Carandiru: 31 anos 0 condenados

O massacre do Carandiru aconteceu em 2 de outubro de 1992 e se deu após uma ação policial para conter uma rebelião de detentos na penitenciária.

Postado em: 02-10-2023 às 18h20
Por: Cecília Epifânio
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Carandiru: 31 anos 0 condenados | Foto: Massacre do Carandiru / Reprodução

“Amanheceu com sol, 2 de outubro. Tudo funcionando, limpeza, jumbo”. Você certamente já deve ter escutado esse refrão da música ‘Diário de um Detendo’, do Racionais MC’s. Os Millenials, nascidos entre 1981 e 1996, sabem o que aconteceu em em São Paulo no dia 2 de outubro de 1992. Mas e você, Geração Z, os nascidos entre 1997 e 2010 (a geração que faz parte quem escreve este texto), sabe o que aconteceu nesse dia, há 31 anos? Segue a leitura para descobrir um pouco sobre o Massacre do Carandiru.

O que foi o Massacre

Massacre do Carandiru é o nome conhecido por boa parte dos brasileiros para se referir ao massacre de prisioneiros da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, no dia 2 de outubro de 1992. O crime aconteceu durante uma rebelião de presos no Pavilhão 9, resultando em uma desastrosa ação da PM paulista, acusada de agir deliberadamente para matar os detentos. Ao todo, 111 detentos foram mortos.

Por qual motivo o Massacre do Carandiru aconteceu?

Os detalhes em si são bastante desencontrados, mas tudo começou após uma briga entre dois detentos. Ambos estavam alojados no Pavilhão 9, majoritariamente formado por réus primários, e a motivação da briga teria sido uma rivalidade envolvendo facções criminosas inimigas.

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Logo a briga se espalhou, resultando em uma rebelião generalizada, que ficou muito marcada pela destruição das celas e a queima de colchões por parte dos detentos. O Pavilhão 9 abrigava 2706 detentos e, no dia da rebelião, a Polícia Militar foi convocada para controlar a situação.

A PM enviou, ao todo, 341 policiais, que empunhavam armas de grosso calibre, bombas e cães (bastante violentos). Sobreviventes do Massacre relatam que os policiais abriram fogo contra os detentos utilizando fuzis e dois tipos de submetralhadoras. A truculenta ação resultou na morte de 111 detentos, colocando fim à rebelião no Carandiru. Além dos mortos, 110 detentos ficaram feridos.

Dos 111 mortos, 84 estavam aguardando julgamento para serem condenados ou inocentados pelos crimes que haviam cometido. Do lado dos policiais, não houve mortes. Essa ação policial é considerada, até hoje, a mais letal da polícia em penitenciárias. O responsável pela operação policial que interveio na rebelião foi o coronel Ubiratan Guimarães.

A intervenção na rebelião do Carandiru foi autorizada pelo então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Pedro Franco de Campos. A violência da ação policial chocou a sociedade e gerou críticas de instituições defensoras dos direitos humanos. As críticas foram direcionadas tanto ao governo do estado de São Paulo quanto à PM.

As consequências do Massacre

Além da morte dos 111 detentos, o massacre do Carandiru teve inúmeras consequências, começando pela demissão do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Pedro Franco. Michel Temer foi nomeado para ocupar seu lugar. A repercussão desse caso não foi apenas nacional, mas também afetou a imagem do Brasil internacionalmente.

O Brasil foi denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e a resposta do governo brasileiro foi a de dar garantias de que o massacre seria apurado e os responsáveis seriam culpabilizados pelos crimes cometidos. Entretanto, poucas ações efetivas foram tomadas pela Justiça, e os responsáveis pelo massacre não foram punidos pelo crime após três décadas.

O massacre também alterou a formação dos policiais militares e mudou o sistema prisional de São Paulo, aumentando a quantidade de presídios exponencialmente como forma de reduzir a lotação das penitenciárias existentes. Alguns analistas apontam que o massacre no Carandiru teria gerado uma reação do crime em São Paulo, causando uma espécie de profissionalização criminal que teria levado ao surgimento do Primeiro Comando da Capital, o PCC.

A repercussão do caso também contribuiu para que o Carandiru fosse desativado dez anos depois. Parte dos prédios que formavam a penitenciária foi demolida a partir de 2002.

O julgamento dos responsáveis pelo Massacre do Carandiru

Coronel Ubiratan Guimarães, responsável pelo comando da operação, foi julgado e condenado por júri popular, mas em 2006 teve sua sentença revertida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Uma perícia realizada demonstrou que a maioria dos mortos não estava fora de suas celas, o que demonstra uma ação policial com a intenção de matar.

Após a reversão da sua pena, o coronel foi assassinado em seu apartamento. O assassinato dele não teve relação com o massacre, mas aconteceu por motivo passional, sendo realizado pela namorada dele na época. Além disso, dezenas de policiais foram condenados por suas ações no dia do massacre, mas nenhum deles está preso.

Ao todo, 73 policiais foram acusados e condenados pelos 111 assassinatos no Carandiru. As penas chegam a até 624 anos de prisão. Em 2016, a pena desses policiais foi anulada por três desembargadores, mas em 2022, a condenação foi mantida em julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Esses policiais condenados continuam respondendo ao processo em liberdade.

Existe ainda um projeto de lei que propõe conceder anistia aos policiais condenados com a alegação de que a ação policial foi justificada como forma de conter a violência dos detentos em rebelião. Além disso, esse projeto também aborda as dificuldades de se penalizar individualmente em contextos tão complexos, como no caso desse massacre.

O Massacre do Carandiru na cultura pop

O que aconteceu na Casa de Detenção de São Paulo ficará para sempre na memória do mundo, já que serviu de inspiração para canções, livros, filmes e series de televisão.

Canções

  • “Diário de um Detento” (Mano Brown, Jocenir) – Racionais MC’s em Sobrevivendo No Inferno (1997)
  • “Haiti” (Caetano Veloso, Gilberto Gil) – Caetano Veloso e Gilberto Gil em Tropicália 2 (1993)
  • “Manifest” (Max Cavalera, Sepultura) – Sepultura em Chaos A.D. (1993)
  • A Promessa (Humberto Gessinger e Paulo Cesarin – Engenheiros do Havaí) em Simples de Coração (1995)*”19 Rebellions” (Andrade, Aniruddha Das, Pandit G, Steve Chandra Savale, Delbert Tailor) – Asian Dub Foundation em Enemy of the Enemy (2003)
  • “Roleta Macabra” (Eduardo) – Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
  • “Aonde o Filho Chora e a Mãe Não Vê” (Eduardo) – Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
  • “O Retorno ACDC A Prisão” – Sabotage em “Uma Luz que Nunca Irá se Apagar” (2001)
  • ” 111 Escombros – Invasores de Cérebros”
  • “Homenagem Póstuma” (Eduardo) – Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
  • “Mandando Bronca” (Rhossi, Doze) – Pavilhão 9 (banda) em Cadeia Nacional (1997)

Filmes

  • Carandiru (2003) de Hector Babenco
  • Prisioneiro da Grade de Ferro – autorretratos (2003) de Paulo Sacramento

Livros

  • Uma Porta para a Vida, de Celso Bueno de Godoy Junior
  • Carandiru: o Caldeirão do diabo de Celso Bueno de Godoy Junior
  • Diário de um Detento do ex-detento Jocenir
  • Estação Carandiru (1999) de Dr. Dráuzio Varella
  • O outro lado do muro – Ladrões, humildes, vacilões e bandidões nas prisões paulistas, 1997, de Silvio Cavalcante e Osvaldo Valente
  • Pavilhão 9 – O Massacre do Carandiru, de Elói Pietá e Justino Pereira
  • “Vidas do Carandiru – Histórias Reais”, 2003, de Humberto Rodrigues

Televisão

  • Carandiru, Outras Histórias (2006, Rede Globo)

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