que o elastecimento imotivado do indulto para abranger essas hipóteses viola o princípio da moralidade e descumpre os deveres de proteção do Estado a valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima do sistema penal. “O excesso de leniência em casos que envolvem corrupção privou o direito penal no Brasil de uma de suas principais funções, que é a de prevenção geral. O baixo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada desses delitos”, ressalta Barroso.
Após a decisão de Barroso, os ministros Carlos Marun (Secretaria Geral) e Torquato Jardim (Justiça) reagiram e disseram que a liminar tinha equívocos. Torquato fez uma dura crítica ao ministro. “Se inconstitucional a opção, suspende-se. Se é interpretável que o faça conforme a Constituição, porém, não cabe legislar em substituição”, disse.
A questão do indulto se arrasta desde o fim do ano passado. Ao STF, Raquel Dodge, sustentoua procuradora-geral da República que o decreto de Temer teria extrapolado os limites da política criminal, favorecendo a impunidade. Além disso, teria “dispensando do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros correlatos”.
A então presidente do STF, Cármen Lúcia, concedeu liminar e suspendeu o benefício. Em março, o Barroso, relator do caso, decidiu liberar alguns pontos do decreto e ainda estabeleceu alguns critérios para aplicação das regras. (*Especial para O Hoje)