Colheita impulsiona queda no preço do café, mas cenário externo ainda gera incertezas
Após 16 meses de alta, consumidores brasileiros começam a sentir alívio nas prateleiras
Depois de um longo período de aumentos consecutivos, o preço do café no Brasil finalmente começou a cair. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) apontam que, entre 16 de junho e 15 de julho, o valor médio do produto nos supermercados recuou 0,18%. A redução, embora modesta, representa o primeiro sinal de alívio após 16 meses de inflação no segmento e já provoca expectativa de continuidade da queda nos próximos meses.
O principal fator por trás dessa mudança é o avanço da colheita nas lavouras brasileiras, especialmente no período de junho a julho, quando ocorre o pico da produção nacional. A colheita teve início em março e deve se estender até setembro, com impacto direto no aumento da oferta e, consequentemente, na pressão por preços mais baixos no varejo.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), o café acumulou alta de 86,5% nos supermercados entre julho de 2023 e julho de 2024. Agora, a tendência é de desaceleração. A edição mais recente do relatório Visão Agro, do Itaú BBA, reforça essa perspectiva, destacando que o crescimento da oferta de café robusta, usado principalmente em blends e produtos solúveis, deve ser o principal vetor de recuo nos preços ao consumidor.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) projeta que a safra brasileira de 2025/26 alcance 64,9 milhões de sacas, sendo 40,9 milhões de arábica e 24 milhões de robusta. Embora a produção de arábica deva recuar 6,4%, a robusta deve crescer 14,8% em relação ao ciclo anterior, ampliando a disponibilidade do produto e reduzindo a disputa entre exportadores, torrefações e a indústria de café solúvel.
Apesar do cenário interno mais favorável, o setor cafeeiro brasileiro monitora com cautela os impactos de fatores externos. No início de julho, o governo dos Estados Unidos, maior comprador de café brasileiro, anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre a importação do produto. Os EUA respondem por cerca de 16% das exportações do setor e consomem 25 milhões de sacas por ano, com predominância do café arábica.
A medida pode afetar as vendas brasileiras e obrigar o País a buscar novos mercados para escoar sua produção. De acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), países como Austrália, China, Índia e Indonésia, que já compram café brasileiro com regularidade, podem compensar parcialmente a eventual perda de mercado norte-americano. Ainda assim, o efeito das tarifas dependerá da reação dos importadores e da dinâmica global de preços.
Outro fator de alerta é a nova legislação anti desmatamento da União Europeia, conhecida como EUDR, que deve entrar em vigor em breve. A regra exige rastreabilidade da origem dos produtos agrícolas e pode afetar a logística e os custos de exportação para o bloco europeu — outro grande mercado para o café nacional. Em 2024, essa legislação já provocou antecipações de compras, numa tentativa de evitar entraves futuros.
A volatilidade cambial também pesa na equação. Embora os preços internacionais estejam em queda, uma desvalorização do real frente ao dólar pode neutralizar os efeitos positivos para empresas que operam com custos dolarizados ou têm dívidas em moeda estrangeira.
No mercado interno, o consumo ainda reage lentamente. Apesar do recuo recente nos preços, os valores seguem elevados em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo o IPCA, o café moído acumulou alta de 77,88% em 12 meses até junho. Em maio, o aumento foi de 4,59%. Já em junho, desacelerou para 0,56%.
Esse histórico de preços altos provocou uma mudança no comportamento do consumidor brasileiro, que passou a optar por marcas mais baratas e blends com maior proporção de robusta. Especialistas avaliam que essa tendência pode se manter mesmo com a queda gradual dos preços, dado o impacto prolongado da inflação sobre o poder de compra das famílias.
A expectativa do setor é de que o segundo semestre traga um cenário mais estável, com maior oferta e preços mais acessíveis ao consumidor. No entanto, o comportamento do mercado dependerá da interação entre múltiplas variáveis: a evolução da colheita, a política internacional, o câmbio e a resposta do consumidor à nova realidade de preços.