“Importações” de criptomoedas pioram contas externas neste ano

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de junho de 2024

A troca da propriedade de cripoativos de estrangeiros para pessoas residentes no País, operação classificada como “importação” de bens pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e adotada pelo Banco Central (BC), experimentou um salto de 120,2% no acumulado ao longo dos primeiros quatro meses deste ano em relação a igual período do ano passado. Esse tipo de negócio consumiu US$ 6,420 bilhões entre janeiro e abril deste ano, o que se compara com US$ 2,915 bilhões nos mesmos quatro meses do ano passado, num gasto adicional para o País de US$ 3,505 bilhões, o que afetou negativamente o resultado da conta de transações correntes no quadrimestre.

Antes de entrar em considerações mais detalhadas sobre o desempenho dessa conta, vale um destaque a parte nas estatísticas apresentadas pelo BC recentemente. Enquanto a grande mídia corporativa dispendia esforços para “demonstrar” uma fuga de dólares das Bolsas como consequência de suposto excesso de intervenção do Estado em sua principal empresa e do cenário fiscal, torpedeado pelo catastrofismo usual, os números oficiais mostram uma retomada do investimento estrangeiro no País, com alta acumulada de 12,9% no primeiro quadrimestre, resultado da entrada de US$ 27,211 bilhões para financiar a expansão e consolidação de negócios aqui dentro, diante de US$ 24,103 bilhões no mesmo intervalo de 2023.

Em 12 meses, o fluxo de investimento diretos no País aumentou 11,6%, atingindo quase US$ 67,338 bilhões, em torno de US$ 6,977 bilhões a mais do que os valores acumulados em 12 meses até outubro do ano passado, quando o investimento havia somado US$ 60,360 bilhões. Os valores investidos diretamente na economia, além de desmontarem a retórica de certo tipo de oposição, foram 90,9% maiores do que o déficit acumulado em transações correntes, que se aproximou de US$ 35,271 bilhões nos 12 meses encerrados em abril deste ano.

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Efeitos da especulação

Embora as operações com moedas e ativos virtuais não gerem um único parafuso, com efeito quase nulo sobre o lado real da economia, e tenha respondido por pouco mais de 7,0% do valor total importado pelo Brasil, o acréscimo nas compras de criptoativos gerados lá fora foi responsável por 60,72% do avanço das importações consideradas pelo BC ao aferir o desempenho das transações correntes dentro do balanço de pagamentos,. Para comparação, as importações totais lançadas na conta de transações correntes, que resume das relações do País com o resto do mundo, avançaram de US$ 85,702 bilhões para US$ 91,474 bilhões, em alta de 6,73% e acréscimo de US$ 5,772 bilhões. As compras externas incluídas na balança comercial, como tradicionalmente divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), apresentaram incremento de apenas 2,16%, saindo de US$ 79,399 bilhões para US$ 81,114 bilhões, quer dizer, em torno de 11,3% a menos do que os valores considerados pelo BC ao calcular os resultados das contas externas em seu conceito mais amplo. Ainda na contabilidade do Mdic, as exportações brasileiras apresentaram variação de 5,72%, saindo de US$ 102,961 bilhões para US$ 108,849 bilhões. No cálculo do BC, que contempla outros ajustes, as exportações evoluíram de US$ 105,488 bilhões para US$ 110,434 bilhões, anotando incremento de 4,70% no período analisado.

Balanço

  • Como resultado, há diferenças relevantes no saldo comercial conforme o critério adotado. Na metodologia do Mdic, o superávit comercial cresceu 17,71% na comparação entre o primeiro quadrimestre deste ano e idêntico intervalo de 2023, avançando de US$ 23,562 bilhões para US$ 27,735 bilhões (US$ 4,173 bilhões a mais). Mas no balanço do BC, com os devidos ajustes recomendados por institutos internacionais, o saldo registrado neste ano, até abril, foi 31,64% mais baixo, girando ao redor de US$ 18,960 bilhões, num recuo de 4,17% frente ao saldo de US$ 19,786 bilhões realizado nos quatro meses iniciais de 2023.
  • A queda no superávit anotado pela balança de bens (exportações menos importações), como parte do balanço de pagamentos do País com o resto do globo, pode ser explicada em grande medida pelo vigoroso aumento no déficit entre operações de compra e venda de criptoativos. Se consideradas as estatísticas do Mdic para a balança comercial, num ensaio apenas teórico, o déficit em transações correntes teria experimentado recuo de 6,1% no primeiro quadrimestre, recuando de US$ 9,091 bilhões para US$ 8,835 bilhões.
  • Os dados efetivamente registrados pelo BC, ao contrário, apontam alta de 34,53% para o déficit na conta de transações correntes, que saiu de US$ 12,867 bilhões para US$ 17,310 bilhões (numa elevação de US$ 4,443 bilhões). Parte menor dessa piora veio da balança comercial ajustada e uma parcela maior pode ser explicada pelo aumento de 36,3% nas despesas líquidas em dólares (descontadas as receitas) acumuladas pelo setor de serviços.
  • O déficit na conta de serviços, portanto, variou de US$ 10,769 bilhões para US$ 14,677 bilhões, num acréscimo absoluto de US$ 3,908 bilhões, o que explica praticamente 88% do crescimento do déficit em transações correntes. O “culpado” usualmente apontado pela imprensa dita especializada não foram as despesas com viagens internacionais. O déficit entre receitas e despesas naquela área caiu 19,61%, de US$ 2,310 bilhões para US$ 1,857 bilhão.
  • Quatro categorias de serviços, em graus diferentes, foram responsáveis por quase 81% do aumento no déficit. A principal contribuição negativa veio dos serviços de propriedade intelectual, segmento que passou a anotar déficit de US$ 2,809 bilhões, em alta de 7,8% em relação à remessa líquida de dólares na faixa de US$ 1,352 bilhão ocorrida nos quatro meses iniciais do ano passado.
  • As remessas líquidas de dólares para fora do Brasil registradas no setor de telecomunicações, computação e informações saltaram 48,8% na mesma comparação, elevadas de US$ 1,750 bilhão para US$ 2,604 bilhões. O País gastou liquidamente (descontadas as receitas na mesma área) perto de US$ 3,428 bilhões com o aluguel de equipamentos entre janeiro e abril deste ano, pouco mais de 20,7% acima do déficit de US$ 2,848 bilhões em 2023, igualmente até abril. O pagamento por serviços culturais, pessoais e recreativos (incluindo serviços audiovisuais e nas áreas de educação e saúde) cresceu de US$ 546,0 milhões para US$ 809,0 milhões, num avanço de 48,2%.