Goianienses relatam falta de respeito diário com pedestres na capital

Reportagem percorreu vias em que pedestres quase não conseguem passagem, mesmo ante às faixas, em Goiânia

Postado em: 04-11-2023 às 08h00
Por: João Victor Reynol de Andrade
Imagem Ilustrando a Notícia: Goianienses relatam falta de respeito diário com pedestres na capital
Pedestre fica “encurralada” ao tentar passar para o outro lado da rua | Foto: Leandro Braz

Há quem diga que as ruas e avenidas de Goiânia são as veias e artérias de concreto da cidade. Mas, e se elas também fossem manchadas de vermelho? Essa é a linha tênue que muitos goianos enfrentam ao andar pelas vias, entre a vida e a morte. Seus destinos são controlados por estranhos condutores, sejam em carros, motos, caminhões e ônibus que percorrem as “veias” da capital.  

Para se ter uma noção, a Delegacia Especializada em Investigação de Crimes de Trânsito (Dict) publicou um balanço de 2023 mostrando um aumento de mortes e acidentes de trânsito neste ano comparado com 2022. Segundo o órgão, os números de atropelamentos da capital de janeiro a maio correspondiam a pouco menos da metade do ano inteiro de 2022, no total foram 24 acidentes nos primeiros cinco meses contra 35 no ano passado inteiro.

Ou seja, “andar nas ruas da capital é estar em constante risco diário de acidente”, é isto que a vendedora Grasielly Silva da loja Nana Pijama na região 44 nos conta. “Ninguém respeita ninguém, motoristas não respeitam pedestre, não respeitam família, não respeitam idoso. [Acontece] todo dia, lojistas e pedestres ninguém [para dar passagem]”. Para uma região considerada pelo turismo comercial um relato como este é de se levantar certas dúvidas. 

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Um caso grave ainda recente ocorreu em agosto deste ano, quando uma jovem de 23 anos foi internada após sofrer um atropelamento ao atravessar uma faixa de pedestre sem semáforo na Avenida Feira de Santana no Parque Amazônia. Testemunhas contaram que uma condutora estava no celular e em alta velocidade. Além destes deste crime, ela não parou na faixa e pegou a moça de frente, deixando ela com um traumatismo craniano grave com outras fraturas por volta do corpo.

Uma situação como esta com variações nos lugares e nos acidentes pode ocorrer entre as várias ruas da cidade. Para isso é necessário uma boa fiscalização e punição para condutores que não respeitam a vida alheia.

Como exemplo, a avenida Contorno que fica paralelo à 44 e no meio da teia comercial da região possui uma destas faixas de pedestres sem sinaleiros. A equipe de reportagem percorreu pelas cacofonias do comércio, e foi possível flagrar tanto vendedores como consumidores tendo dificuldade para cruzar as vias. Os carros passavam enquanto pedestres estavam no meio da faixa, e às vezes quase acertando as pessoas. 

Esta situação não é exclusiva de consumidores na 44, um outro lojista Paulo Ricardo Diaz conta que já quase sofreu um acidente pela falta de respeito. “Já aconteceu comigo, fui atravessar e dei sinal só que o cara não parou, então tem que andar bastante atento”. Também foi possível descobrir que outras regiões movimentadas também sofrem. “Aqui tem muito [pela concentração de pessoas] mas tem também muitos acidentes principalmente em Campinas.” 

Esta queixa, contudo, não é algo novo de se ouvir. Conversamos com Marcos Rothen, Engenheiro de Transportes e professor do IFG nos deu uma resposta clara para o porquê desta banalização de burlar a lei. “Falta de educação e de empatia. A legislação é bem clara, onde a faixa de prioridade é do pedestre. Mas muitos motoristas e motociclistas acham que podem fazer o que quiserem sem respeitar o direito deles”.

Enquanto a equipe conversava e ouvia os relatos, ouvimos sons de derrapadas dos carros que estavam em alta velocidade, como se a presença de uma pessoa na faixa de pedestre fosse uma surpresa. Uma moça com o rosto assustado atravessou correndo a faixa, uma área que antes era designada como segura para andar. 

Tanto que, o seu uso e designação são feitos estrategicamente por engenheiros de trânsito. Marco explica como é a decisão. “A faixa, sem semáforo, deve ser instalada onde haja um volume de pedestres significativo, cerca de 100 por hora. A via deve ter movimento de carros, mas a velocidade permitida para os veículos não deve ser alta, o limite desejado é de 50 km/hora ou nas áreas de maior movimento 40 km/h. Onde a velocidade é superior a 50 km/ e houver necessidade da faixa ela deve ser acompanhada de um semáforo”, explica o especialista.

Os repórteres então seguiram para a Praça Universitária, que é cercada por universidades, unidades de saúde, residências e comércios. Na praça em si, a equipe conversou com um grupo de jovens sobre mobilidade de pedestres, o que antes era uma conversa amigável sobre a vida universitária e se voltou para a discórdia do trânsito da capital. 

Uma das jovens, Ana Julia, de 22 anos, estudante de psicologia, contou também passar por situações estressantes nas faixas de pedestres da praça universitária em que muitas não têm sinaleiros. “É muito complicado andar aqui. É diário porque a gente pega duas faixas de pedestres e os carros dificilmente param, até quando a gente tá no meio da faixa veem um carro em alta velocidade e a gente não sabe se ele vai parar ou não.”

Para que isso não seja mais a realidade em Goiânia, é necessário um incentivo e uma melhora na mobilidade como um todo, como explica Marcos. “Faz parte dessa educação uma fiscalização que multe os motoristas que não respeitam o direito dos pedestres. Campanhas publicitárias são importantes, mas já foi comprovado que sem a fiscalização e sem a punição, apenas um pequeno número de pessoas muda de comportamento”. 

Relatos como estes não são únicos na capital. Tanto, que a cidade ficou conhecida por uma população mal-educada em duas pesquisas de opinião neste ano, em janeiro e julho. Ambas relataram falta de respeito perante os outros, como dar passagem entre carros e pedestres.

Em comparação, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) do Governo Federal divulgou em outubro uma pesquisa de 2017 a 2019 em que Goiânia é uma das capitais menos acessíveis para oportunidade de trabalho devido ao trânsito caótico e a baixa qualidade de mobilidade urbana. Este dado é mais significativo para pessoas de baixa renda que necessitam de usar transporte público. A capital ficou em primeiro lugar em 2019 pelo transporte público, com 12 pontos na frente do que outros lugares como São Paulo e Belo Horizonte.

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