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terça-feira, 22 de abril de 2025
Quiet quitting

O protesto silencioso que está redesenhando o mundo do trabalho

Ao recusar a lógica da sobrecarga e priorizar bem-estar, nova geração desafia empresas a repensarem a relação entre engajamento, reconhecimento e propósito

Luana Avelarpor Luana Avelar em 9 de abril de 2025
Foto: Venditore
Foto: Venditore

O mundo corporativo está diante de uma reconfiguração silenciosa, mas poderosa. O ‘quiet quitting’, termo que tem circulado em fóruns, reuniões de RH e redes sociais, representa mais do que um modismo linguístico. É uma mudança de mentalidade que ganhou corpo nos últimos anos e se consolidou como uma resposta dos trabalhadores aos modelos tradicionais de trabalho que, para muitos, deixaram de fazer sentido.

Apesar da tradução literal ser ‘demissão silenciosa’, o conceito está longe de significar uma saída formal da empresa. Trata-se de uma atitude: o colaborador opta por cumprir apenas o que está previsto em sua descrição de cargo, sem se engajar além do necessário. Em vez de buscar promoções ou assumir novas responsabilidades, ele se mantém funcional, mas emocionalmente distante. É, em essência, um grito mudo contra a lógica de sobrecarga, metas inalcançáveis e ausência de reconhecimento.

Essa postura ganhou força principalmente entre os jovens da geração Z e foi potencializada pela pandemia da Covid-19. O confinamento, o trabalho remoto e o aumento de transtornos mentais, como ansiedade e depressão — que, segundo a Organização Mundial da Saúde, cresceram 25% globalmente — forçaram uma revisão de valores. Com fronteiras cada vez mais turvas entre casa e escritório, muitos passaram a questionar a centralidade do trabalho em suas vidas.

Dados da consultoria McKinsey apontam que um em cada quatro jovens da geração Z relata sofrimento emocional l, o dobro dos níveis registrados entre millennials e geração X. A busca por equilíbrio, qualidade de vida e bem-estar se tornou prioridade. Essa inquietação, muitas vezes expressa em vídeos virais no TikTok e outras plataformas, conecta-se diretamente a outro movimento pós-pandêmico: o ‘great resignation’ (grande renúncia), quando milhões de pessoas pediram demissão voluntariamente. Apenas nos Estados Unidos, em agosto de 2021, foram 4,3 milhões.

Ambos os fenômenos são faces de uma mesma insatisfação estrutural: a percepção de que a equação esforço x recompensa está desequilibrada. Por que trabalhar além do contrato para um retorno que nem sempre é justo ou proporcional? O que se vê é uma geração que questiona se vale a pena investir energia em um sistema que raramente entrega o prometido.

Três fatores principais sustentam esse novo comportamento. O primeiro é a falta de reconhecimento. Profissionais que se sentem invisíveis diante das lideranças ou que não percebem oportunidades de crescimento tendem a se desengajar. O segundo motivo é o desejo de relações mais saudáveis com o trabalho, que não se sobreponham à vida pessoal. O terceiro é a qualidade da liderança: chefias pouco empáticas, que não escutam ou não oferecem feedback, contribuem para o afastamento emocional dos times.
Nesse cenário, o quiet quitting se impõe como um desafio complexo. Diferentemente de uma demissão formal, ele não é evidente. Trata-se de um problema silencioso e gradual, o que dificulta a ação das lideranças. A produtividade diminui, a colaboração enfraquece e o espírito de equipe se esvai — sem que, necessariamente, alguém esteja disposto a verbalizar o desconforto. O impacto é profundo, tanto na cultura organizacional quanto nos indicadores de performance.
A taxa de participação da força de trabalho ainda não retornou aos níveis anteriores à pandemia. Segundo o 21º Índice de Confiança Robert Half, ela está em 62,6% — 1,4 milhão de pessoas a menos em comparação com a média de 2017 a 2019. A consultoria aponta que isso poderá afetar negativamente a produtividade global no futuro.
Ainda assim, a tendência não deve ser lido apenas como um obstáculo. Ele também é uma oportunidade. Empresas que forem capazes de enxergar esse movimento como um sinal de alerta poderão revisar suas práticas e construir ambientes mais humanos e sustentáveis. Para isso, algumas ações são indispensáveis.

A comunicação clara e objetiva entre líderes e equipes é o primeiro passo. Ambientes onde os profissionais sentem-se ouvidos tendem a reter talentos com mais facilidade. A cultura do feedback — não apenas avaliativo, mas também construtivo — é importante para manter a motivação.

O segundo ponto é o investimento em desenvolvimento profissional. Oferecer cursos, mentorias e trilhas de crescimento demonstra que a empresa se importa com o futuro de seus colaboradores. Isso gera vínculo e engajamento.
O terceiro aspecto é respeitar os limites. Flexibilidade de horário, políticas de home office, pausas regulares e incentivo ao cuidado com a saúde mental são medidas que contribuem diretamente para um ambiente mais equilibrado.

É papel da liderança identificar os sinais de desmotivação e atuar de forma propositiva. A gestão contemporânea precisa ser baseada na escuta ativa, no acolhimento e na construção conjunta de soluções. O modelo autoritário e centrado apenas em resultados cede espaço para uma abordagem empática e humanizada.

O quiet quitting evidencia a urgência de reformular a forma como o trabalho é concebido. Ele não é uma ameaça, mas uma resposta. Uma chamada à reflexão sobre os rumos de um mercado que, por muito tempo, confundiu comprometimento com disponibilidade total. A nova geração mostra que é possível — e necessário — trabalhar com responsabilidade sem abrir mão da vida. Cabe às empresas entenderem esse recado e transformá-lo em ação.

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