Goiás teve o maior aumento de casos de racismo no Brasil: 246,6%

De 2021 a 2022, o número mais que triplicou, passando de 51 a 179 registros

Postado em: 21-07-2023 às 08h48
Por: Larissa Oliveira
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Durante o mesmo período, os casos de injúria racial ampliaram de 576 para 865 | Foto: iStock

De acordo com o Anuário de Violência, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta quinta-feira (20), Goiás é o estado com maior crescimento de casos de racismo no Brasil. Em 2021, foram registrados 51 casos. Já em 2022, o número mais que triplicou, totalizando 179 registros. O aumento foi de 246,6%. Durante o mesmo período, os casos de injúria racial também ampliaram. Passando de 576 para 865, houve um crescimento de 48,3%. Além disso, os registros de racismo social, como homofobia e transfobia, saltaram de 24 para 64, um aumento de 163,4% entre um ano e outro.

A delegada Carolina Pereira Neves, do Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), explicou ao O Hoje que os crimes estão previstos na Lei nº 7.716/89. “O racismo ocorre quando o ofensor pretende discriminar toda a coletividade de indivíduos pertencentes a um grupo que compartilha a identidade em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional”, orientou. Segundo a especialista, o racismo é um crime mais amplo que está caracterizado por uma série de condutas discriminatórias.

“Como, por exemplo, o Art. 4º, III, que prevê proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário”, exemplificou. Conforme a delegada esclareceu, a injúria racial tem pena de reclusão de dois a cinco anos. “Consiste em ofender a dignidade ou decoro de alguém pela utilização de elementos relativos à raça, cor, etnia ou procedência nacional. Como exemplo, observamos as ofensas pelo uso de palavras depreciativas ligadas à raça e cor com o objetivo de insultar a honra da vítima”, afirmou Carolina Pereira Neves.

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Racismo

A diarista Juliana Martins Souza, de 26 anos, já ouviu muitas ofensas enquanto trabalhava como diarista. A jovem se esforçava para conseguir pagar as contas e estudar, mas era atacada pelos termos “macaca”, “cabelo de vassoura” e “preta nojenta”. Conforme contou ao O Hoje, atualmente ela é fisioterapeuta, mas mesmo assim ainda é desrespeitada enquanto exerce seu trabalho. Ela conta que já ouviu tantas palavras que a machucaram quando ainda era estudante, que hoje tem que lidar com esses traumas psicológicos.

“Ser observada pelas pessoas com olhar de pena, de desdém e de ‘nossa, essa menina é quem vai me atender’ é sempre um constrangimento. Os traumas psicológicos sempre vêm à tona ao ver atos de ataque contra pessoas pretas. Não há justificativas para ofensas a uma pessoa que não é aquilo que você acredita ser o correto, porque independentemente da cor da pele, o respeito deve ser primordial em tudo”, enfatiza a fisioterapeuta Juliana Martins.

Leila Monteiro do Nascimento, de 39 anos, contou ao O Hoje que já teve que ir até o colégio de seu filho após ele ser ofendido por colegas. “Felipe chegou em casa e me contou que os colegas falavam que o cabelo dele era de coco de passarinho. E o ápice foi quando dois colegas tomaram alguns utensílios do material dele e falaram que o lugar dele era no zoológico. Eu procurei a escola e tomei as providências. É triste ver que a sociedade já cresce com preconceito e ofensas raciais”, argumentou a mãe do menino de 9 anos. 

Intolerância

Segundo Deyvid Morais, doutor em sociologia, tanto o racismo como a injúria racial são crimes de intolerância. “Infelizmente, ainda estamos em um cenário de tendência desses casos. Primeiro é importante salientarmos que o racismo no Brasil é estrutural, o que significa que quando um caso de injúria racial é cometido, infelizmente já falhamos em uma série de passos da luta antirracista na sociedade”, destacou o professor, que leciona na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Conforme o docente informou ao O Hoje, frequentemente há um descaso das autoridades e impunidade. “Isso faz com que muitas vítimas desistam de formalizar as denúncias. Isso agrava ainda mais os dados divulgados sobre Goiás, pois devemos considerar uma possível subnotificação existente. Os números espelham a dificuldade em relação às campanhas e políticas públicas no país, especialmente em termos de continuidade”, afirmou Deyvid Morais.

O professor apontou que, nos últimos anos, várias ações por parte do poder público foram extintas ou não priorizadas. “O que acarreta uma desmobilização do debate na sociedade e permite, indiretamente, a tolerância institucional à violência racial. Por isso, para reverter esse quadro a médio e longo prazo, é necessário urgentemente retomar e ampliar essas políticas tanto em nível municipal, quanto estadual e nacional”, argumenta o doutor em sociologia. 

Denuncie

Goiás é um dos dez estados brasileiros que possui uma delegacia dedicada ao combate dos crimes de intolerância. Trata-se do Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), comandado pelo delegado Joaquim Filho Adorno Santos. “A atuação do Geacri é com foco no acolhimento da vítima, mostrá-la que ela não está só e, em seguida, a repressão do crime”, afirma o delegado. Segundo ele, mensalmente a polícia percebe um acréscimo no número de denúncias. 

De acordo com a delegada Carolina Pereira Neves, o aumento nas denúncias de casos de racismo está relacionado à difusão de conhecimento sobre o assunto e empoderamento da comunidade. “Observamos que a população vem tomando consciência sobre as mazelas históricas e sociais geradas pelo racismo estrutural e, consequentemente, reivindicando direitos. É importante lembrar que a conscientização efetiva da sociedade depende que todos assumam práticas antirracistas”, afirmou a delegada. 

Conforme a especialista explicou ao O Hoje, o Geacri é o Grupo de atendimento a vítimas de delitos raciais e crimes de intolerância, que atua principalmente no combate ao racismo, intolerância religiosa, xenofobia e LGBTFobia. “As denúncias podem ser feitas pelo número 197 ou em qualquer delegacia. As vítimas podem procurar o grupo presencialmente das 08h às 18h, e em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone funcional (62) 98495-2047. O Geacri está localizado na Praça do Violeiro, no Setor Urias Magalhães, em Goiânia, e recebe vítimas de todo o estado”, informou a delegada Carolina Pereira Neves.

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