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MEIO AMBIENTE

Espécies ameaçadas desaparecem em silêncio no Estado

Sem monitoramento estadual, animais do Cerrado somem sem deixar rastros

Micael Silvapor Micael Silva em 15 de maio de 2025
Uma das espécies de abelhas mais afetadas no Estado é a Melipona rufiventris Foto:Aina França
Uma das espécies de abelhas mais afetadas no Estado é a Melipona rufiventris Foto:Aina França

A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) está conduzindo uma ampla consulta pública com o objetivo de elaborar a primeira lista estadual de espécies ameaçadas de extinção em Goiás. 

O processo, inédito, busca preencher uma lacuna importante: até então, o estado dependia exclusivamente da lista nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que nem sempre reflete as realidades e riscos específicos do Cerrado.

Nesta etapa inicial, o foco está especialmente voltado para as abelhas e outros invertebrados, essenciais à manutenção do equilíbrio ambiental. A consulta é voltada exclusivamente a pesquisadores e especialistas, que têm até o dia 12 de junho para enviar suas contribuições por meio da plataforma BioData. No site, basta acessar a aba “buscar”, escolher a espécie e preencher os dados disponíveis na aba “contribuições”.

Todas as informações enviadas serão analisadas por uma equipe técnica e poderão compor fichas técnicas que embasarão políticas públicas e ações de conservação. A expectativa da Semad é avaliar cerca de 1,7 mil espécies de vertebrados entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes e aproximadamente 900 espécies de invertebrados, incluindo libélulas, aracnídeos, moscas e, com destaque, abelhas nativas.

Abelhas em risco

Para o biólogo João Pedro Cicatelli, a atenção às abelhas não é exagerada: trata-se de um grupo vital para os ecossistemas e também para a agricultura. “As abelhas não apenas possuem significância monetária, como produção de mel e cera, mas também são responsáveis por cerca de 70% da polinização do planeta”, explica. Segundo ele, essa atividade é fundamental para o ciclo da vida: das lavouras ao equilíbrio da cadeia alimentar e à qualidade do ar.

No entanto, o avanço da agricultura intensiva e o uso desenfreado de agrotóxicos, sobretudo inseticidas, estão provocando uma queda vertiginosa em diversas populações. “O produtor, ao invés de buscar soluções sustentáveis, acaba recorrendo a alternativas baratas e destrutivas, sem perceber que compromete o próprio ambiente em que vive”, critica Cicatelli.

Uma das espécies mais afetadas em Goiás é a Melipona rufiventris, uma abelha nativa da tribo Meliponini, típica de áreas tropicais. “Ela sofre com a perda de habitat e é extremamente sensível à contaminação química, o que a torna ainda mais vulnerável”, aponta o biólogo.

Importância do BioData

Segundo Cicatelli, o diferencial da iniciativa está na possibilidade de coletar e organizar dados regionais, o que permite uma avaliação mais precisa da biodiversidade local. “Como está no próprio nome, BioData, a maior ferramenta aqui é a informação. Com estrutura adequada, é possível monitorar espécies e ambientes e tomar medidas corretivas e preventivas”, afirma.

Ele ressalta, no entanto, que apenas os dados não bastam. “É necessário que o poder público use essas informações com responsabilidade, criando políticas eficazes em favor da economia, da sociedade e do meio ambiente.”

Expectativas e próximos passos

Mesmo com o avanço do processo, o biólogo demonstra cautela. “É complicado prever os resultados apenas com base nessa avaliação, principalmente diante dos interesses econômicos e políticos em jogo. Mas o ideal seria termos mais regulamentação no uso de químicos, mais preservação dos habitats e incentivo à capacitação dos produtores”, sugere.

Atualmente, o acesso ao BioData é exclusivo para especialistas e gestores ambientais. Após o fim da consulta, o portal será aberto ao público e funcionará como um banco de dados oficial sobre a biodiversidade do estado. A Semad acredita que essa é a primeira etapa de uma nova fase da política ambiental goiana, com base em ciência, dados e compromisso com o futuro da fauna do estado.

O objetivo da Secretaria é reunir o máximo de dados para garantir que nenhuma espécie seja esquecida. A criação da lista estadual permitirá não só reconhecer a fauna em risco, como também abrir caminhos para ações mais eficazes de preservação dos ecossistemas do Cerrado e outros biomas do estado. A expectativa é que, com base em ciência e dados concretos, o poder público possa atuar de forma mais estratégica diante das crescentes pressões ambientais. 

Fauna brasileira enfrenta riscos crescentes de extinção

O Brasil, reconhecido por sua vasta biodiversidade, enfrenta uma crise silenciosa: mais de 1.250 espécies da fauna estão ameaçadas de extinção, conforme dados atualizados pelo ICMBio. Entre as espécies mais vulneráveis estão 102 mamíferos, 257 aves, 59 anfíbios, 71 répteis, 393 peixes e 372 invertebrados.

A perda de habitat devido ao desmatamento, a poluição de ecossistemas e a caça ilegal são as principais ameaças à sobrevivência dessas espécies. O mutum-do-sudeste, por exemplo, é uma ave criticamente ameaçada, com menos de 250 indivíduos na natureza, sofrendo com a destruição da Mata Atlântica e a caça.

Nos rios, o cascudo-zebra, peixe endêmico do rio Xingu, está em risco crítico devido à construção de hidrelétricas e à coleta ilegal para o comércio de aquários. Já no litoral, a toninha, único golfinho ameaçado no Brasil, sofre com a captura acidental em redes de pesca e a poluição marinha. 

Para enfrentar essa situação, o ICMBio utiliza o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), que permite monitorar e categorizar as espécies conforme seu grau de ameaça. A atualização constante dessas listas é fundamental para orientar políticas públicas e ações de conservação.

A preservação da fauna brasileira requer esforços integrados entre governos, pesquisadores e sociedade civil, visando proteger os habitats naturais e combater as atividades que colocam em risco a sobrevivência das espécies.

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