Na contramão da boa política, Kleybe Morais destila ameaças à imprensa
Como se não bastasse a postura incoerente com o cargo que ocupa, vereador decidiu atacar jornalistas no aniversário de 34 anos da Constituição Federal de 1988
Augusto Diniz | Felipe Cardoso | Francisco Costa | Wilson Silvestre | Yago Sales
A última quarta-feira (5) foi marcada por duas situações dignas de destaque. A primeira diz respeito ao aniversário do marco da redemocratização do Brasil. Há exatos 34 anos, Ulysses Guimarães promulgava o documento que imprimiu nas páginas da história um novo destino aos brasileiros. Dali em diante, todos se viram livres da censura, do arbítrio e das perseguições. A segunda, por sua vez, diz respeito ao infeliz pronunciamento de um parlamentar eleito pelo voto popular à Câmara Municipal de Goiânia, vereador Kleybe Morais (MDB).
O político, na contramão do processo democrático que, inclusive, o elegeu, achou por bem ignorar a data — se é que a conhece — ao usar a palavra durante a sessão plenária da última quinta. Na ocasião, não poupou esforços e destilou diversos ataques à imprensa goiana.
Sem citar nomes, o vereador afirmou que se fosse “dono” do Poder Legislativo, não permitiria que alguns profissionais da imprensa frequentassem o Parlamento. “Toda área tem gente que presta e gente que não presta. Na imprensa é da mesma forma. Sou amigo da maioria dos repórteres. Mas não mexe comigo não”, disse ao proferir a primeira das várias ameaças que ainda viriam.
“Respeito a todos e não interfiro no trabalho de ninguém. Não me importa se é católico, crente, hétero ou homossexual. Não me importa. Mas jornalista precisa respeitar vereadores dessa Casa.”
Ele prometeu, na sequência, que se jornalistas forem à Câmara para fazer “caricatura e chacota” dos vereadores, vai “por para moer”. “Não vou aceitar bandido da imprensa vir pautar a Câmara e os vereadores. Vou para cima e vou na goela. E para quem sabe ler, um pingo é letra. Vem para cima de mim que vai voltar do mesmo jeito. Não me importa se é hétero ou gay, se é bicha ou é homem.”
Kleybe ainda disse que a Câmara não é lugar de bandido e nem lugar de malfeitor. “Nem de pessoas que querem se promover subindo nas costas dos outros. Repito: vem fazer caricatura, chacota, vai voltar com o rabinho entre as pernas. Entenda como ameaça”, frisou para reforçar a ameaça antes de devolver a palavra.
Padrão Clécio
Em um outro trecho de seu discurso inflamado, Kleybe ainda disse que será o “novo Clécio Alves”. O presidente do Legislativo, Romário Policarpo (Patriota), na contramão do esperado, se limitou a brincar com a situação como em um endosso às palavras do colega.
Clécio Alves, citado pelo parlamentar, também é conhecido por ataques aos meios de comunicação. No ano passado, por exemplo, partiu para o ataque a alguns veículos, especialmente ao jornal O Popular. Clécio, vale lembrar, foi eleito no último domingo (2) e deixa o cargo de vereador para assumir a posição de deputado estadual.
Repúdio
O Sindicato dos Jornalistas de Goiás (SindjorGO) repudiou veementemente as ameaças feitas pelo vereador Kleybe Moraes aos profissionais goianos.
“Uma pessoa em posição pública deve saber aceitar críticas e respondê-las de forma democrática ou acionar a Justiça caso se sinta pessoalmente ofendido. A ameaça é inaceitável e esperamos que o partido dele se posicione publicamente sobre as ameaças feitas”, diz um trecho do documento enviado ao jornal O HOJE.
O texto também afirma que o sindicato não se furtará em “tomar todas as medidas judiciais necessárias para garantir o livre exercício do jornalismo e a integridade física dos jornalistas”.
Partido
Em nota, o MDB, partido do vereador, comandado pelo vice-governador eleito Daniel Vilela, destacou: “O MDB Goiás vem a público solidarizar-se com todos os jornalistas goianos atacados injustamente pelo vereador Kleyber Moraes (MDB) durante sessão ordinária na Câmara Municipal de Goiânia”.
E continua: “Nosso partido, cujos pilares fundamentam-se na democracia e no profundo respeito às liberdades individuais e coletivas, repudia toda e qualquer forma de censura e ameaça a uma categoria formada por profissionais cujo papel tornou-se ainda mais relevante no cenário político atual”.
Por fim, o partido disse esperar que o vereador emedebista, detentor de cargo público que lhe foi conferido em votação popular, “reveja seu posicionamento o mais rápido possível”.
Relembre
Em maio, reportagens do jornal O HOJE revelaram que, sem nenhum constrangimento, uma assessora parlamentar de Kleybe Morais supostamente cobrava R$100 por diploma falso de pós-graduação dentro do gabinete 10.
A suposta venda teria sido feita principalmente às vésperas em que professores assumiram o processo seletivo simplificado 001/2021 da Secretaria Municipal da Educação (SME) e alguns deles procuravam o gabinete em busca de documentos emitidos. A apuração revelou que a documentação era falsa. Desde então, a prefeitura não deu resposta sobre uma auditoria que seria feita para apurar a denúncia.
Meses antes, o jornal descobriu que Kleybe supostamente atraía, por meio das redes sociais, eleitores a uma sala já alvo de investigação pelo Ministério Público no Centro de Goiânia, onde o vereador teria prometido facilitar a entrada no serviço público em troca de votos. Os casos são investigados pelo MPGO.
O mesmo modus operandi teria sido flagrado em 2017, quando o vereador supostamente atraía eleitores com a promessa de facilitar a posse em processos seletivos. O processo é conduzido lentamente e, enquanto isso, o parlamentar continuaria a repetir o modus operandi para ter apoio político e se reeleger. Ano passado, a reportagem do jornal O Hoje flagrou o parlamentar em uma reunião convocada pelas redes sociais na qual Kleybe teria prometido ajudar pessoas a conseguir uma vaga justamente no processo seletivo 001/2021 da SME.
Como prevê o papel da coluna Xadrez, atualmente assinada pelo jornalista Wilson Silvestre, na ocasião feita por Yago Sales, várias charges foram elaboradas para retratar a falta de empenho da Câmara Municipal apurar as denúncias dos atos ilegais que teriam ocorrido debaixo do nariz do presidente Romário Policarpo.
Ainda com o trabalho investigativo, o jornal O HOJE revelou suposto esquema de funcionários-fantasmas e rachadinha no gabinete do vereador Paulo Henrique da Farmácia. Embora à época o parlamentar fosse secretário, a apuração chegou à conclusão que ele teria conhecimento da suposta prática, segundo fontes ouvidas pela reportagem.