Segunda-feira, 08 de julho de 2024

Dia de Finados: como a pandemia abalou o processo de luto

Solidão e apoio social limitado agravam o sentimento da perda/ Foto: Reprodução

Postado em: 02-11-2020 às 18h12
Por: Douglas Rocha
Imagem Ilustrando a Notícia: Dia de Finados: como a pandemia abalou o processo de luto
Solidão e apoio social limitado agravam o sentimento da perda/ Foto: Reprodução

“É o meu lençol, é o cobertor / É o que me aquece sem me dar calor / Se eu não tenho o meu amor / Eu tenho a minha dor”. 

Os versos famosos de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, em De mais ninguém
(1994), bem que poderiam ajudar a traduzir o direito à dor e a todos os
processos que envolvem o luto, que ganha dimensão inédita para esta
geração por conta da pandemia da covid-19. Especialistas ouvidas pela
Agência Brasil explicam
que a emergência sanitária gerou diferentes consequências que ampliam
as perdas, como a impossibilidade dos ritos de despedida e de uma
retomada da vida como era antes.
 

“Precisam de um descanso / Precisam de um remanso / Precisam de um sono / Que os torne refeitos”. 

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Os
versos de Gonzaguinha são lembrados pela psicóloga e pesquisadora
Milena Câmara, que trabalha na cidade de Natal (RN). Ela é uma
das brasileiras que atuam no grupo de estudos
International Working Group on Death, Dying and Bereavement
(Grupo de Trabalho Internacional sobre Morte, o Morrer e o Luto) e
coordenou uma pesquisa sobre o impacto psicológico da morte para
trabalhadores de cemitérios. 
 

Milena
Câmara entende que o cenário atual significa um grande desafio
emocional e psíquico. “Em um contexto como o de agora, há um rompimento
com o cenário de antes. Todos precisamos de uma reestruturação desse
mundo presumido e gerar, aos poucos, uma nova forma de se relacionar com
a pessoa que morreu. A morte acaba com a forma, mas não acaba com o
amor”.
 

“É o meu lençol, é o cobertor / É o que me aquece sem me dar calor / Se eu não tenho o meu amor / Eu tenho a minha dor”. 

Os versos famosos de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, em De mais ninguém
(1994), bem que poderiam ajudar a traduzir o direito à dor e a todos os
processos que envolvem o luto, que ganha dimensão inédita para esta
geração por conta da pandemia da covid-19. Especialistas ouvidas pela
Agência Brasil
explicam que a emergência sanitária gerou diferentes consequências que
ampliam as perdas, como a impossibilidade dos ritos de despedida e de
uma retomada da vida como era antes.
 

“Precisam de um descanso / Precisam de um remanso / Precisam de um sono / Que os torne refeitos”. 

Os
versos de Gonzaguinha são lembrados pela psicóloga e pesquisadora
Milena Câmara, que trabalha na cidade de Natal (RN). Ela é uma
das brasileiras que atuam no grupo de estudos
International Working Group on Death, Dying and Bereavement
(Grupo de Trabalho Internacional sobre Morte, o Morrer e o Luto) e
coordenou uma pesquisa sobre o impacto psicológico da morte para
trabalhadores de cemitérios. 
 

Milena
Câmara entende que o cenário atual significa um grande desafio
emocional e psíquico. “Em um contexto como o de agora, há um rompimento
com o cenário de antes. Todos precisamos de uma reestruturação desse
mundo presumido e gerar, aos poucos, uma nova forma de se relacionar com
a pessoa que morreu. A morte acaba com a forma, mas não acaba com o
amor”.
 

Na obra “Sobre a morte e o morrer”, a psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross
formulou cinco fases do luto diante da observação da reação psíquica de
pacientes em estado terminal: negação, raiva, negociação, depressão e
aceitação. Conforme considera Elaine, essas fases podem ocorrer
simultaneamente. “Ao mesmo tempo que você nega, você tem raiva. E não
tem um tempo de duração preciso”.
 

A
pesquisadora Milena Câmara explica que o tempo não faz nada sozinho
para efeito de reequilíbrio. Os processos de luto desgastam e exigem da
gente. No meio do caminho, dor, raiva, medo, crenças afetadas… “Os
primeiros estudos de luto tratavam sobre possíveis fases que
atravessamos na perda. Hoje compreendemos que, na verdade, ocorre um
processo de oscilação permanente dos nossos sentidos em dias assim”,
avalia. 
 

O
sofrimento é parte constante da experiência humana e a dor não pode ser
marginalizada, na avaliação das entrevistadas. Essa oscilação entre dor
e restauração é um processo saudável que age pelo equilíbrio para os
momentos que todos nós passamos, explicam as pesquisadoras.
 

As
características das perdas durante a pandemia de covid-19 são mais
difíceis porque ocorrem em cenário de solidão e com apoio social
limitado. “Às vezes, não há como receber aquele abraço em que as
palavras são desnecessárias. Por isso, nesse caso, há vários fatos
complicadores de luto e podem gerar processo mais prolongado”, alerta
Milena Câmara. 
 

“Todos
fomos impactados pela pandemia. Costumo dizer que estamos todos em um
mesmo oceano, mas em barcos diferentes. As pessoas assimilam as dores de
formas diferentes e as consequências aparecem mesmo muito tempo depois.
Quem já tem algum transtorno fica mais vulnerável. Outras pessoas podem
desenvolver estresse pós-traumático. Por isso, é recomendável que se
procure profissionais da área de saúde, como psicólogos e psiquiatras”,
diz a neuropsicóloga brasiliense Juliana
Gebrim (saiba mais sobre apoio no processo de luto). 

“E no meio dessa confusão, alguém partiu sem se despedir” (Rubem Braga) 

Antes
mesmo da mudança dos ritos funerários com a pandemia, Elaine Alves
alerta que o Brasil já caminhava para uma espécie de “velório rápido”,
na tentativa de diminuir o tempo de sofrimento. Contudo, ela destaca que
a dor não desaparece porque não se fala mais sobre a pessoa. Ela
defende o máximo de tempo possível para o velório. “A orientação é usar o
máximo do tempo. No Brasil, a recomendação é o período máximo de 24
horas se o corpo permitir”. Devido ao novo cenário, Elaine sugere
adaptações nos ritos, como o uso de fotografias em corpos que não podem
ficar expostos, e da realização constante de videoconferência entre
familiares com a pessoa enlutada. “Mas nessas videoconferências deve-se
falar abertamente sobre o morto. A pessoa que morreu não
 

Nesta
segunda (2), as homenagens nos cemitérios brasileiros deverão obedecer
às legislações municipais e estaduais, o que inclui a obrigatoriedade do
uso de máscaras, alertas contra aglomerações e medição de temperatura
no acesso aos espaços públicos. Em São Paulo, maior cidade do país, por
exemplo, há 22 cemitérios, que funcionarão entre 7h às 18h. Haverá
disponibilização de álcool em gel. As autoridades de saúde reforçam a
necessidade de cuidado especial em todo o país, inclusive para o caso de
haver celebrações nos espaços. 
 

Por
outro lado, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
estimulou, durante a semana, uma campanha para se evitar aglomeração em
cemitérios. A proposta é que as pessoas plantem uma árvore como
homenagem ao ente falecido e também como forma de cuidar do meio
ambiente. Dentro da campanha, a entidade pede que as pessoas tirem uma
foto e publiquem no Instagram com a hashtag #CuidarDaSaudade. As imagens
vão para o site da
CNBB. (Agência Brasil)

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