Clementina de Jesus: personalidade importante da nossa cultura que as jovens militantes negras precisam conhecer

Na semana que completaria 120 anos, a sambista Clementina de Jesus ainda é lembrada como aquela que evidenciou a ancestralidade brasileira

Postado em: 08-02-2022 às 09h52
Por: Lanna Oliveira
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Na semana que completaria 120 anos, a sambista Clementina de Jesus ainda é lembrada como aquela que evidenciou a ancestralidade brasileira | Foto: Reprodução

Neta de escravos, ex-empregada doméstica, mulher do povo, Clementina de Jesus não foi apenas o elo do Brasil do século 20 com a África ancestral, mas contribuiu para que a cultura nacional se desenvolvesse em contato com sua essência. Foi ela quem despertou em João Bosco a africanidade, marca registrada da obra do cantor e compositor mineiro. Martinho da Vila é mestre do samba e do partido-alto graças a ela. Ao vê-la cantar no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, o jovem Milton Nascimento se encantou: “Era a África na minha frente”.

A cantora Clementina de Jesus é ainda uma das mais importantes figuras da história brasileira. Ela personificou a cultura negra resgatando os cantos africanos tradicionais como as rezas em jejê nagô e cantos em dialeto provavelmente ioruba, o que influenciou sua música. Ela fez parte da geração de ouro do samba, ajudando assim a consolidar o ritmo como a cara do Brasil. Seu encontro com o samba foi ao frequentar as rodas da Portela e da Mangueira, mas só começou a carreira profissional com mais de 60 anos.

Rainha Ginga ou Quelé, duas maneiras de chamar Clementina de Jesus, com a imponência do título de realeza e com a mudança carinhosa de seu nome. Clementina evocava sentimentos aparentemente contraditórios, porque ao mesmo tempo que era a representatividade da força, ela esbanjava ternura em seu sorriso largo. Todos a sua volta eram compelidos a chamá-la de mãe, inclusive pelos músicos do musical ‘Rosa de Ouro’. Poderosa, assim ela era vista por todos, principalmente, por sua potência nos palcos.

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Hoje muito se fala sobre a importância de nos reconhecermos na cultura africana, aquela que nos fez ser brasileiros, mas Clementina já cantava o respeito ao peso ancestral. Sua voz ecoava uma África que estava esquecida, evocada subitamente na voz e nos cânticos que ela aprendeu com sua mãe, filha de escravos. A cantora surgiu como um elo entre a moderna cultura negra brasileira e a África-Mãe. Para o escritor Darcy Ribeiro, dela vinha “a poderosa voz anunciadora do brasileiro que, amanhã, se assumirá como povo mulato, mais africano que lusitano”. 

Estrela do show ‘Rosa de Ouro’, resgate pós-bossa nova das tradições do samba, ela era acompanhada pelo grupo Cinco Crioulos, Anescarzinho do Salgueiro, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento. César Faria, pai de Paulinho, também se apresentava com ela, sabia como poucos acompanhar os tons daquela cantora ímpar, desacostumada com instrumentos de corda. Ícone da nossa cultura, Clementina de Jesus é lembrada esta semana pelo dia que nasceu, 7 de fevereiro.

Homenagem à Clementina de Jesus

A personificação do que é ser brasileiro, a cantora soube como ninguém incorporar a África-Mãe em uma cultura lusitana, o que não deveria ser, já que somos essencialmente afrodescendentes. Para aplaudir de pé essa mulher guerreira que temos o prazer de dizer que formou nossa identidade, o Itaú Cultural preparou uma matéria especial que traz entrevistas com o historiador Vinicius Natal, o sambista Nei Lopes e com Ana Rieper, diretora do filme ‘Clementina’, em exibição no Itaú Cultural Play, plataforma voltada para o cinema nacional.

Entrevistados pelo jornalista William Nunes, eles falam da vida e trajetória da cantora e compositora nascida em Valença, no Rio de Janeiro, e do papel social que ela exerceu na vida das pessoas por meio do samba. O documentário ‘Clementina’, realizado em 2018, revela e recupera o legado artístico e a trajetória biográfica da cantora dona de uma voz excepcional forjada na experiência do samba do morro. O filme foi construído entre imagens de arquivo, depoimentos de amigos e muito canto e batuque. 

Para Ana, um dos maiores desafios para a realização desse filme foi encontrar a linha narrativa. “Essa personagem abre tantas portas que dão sentido ao nosso mundo, que falar sobre Clementina me parecia ser falar sobre o universo, muito vago como proposta artística”, conta ela. Por fim, a diretora encontrou o ponto de partida para a construção do roteiro, durante a pesquisa. “Buscamos aspectos de sua vida familiar, cotidiana e artística, que dessem notícia da Clementina como uma pessoa que concentra em sua vivência aspectos importantes da cultura da diáspora africana no Brasil. Este foi o fio da meada para todo o resto”, conclui.

Vinicius Natal diz que “a trajetória de Clementina se constrói por meio de uma herança africana ressignificada no Brasil, ou seja, uma herança afro-brasileira”. Para ele, com esta base e sem se esforçar, ela demonstrava forte consciência política e racial. “As pessoas ficavam chocadas com a naturalidade com que ela tratava o preto pobre. Mas ela pertencia àquele grupo e o entendia como seu igual”, observa ele. “O fato de ter gravado discos e feito alguns shows, apesar de ter sido pouquíssimo reconhecida ainda em vida, não a tirava desse prumo”, complementa.

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