Encontros incentivam Adoção Tardia

Preferência por crianças mais novas diminui chances de adolescentes que aguardam na fila para adoção

Postado em: 25-05-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Preferência por crianças mais novas diminui chances de adolescentes que aguardam na fila para adoção

Higor Santana*

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),  em Goiás existem 146 crianças, na maioria grupos de irmãos, adolescentes ou especiais, aptas para adoção. Destas, 70% estão inclusas no grupo de adoção tardia, que são crianças e adolescentes com sete a 17 anos de idade. Por  outro lado, mais de mil famílias estão no cadastro nacional de adoção ou aguardam a autorização da justiça para realizar a adoção. Ainda de acordo com o ECA, estima-se que para cada criança apta a ser adotada, sete famílias esperam a autorização judicial. 

Em muitos casos, devido à demora na tentativa de adoção, a criança fica disponível para com a idade mais avançada. E pensando em antecipar o encontro entre criança e a família, alguns grupos de apoio e amparo às famílias promovem eventos com o objetivo de aproximar e fortalecer a relação entre todos. 

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Como é o caso do grupo de apoio a adoção e convivência familiar, Conviver. De acordo com a  diretora do grupo, Elita Paula, a instituição da sociedade civil é formada por pais adotivos e pessoas que estão no cadastro nacional de adoção, e realiza projetos de socialização e apoio psicológico para as crianças e famílias. “ Somos uma instituição, que realiza trabalhos de socialização das crianças que estão em abrigos de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Trindade  por enquanto. Nós promovemos passeios, picnics, visitas em shopping, o reforço escolar para as crianças e o apóio psicológico para famílias adotivas é que estão em abrigos”, explica.

No Brasil, muitas crianças e adolescentes passam parte de suas vidas em instituições de acolhimento. Algumas delas, aguardam ansiosamente a reinserção familiar de origem, enquanto outras compõem a lista para adoção. De acordo com o ECA, existe a separação de tipos de adoção, já que algumas requerem atenção especial por serem consideradas especialmente difíceis.  A dificuldade também se dá por causa da burocracia judicial e da preferência das famílias por sexo, idade e cor na hora de definir o perfil de escolha da criança.

As adoções de grupos de irmãos de crianças HIV positivo, adoções inter-raciais, de crianças com necessidades especiais e a adoção tardia estão entre os casos mais difíceis. No caso das adoções tardias, existem alguns aspectos, dentre as quais, o histórico de vivências anteriores e as dificuldades no período de adaptação que influenciam na escolha da criança.

Ainda de acordo com o ECA, o tempo de acolhimento de uma criança em instituição deve ser transitório, priorizando o convívio familiar. Em 2009, após 19 anos, o ECA sofreu sua primeira reforma. A Lei Nacional de Adoção alterou 54 artigos da primeira regulamentação. Depois da reforma, foi estipulado que as instituições de acolhimento ficam responsáveis por adotarem o princípio da preservação dos vínculos familiares e da promoção da reintegração familiar. Desta forma, nota-se que a nova lei tem como principal prerrogativa auxiliar as famílias visando promover o restabelecimento do convívio familiar o mais breve possível. Contudo, essa ainda é uma realidade que não foi alcançada. As crianças permanecem por muito tempo nos abrigos, tornando a possibilidade de adoção cada vez mais difícil.

Esperança

Segundo a diretora do Conviver, um dos objetivos do grupo é tirar dúvida e aproximar a família do filho adotivo antes da adoção.“O grupo surge da necessidade das famílias conversarem sobre as dúvidas a respeito da adoção das crianças que ficam nos abrigos e que  muitas vezes sem perspectiva de sair de lá; Das pessoas que querem adotar é não sabem o que fazer ou querem perguntar;  Dos filhos adotivos que não sabem a quem pedir ajuda quando se questionam sobre a adoção. Enfim, várias demandas”, explica.

Ainda de acordo com Elita, o perfil das crianças maiores  geralmente não se enquadra na preferência da maioria dos pretendentes à adoção. Por isso, na maioria dos casos, acaba sendo a opção de casais que já passaram pela experiência parental, de solteiros, de indivíduos divorciados e viúvos que não possuem disponibilidade ou desejo de cuidar de um recém-nascido. Frequentemente, a justificativa para preferência por bebês aparece relacionada com a dificuldade na educação de uma criança maior somada a busca por melhor adaptação entre pais e filhos sem interferência de aprendizados anteriores. Trata-se de uma tentativa de amenizar as consequências de vivências que a criança possa trazer consigo, satisfazendo o anseio da família de ter um filho biológico.

Nos últimos 20 anos, devido ao trabalho realizado pelos grupos de apoio à adoção muitos avanços foram alcançados por meio da conscientização dos pretendentes sobre o perfil da criança. Elita destaca que o trabalho realizado nesses grupos auxilia na mudança do perfil escolhido durante o cadastro. Segundo ela, apenas 4% dos pretendentes chegam ao grupo dispostos a adotarem crianças maiores de quatro anos e ao final dos encontros, esse número chega a 20%.

Vida nova

Para o ECA, a adoção pode ser entendida como a possibilidade de reinvestir em objetos que outrora foram ameaçados devido a experiências de ruptura de vínculo. Todavia, é importante destacar que ela não pode ser vivida como uma solução mágica para todos os problemas. Essa não é uma alternativa que, por si só, seja capaz de ultrapassar os traumas que possam haver na trajetória dessas crianças.

A chegada numa família adotiva será perpassada pelas histórias, marcas e possíveis traumas vividos pela criança que, muitas vezes, é exposta a situações de risco registradas no aparelho psíquico como por exemplo, descuido e desapego. Isto pode gerar dificuldades em criar novos vínculos. Nesse contexto, ao abordar o tema de adoção de crianças maiores, a reflexão sobre o histórico e experiências anteriores à adoção se mostra fundamental para compreender a construção do novo vínculo parentofilial. 

Para a diretora do Conviver, é gratificante a sensação de promover o encontro das famílias com os futuros filhos. “É bom dizer que eu sou mãe adotiva de 4 adolescentes. Três são irmãos biológicos. Então,  me sinto privilegiada quando vejo o encontro de uma família com o filho tão sonhado, tão desejado. Quando vejo o sorriso de uma criança no abrigo que foi para um passeio com a gente, quando tenho a experiência de ver um adolescente sendo adotado. É uma satisfação que não tem como descrever”, explica.

“Nós fazemos esses passeios com ajuda da comunidade. Então precisamos de apoio para compra de materiais de limpeza e higiene pessoal das crianças do abrigo e também para realização de passeios com as crianças e adolescentes. Quem puder ajudar, temos a conta bancaria que é Sicoob, Agência 3299 CC 11.857-5. Ou se preferir, venha conhecer o projeto pessoalmente e se emocionar com o trabalho que nós realizamos”, conclui Elita.

 

Governo deve lançar campanha de incentivo à adoção tardia 

Com o objetivo de incentivar  adoção de crianças e adolescentes a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves  afirmou que o governo deve lançar até o segundo semestre, uma campanha de incentivo à adoção no Brasil. De acordo com a ela, o governo estuda mandar para o Congresso um projeto de lei para promover mudanças na Lei da Adoção.“Estamos observando que o número de crianças que estão ficando nos abrigos é a partir de três anos de idade. Vamos fazer uma campanha focada em adoção tardia e trabalhar também com a adoção de crianças com doenças raras, crianças com deficiência física ou mental”, disse a ministra.

A lei de adoção sofreu modificações em 2017, mas ainda é considerada pelo governo como burocrática e lenta. A legislação atual determina, entre outros pontos, que a reavaliação da situação das crianças em programa de acolhimento familiar ou institucional ocorra de três em três meses. Ela também estabelece prazo de um mês sem contato da família para que recém-nascidos e crianças sejam incluídos no cadastro de adoção. 

De acordo com Damares, a intenção de mudar a legislação é fazer com que todo o procedimento dure nove meses, em alusão ao tempo de gestação de um bebê. “No máximo nove meses entre a destituição do pátrio poder e o deferimento da adoção. A gente trouxe esse número para fazer alusão ao período de gestação, mas se for mais rápido, melhor ainda. E essa parceria com o legislativo é para desburocratizar e melhorar a legislação”, explica.

Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que atualmente existem 45.991 pessoas interessadas em adotar e 9.524 crianças e adolescentes aptos para ser adotados em todo o país. No entanto, cerca de 47 mil crianças e adolescentes ainda estão com situação indefinida e inseridas em programas de acolhimento institucional. Segundo a ministra, a intenção é que a campanha também colabore para a adoção dessas crianças e adolescentes. “Tem tanta gente querendo adotar, tanta criança no abrigo e tão poucas para a adoção. Abrigo não é lar”, afirmou a ministra. “É angustiante. Conhecemos pessoas que estão há seis anos aguardando a adoção, tem crianças que ficam seis, oito anos no abrigo aguardando a adoção. Essa fila de adoção tem deixado muita gente triste”, acrescentou. 

Burocracia

De acordo com o CNJ, a demora no procedimento de adoção se deve, em boa parte, ao perfil indicado pelos adotantes: crianças recém-nascidas, com um, dois ou três anos de idade e brancas. Os números do cadastro mostram que 14,74% dos pretendentes aceitam somente crianças brancas, outros 61,95% não aceitam adotar irmãos. Os números do CNJ mostram ainda que 61,95% das crianças que estão em abrigos são pardas e negras; 73,48%, tem mais de 5 anos; 25,68% tem algum tipo de deficiência ou doença crônica; e 55,46% tem irmãos ou irmãs. 

Além da adoção de crianças e adolescentes, Damares disse que o Ministério também vai promover uma campanha para a adoção de idosos, mas não deu detalhes sobre a proposta. “Também vamos trabalhar com adoção de idosos. Nós já vimos umas experiências exitosas como a adoção socioafetiva de padrinhos de idosos, tirar um pouco os idosos dos abrigos”, completou.

 

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