Memória Goianiense: o estado de conservação de edifícios tombados pelo Iphan

Especialistas ressaltam a importância do acervo arquitetônico de Goiânia para a preservação da cultura e história

Postado em: 18-04-2023 às 08h39
Por: Everton Antunes
Imagem Ilustrando a Notícia: Memória Goianiense: o estado de conservação de edifícios tombados pelo Iphan
Secult destaca que estão sendo investidos R$33 milhões em restaurações de unidades tombadas | Foto: Everton Antunes/ O Hoje

O Palácio das Esmeraldas, a Torre do Relógio, o Coreto da Praça Cívica e o Teatro Goiânia: esses são alguns exemplos de edifícios e monumentos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no município. Os traçados arquitetônicos que, à época, denotavam modernidade, hoje, encontram-se, segundo especialistas, marcados pelo tempo, diante da omissão do Poder Público.

Fernando Mello, docente de arquitetura e urbanismo na Universidade Federal de Goiás (UFG), aponta: “toda cidade tem histórias geradas por fatos que aconteceram em edificações que cruzam o tempo. São os nossos patrimônios que contam um pouco da nossa existência”. Para ele, o acervo arquitetônico da capital perpassa a memória e cultura goianiense. 

Diante desse cenário, o professor da UFG trata sobre o estado de conservação e medidas empreendidas pelo Governo de Goiás e a Prefeitura, de modo a preservar o patrimônio de Goiânia. Além disso, Mello aponta possíveis soluções para o convívio entre a modernidade e a tradição e denuncia os impasses gerados pela divergência de interesses entre o público e o privado na gestão do patrimônio. 

Continua após a publicidade

Art Déco

O Art Déco é um estilo artístico que permeou ideias e práticas não somente na arte, de maneira geral, mas também na arquitetura e urbanismo, principalmente no início do século XX. Essa tendência foi consagrada como “linguagem moderna” na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, em Paris, no ano de 1925.

No Brasil, o estilo chegou por volta dos anos 30 e 40, como símbolo de modernidade relacionado à nova era industrial. “Em certa medida, foi esse discurso novidadeiro e progressista que norteou a construção de Goiânia e a transferência da capital da Cidade de Goiás para uma nova sede, projetada por Attilio Corrêa Lima e por Armando Augusto de Godoy”, explica Mello. 

Dessa forma, sustenta o professor, “a escolha do Déco como linguagem para arquitetura oficial na criação de Goiânia, de maneira resumida, materializa o ideal de modernidade e de progresso que percorria o mundo”. Ele ainda afirma que a “importância” do acervo arquitetônico e urbanístico goianiense é evidenciado pelo fato de que o município foi a segunda capital projetada e construída no país, depois de Belo Horizonte (MG). 

De acordo com o Iphan, o conjunto urbano de Goiânia conta com 22 edifícios e monumentos, cuja maioria concentra-se no Setor Central. Fazem parte desse grupo, além dos locais anteriormente mencionados, no conjunto da praça cívica, as fontes luminosas e obeliscos com luminárias, o edifício da Procuradoria Geral do Estado, o Museu Pedro Ludovico Teixeira, a atual sede do Iphan/GO, o prédio da Subsecretaria Estadual de Cultura, o Museu Zoroastro Artiaga, o Centro Cultural Marieta Telles Machado e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO). 

Na lista de bens isolados – da qual o Teatro Goiânia também faz parte –, figuram o Lyceu de Goiânia, o Grande Hotel, a Escola Técnica, a Estação Ferroviária, o trampolim e a mureta do Lago das Rosas. Já no Núcleo Pioneiro de Campinas, está o Palace Hotel – que abriga a Biblioteca Municipal Cora Coralina – e a Subprefeitura e Fórum de Campinas.  

Impasses 

Ao questionar o Iphan sobre as principais irregularidades encontradas no acervo urbanístico de Goiânia, foram citadas as “manchas de umidade e infiltração, o bolor, desprendimento do reboco, pichações, fissuras e trincas”, além de outros sinais de deterioração das estruturas. “O principal desafio é a falta de conscientização da população em relação ao patrimônio histórico goianiense, além da falta de manutenção adequada dos bens”, conclui o instituto. 

Na visão do especialista, a gestão de edifícios tombados pelo Poder Público envolve três instâncias de poder – federal, estadual e municipal –, o que “gera descompassos e complexifica as políticas que incidem sobre a condição dos bens tombados”. Ele ainda estabelece que esses patrimônios precisam ser considerados conjuntamente, como “bairros históricos”.

Nesse sentido, “não se fala aqui em congelar essas regiões, mas em se ter avaliações mais criteriosas sobre obras de grande impacto e a utilização de parâmetros que não induzam demolições e renovações contínuas”, distingue. O docente salienta que há uma “falta de planejamento geral”, que impacta a paisagem, seja por meio de demolições, seja por meio da inserção de edifícios que não consideram “o lugar e suas preexistências”. 

Ainda, Mello considera que as edificações sob posse de entes privados “foram um problema já na época do tombamento das obras e do traçado pelo Iphan”. Portanto, “esbarra-se, novamente, numa condição complexa que envolve interesses múltiplos”. 

Em nota, o Iphan declarou que a “restauração e preservação do bem é de responsabilidade do proprietário”. Por outro lado, o instituto destaca que o Museu Zoroastro Artiaga e o Colégio Lyceu “são de propriedade do Estado, o qual já foi notificado sobre o estado de conservação dos bens. Já o Grande Hotel é propriedade do INSS, o qual, também foi notificado sobre a conservação do bem”.

Em resposta, a Secretaria de Estado de Cultura (Secult) comunica que “estão sendo investidos R$33 milhões em restaurações de unidades tombadas que vão contemplar, entre várias obras, o Museu Zoroastro Artiaga e o Centro Cultural Marietta Telles”. Ademais, o Museu Pedro Ludovico passa por reparos desde janeiro e “também está prevista, para este ano, a pintura de todos os prédios da Praça Cívica, incluindo o Palácio das Esmeraldas”.

Já a Secretaria Municipal de Cultura (Secult) alega que é responsável pela manutenção dos prédios ocupados por polos culturais da pasta. Entre os edifícios, estão “a sede, no Parque Atheneu, Centro Cultural Casa de Vidro Antônio Poteiro, Biblioteca Marieta Telles Machado, Biblioteca Municipal Cora Coralina, Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, Museu Frei Confaloni, Museu de Arte de Goiânia e o Centro Municipal de Cultura Grande Hotel”.

Por fim a pasta municipal, afirmou que a prefeitura investe cerca de R$1 milhão por ano no cuidado destes locais e que, atualmente, a estrutura do Museu de Arte de Goiânia e a Biblioteca Cora Coralina – após questionamentos deste jornal – passam por manutenção geral. “O próximo prédio será o Grande Hotel, quando o processo estiver em conformidade com as partes”, anunciou a Secult. 

Alternativas 

O professor de arquitetura e urbanismo da UFG enxerga como recurso o “planejamento em conjunto para conservação das obras”, isto é, de modo a conferir utilidade tanto dos espaços públicos quanto das edificações. Assim, “utilizando os edifícios tombados como âncoras, seria possível pensar num circuito” e garantir a ocupação desses locais.

No entanto, conforme Mello, é preciso conciliar os interesses da população, em detrimento do ponto de vista financeiro. “Muitas propostas de requalificação tendem a transformar lugares populares em “paraísos” remodelados, para receber lojas, restaurantes e hotéis destinados a um público de renda alta. Isso é uma séria questão a ser assumida em propostas de requalificação de centros urbanos, para evitar que, ao invés de atrair a população local, acabe a excluindo. 

O docente também argumenta que é preciso incluir o goianiense na gestão desses bens: “assim como na elaboração do Plano Diretor, a população deve ser envolvida nos processos de tombamentos e de elaboração das políticas patrimoniais”. Sobre o planejamento, ele acrescenta a importância de “estabelecer índices que limitem a especulação imobiliária nessas regiões”.

“A cidade precisa desses espaços bem cuidados para quem mora aqui e para quem vem visitá-la”. As experiências acerca da conservação do patrimônio cultural mostram como é possível a cidade se desenvolver mantendo suas partes históricas vivas e ligadas ao cotidiano urbano atual. É possível imaginar a Cidade de Goiás sem seu casario? E Pirenópolis? É o espaço produzido no passado que dá vida e movimenta tais cidades em vários aspectos. Por que não em Goiânia?”, arremata.

Veja Também